Carta aberta aos militantes do PSOL
Carta de ingresso de Flaviano Correia Cardoso ao MES.
A tarefa de construir uma ferramenta política para a luta socialista no Brasil sempre foi uma necessidade de mulheres e homens explorados e oprimidos pelo projeto de dominação capitalista ao logo da história. Esse modo de construção social da vida criou uma classe, dentro da humanidade que já nasce com menos direitos e sem qualquer privilégio: a classe trabalhadora.
Ao longo dessa história de brava resistência e profunda complexidade social, o entendimento teórico e político das entranhas do Capital, de suas formas de dominação, ideológica e historicamente configuradas, impuseram importantes desafios, que ainda hoje se aprofundam. Afinal, entender a crise do capitalismo, a forma como ele se reconstrói a cada crise e como a ideologia da sua classe dominante se fortalece é uma tarefa fenomenal, pois estamos sempre diante da contradição de um sistema que se empenha em formatar seres humanos a aceitarem a sua exploração, muitas vezes até reproduzindo-a, enquanto não possuem consciência dos seus reais adversários e de sua condição de classe social.
Existe algo, contudo, que não pode ser controlado. O Capitalismo não se sustenta economicamente e tem sido cada vez mais incapaz de garantir a vida social. A eclosão do COVID19, é a prova de que as riquezas humanas , direcionadas para aparatos bélicos e de inteligência contra um suposto terrorismo social, foi incapaz de suprir as necessidades de defesa humana ante as respostas implacáveis da natureza, seja em forma de um vírus mortal seja na forma de catástrofes climáticas.
O fato é que a formatação social que sua classe dominante produziu tem sido cada vez mais incapaz de garantir condições dignas para a humanidade além de ser insustentável na ralação com a natureza e com as cada vez mais complexas facetas da identidade humana que livremente emergem nas linhas da história social. Ou seja: a perspectiva de um amplo levante social que questione as bases estruturais desse sistema estão em pleno desenvolvimento e necessitam ser organizadas e ter a sua expressão na sociedade. Precisamos fortalecer uma alternativa de massas para a expressão política de uma nova ordem mundial.
No Brasil, a classe trabalhadora, há cerca de 40 anos, em um perfil que envolvia amplos setores operários, camponeses e da intelectualidade de esquerda, inscreveu-se na história com a construção de um instrumento político que representava os seus interesses: o Partido dos Trabalhadores – PT. Esse partido foi a mais poderosa ferramenta de nossa classe. Durante sua história, contudo, o que vimos é que o partido optou por representar interesses de setores da classe oposta, rompendo a sua fronteira de classe, em um complexo processo de adaptação política, que envolveu temas como burocratização sindical, ampliação desregrada do arco de alianças políticas, além da priorização da gestão do sistema capitalista no país. A gestão de governos é fundamental, mas o norte deve ser sempre o de lutar contra as desigualdades sociais. A Realidade é que não foram essas as opções que marcaram a ampla maioria das gestões petistas!
A identidade do PSOL surge diante desta crítica! Afinal não poderíamos nos manter de um projeto político que estaria a serviço da manutenção dos lucros extraordinários dos grandes conglomerados econômicos em nosso país, ao tempo que para os trabalhadores, uma pequena parte da riqueza nacional era socializada. O PSOL surgiu com o desafio de construir um grande
movimento pelo resgate das tradições históricas de luta dos trabalhadores e do conjunto da população pobre e com condições precarizadas, com o objetivo claro de resgatar a ferramenta que o PT deixou “aluir”. Conquista de melhores condições de vida e trabalho, respeito à diversidade, governos democráticos e dedicados à reduzir as diferenças entre o povo pobre e as elites, passou a ser a nossa missão estratégica. E essa tarefa, para nós deveria ser feita na luta! Pois é na luta social que mostramos nossa força e é a partir dela que temos as melhores condições para avançar.
É nesse processo que me identifico enquanto sujeito histórico. E é dessa forma e método de ação política que produzo a síntese do meu ser, que nunca foi pessoal, mais sempre foi firme nos princípios políticos que aprendi a me agarrar nesse imenso arrastão da luta de classes.
