A obra de Nancy Fraser é celebrada em novo livro

Reunindo estudiosos de diversos campos, Chiara Bottici e Banu Bargu realizaram uma coletânea fundamental de reflexões sobre o pensamento de Nancy Fraser abrangendo suas quase quatro décadas de carreira.

Lucas Ballestín 7 ago 2017, 12:25

Por ocasião do aniversário de 70 anos da Profa. Nancy Fraser, Chiara Bottici e Banu Bargu – professores associados, respectivamente, dos departamentos de Filosofia e Política da The New School for Social Research – colaboraram para a edição de Feminismo, Capitalismo e Crítica [“Feminism, Capitalism and Critique] (Palgrave Macmillan). Reunindo estudiosos de diversos campos, Chiara Bottici e Banu Bargu realizaram uma coletânea fundamental de reflexões sobre o pensamento de Nancy Fraser abrangendo suas quase quatro décadas de carreira.

O resultado é uma coletânea de quinze ensaios que reúne alguns dos nomes mais proeminentes da teoria crítica. Dentre eles estão pensadores que possuem uma afinidade tanto pessoal quanto acadêmica por Nancy Fraser, tendo sido alguns de seus principais interlocutores. Para além deste valor pessoal, o texto oferece um curso completo de reflexão filosófica sobre os principais temas que orientam o conhecimento de Fraser – temas que seguem tão relevantes hoje quanto sempre foram.

Como os editores sugerem na introdução, “esse livro cria um espaço de diálogo para estudiosos de diversas disciplinas explorarem os meios pelos quais a perspectiva feminista pode ser adotada para entender o capitalismo.” Eles explicam que pretendem integrar múltiplas vozes afim de promover “um pensamento crítico que tem como objetivo promover justiça social, e estudar quais consequências políticas podem resultar.”

Essas ambições podem ser reconhecidas como os objetivos declarados do próprio trabalho de Fraser, que evoluiu consideravelmente ao longo do tempo.

“Se olharmos para seu trabalho de conjunto, poderemos ver uma expansão da questão do feminismo em sua conexão com o capitalismo para todas as outras esferas”, diz Bottici. Ela explica que Fraser começou como uma feminista marxista, mas “expandiu o escopo de sua análise para incluir redistribuição, participação, reconhecimento e – mais recentemente – raça e ecologia.” A habilidade de Fraser para expandir o escopo de seu trabalho tornou-se a fonte de sua influência duradoura e um meio para se compreender sua capacidade para inspirar diversas gerações de feministas.

“Para nós, feminismo nunca foi uma política identitária”, diz Bargu, “[em vez disso], é o componente anticapitalista do feminismo de Fraser” que liga mais estreitamente ela e Bottici a Fraser. O anticapitalismo é uma das posições mais importantes de Fraser. Seu compromisso em desenvolver uma consideração precisa e complexa sobre a relação entre opressão de gênero e capitalismo ganhou nova relevância na atual situação, quando os progressistas procuram uma maneira de fazer avançar suas diferentes causas com uma só voz.

Sem esta ênfase, o feminismo pode ser cooptado e o empoderamento das mulheres pode significar (e frequentemente o faz) mera luta pela liberdade das mulheres em explorar os outros. Na visão do feminismo neoliberal dominante, empoderar as mulheres pode significar, por exemplo, colocar mais mulheres nas mesas de direção e cargos executivos, eleger mulheres para cargos políticos, ou então conferir às mulheres poder e autoridade sobre as demais pessoas no ambiente corporativo ou nas estruturas estatais. Para Fraser e os editores, esses objetivos não deveriam ser o foco do feminismo. Ou, como Bottici caracteriza a posição de Fraser, “feminismo não significa mulheres capitalistas.” Ela acrescenta que para ela e Bargu, pelo menos, “isso tampouco significa mulheres presidentes. Esse é um ponto muito crucial, ainda mais num momento em que figuras como Ivanka Trump escreve livros para empoderar mulheres com o tão falado título Mulheres que Trabalham [“Women who Work”]. O trabalho do feminismo na visão delas não é liberar o acesso das mulheres ao topo da hierarquia, na medida em que isso geralmente significa explorar outras mulheres menos privilegiadas, mas desmantelar essas estruturas.

Ao longo do arco de sua carreira – como as contribuições dessa coleção atestam – Fraser tentou delinear um meio termo entre o reducionismo dos modelos marxistas “economicistas” e suas principais alternativas, encontradas nos modelos “culturalistas” de feminismo, que tem como foco identidade e discurso subversivo.

Como Bargu afirma, Fraser visa “entender o entrelaçamento entre gênero, classe e raça.” Parte desse entendimento implica em ir além da dimensão Estado-Nação como quadro básico de referência para analisar a política mundial. Bargu explica:

“O passo de Fraser está baseado na percepção de que muitos dos problemas aos quais nós temos nos deparado não podem mais ser restritos ao Estado-Nação: capitalismo, destruição do meio ambiente, etc. A interconectividade muito profunda entre diferentes populações – na medida em que seus destinos estão unidos – e, é claro, a ajuda de certos desenvolvimentos tecnológicos que permitem um novo tipo de conectividade global, tem permitido que certos debates nacionais sejam traduzidos a diferentes contextos, mas também fizeram essas discussões mais inclusivas para diferentes públicos.”

Há uma tendência, Bargu e Bottici argumentam, de pintar o feminismo socialista como uma espécie de fenômeno branco e eurocêntrico, uma vertente do feminismo que foca exclusivamente nas formas de opressão e penúria vividas por mulheres brancas cis, excluindo as mulheres de cor, mulheres queer e mulheres trans. O trabalho de Fraser apresenta um feminismo socialista que é aliado e atencioso a essas lutas, colocando-as a frente e no centro. Especialmente no trabalho recente de Fraser, todos os feminismos de esquerda devem ser aliados contra a hegemonia do feminismo liberal.

O feminismo de Fraser representa uma preocupação permanente com a justiça e um aprofundamento da nossa compreensão sobre o que a justiça pode realmente parecer. Seu trabalho nos leva do reconhecimento à redistribuição, e do economismo para os novos movimentos sociais. Fraser tem sido presença permanente na política e filosofia feministas, tentando tirar o melhor de diferentes abordagens sem deixar de lado sua perspectiva crítica. Como Bargu coloca, “justiça é um meio para se criticar o presente, mas também um meio para se criticar as alternativas ao presente.” As críticas de Fraser tem se dirigido não apenas aos sistemas de opressão mas também às falhas da esquerda em compreende-los apropriadamente e dar uma resposta a esses sistemas.

O último tema primordial da coletânea é a crítica, especialmente nos moldes da teoria crítica encarnada na Escola de Frankfurt. Do compromisso crítico inicial de Fraser com Habermas, reconhecemos a necessidade de atualizar o potencial intransigente da teoria crítica. Muitos dos colaboradores dessa coletânea trabalham principalmente nesta tradição. Perguntada sobre como esse desenvolvimento ajudou a refinar nosso entendimento de palavras como justiça e crítica, Bottici responde: “Em minha visão, a contribuição mais significativa de Nancy para a teoria crítica não é tanto que ela tenha teorizado a crítica. É que ela venha fazendo isso.” E acrescenta, “ela tem dado um exemplo vivo sobre o que significa fazer crítica. É isso o que ela tem feito todo o tempo. E nós somos muito agradecidas por isso.”

(Artigo originalmente publicado no blog da The New School Research Matters. Tradução de Gustavo Rego)


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