Sofri um processo de expulsão quando fui presidente do DCE da UNIT em 2003. Fui para Curitiba e participei de uma experiência de ocupação de uma fábrica, a Diamantina Fosanese, construída pelos seus próprios trabalhadores, militei em São Paulo e ajudei na construção de uma Central Sindical, a Intersindical. Ainda estudante, militei no movimento estudantil, em Curitiba, São Bernardo e Santos. Voltando à Sergipe em 2013, estive engajado na luta na periferia e pude ajudar a dirigir uma experiência vitoriosa de cerca de 600 famílias em uma ocupação de moradia no 17 de março. O novo amanhecer. Um vídeo produzido pelo camarada Vinícius Oliveira conta essa história. (Paz com Direitos no Youtube)
Nesse processo me ví acometido de importantes erros ideológicos no que diz respeito a condições ideológicas atrasadas, reconstruídas no meu ser social. Ao ter consciência disso, e sob profundo ataque de militantes do partido, resolví me afastar. Precisava de uma organização política que me ajudasse a compreender esses problemas. Lamentavelmente, não tive isso no PSOL. Decidi militar no PSTU, pois precisava de uma ferramenta política para continuar lutando, em militância. Embora tenha muito respeito aos camaradas do partido, expressei publicamente as minhas divergências quando o PSTU não se posicionou contra a prisão do Lula. Fiz isso em um artigo intitulado “Porque sou contra a prisão do Lula”. Com esse artigo saí do PSTU e iniciei o diálogo nacional com companheiros do PSOL, visando o meu retorno as fileiras do partido.
Durante esse processo, mesmo sem partido, nunca deixei de militar nas fileiras da classe em SE. Atuei em várias ocupações de moradia, inclusive com ocupação da prefeitura. Mantive firme a atuação sindical na Caixa Econômica Federal, enquanto delegado sindical de base e ajudei, como advogado, na construção do Comitê Social de Crise – OAB-SE, ocupando a cadeira de Secretário Geral, nessa iniciativa, para representar os interesses do povo oprimido durante a pandemia. Em resposta a uma luta que protagonizei contra o assédio moral no meu local de trabalho, recentemente fui alvo de perseguição política na Caixa sendo demitido por justa causa por organizar essa luta na agência da Caixa (Siqueira Campos). Nunca parei de militar, estudar, refletir, autocriticar e aprimorar a minha condição enquanto sujeito político de classe.
O período que passei distante do partido me fez refletir que é preciso que tenhamos uma ferramenta de massas. Que organize o povo nas periferias de nossa cidade, que enfrente o desafio de convocar o povo pobre e oprimido para lutar pelo seu espaço na política. A luta pelo PSOL é também a luta para organizar o povo negro contra o extermínio da polícia militar, é a luta dos gays, Trans, lésbicas e de quem não se encaixa em rótulos de gênero pelo direito de ser feliz enquanto seres humanos. O PSOL tem a vocação de ser um partido das massas inominadas que assegure o espaço democrático ao poder social aos que não participam da política por
determinação da politicagem tradicional. E nós temos o dever de viabilizar que isso aconteça! Temos que perder a timidez e filiar esse setor da sociedade, assegurando que eles tenham condições de lutar pelo seu espaço de poder em nossa sociedade.
Depois de muito debate e reflexões, escolhi a corrente do PSOL, MES- Movimento da Esquerda Socialista – para militar. Retorno ao partido para dedicar os melhores anos de minha vida para sua construção. E acredito que o PSOL tem que ser uma alternativa de esquerda, refletindo sobre os erros do PT, sem se somar aos que querem massacrar, prender e humilhar o Partido dos Trabalhadores. Temos um inimigo comum! Temos que construir uma ampla frente popular contra o desgoverno de Bolsonaro e precisamos fazer isso pela base. Seja a base sindical dos trabalhadores, seja a base popular na periferia que vive na informalidade, seja a base que se aglutina pelo direito a sua identidade de gênero e raça. Volto ao PSOL com a convicção que essa ferramenta está em disputa para ser o mais novo e importante instrumento da classe trabalhadora para enfrentar o desafio de sua realização política. Volto ao PSOL para lutar pelo socialismo! E para fortalecer a convicção pujante de que podemos decidir que nação e que sociedade no mundo inteiro nós queremos construir! Vamos á luta, aprendamos com cada passo que dermos! Reinterpretanto o dizia um corcunda italiano: “Agitai-nos, para mostrar a nossa vontade e entusiasmo na luta por mudanças; instruí-nos, para compreender com a máxima profundidade possível a complexidade da realidade que nos cerca, e organizai-nos, para mostrar o quão pujante e poderosa é a nossa força. Pois é a classe trabalhadora, o povo pobre, e a luta por uma vida plena de sentido por quem luta para ser respeitado e ser feliz, que baliza todo o nosso protagonismo nessa tarefa de fazer do mundo um lugar em que a felicidade seja algo alcançável e plenamente possível.
Saudações a todos os militantes do PSOL.
Aracaju, 10 de setembro de 2020