Rosa Luxemburgo – Carta de Amor para Leo Jogiches
Rosa Luxemburgo discursa na 2ª Internacional, em 1907 na cidade de Stuttgart, Alemanha Foto: ullstein bild Dtl. / ullstein bild via Getty Images

Rosa Luxemburgo – Carta de Amor para Leo Jogiches

Rosa e Leo dirigentes revolucionários e companheiros entre 1890 e meados da década de 1910

Rosa Luxemburgo 13 mar 2024, 10:24

Via TraduAgindo

Foto: Reprodução

Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches foram companheiros entre 1890 e meados da década de 1910, quando as crescentes diferenças em suas vidas pessoais terminaram por acabar com seu relacionamento amoroso. Ainda assim, Rosa e Leo mantiveram intenso trabalho político em conjunto. Quando Rosa Luxemburgo e Karl Liebknicht foram assassinados pela social-democracia alemã em 15 de janeiro de 1919, Leo Jogiches ficou horrorizado com o acontecimento e começou a investigar e expor por conta própria o assassinato, acabando por ser descoberto pelos militares alemães e sendo executado em 10 de março de 1919.

***

Meu caro, amado Dyodyo! Te envio mil beijos por sua queridíssima carta e seu presente de aniversário, ainda que ele não tenha chegado [1]. Os presentes desse ano estão chovendo sobre mim. É realmente uma grande quantidade. Apenas imagine – o décimo quarto volume, da edição de luxo de Goethe de Scholanks. Com seus livros isso se torna uma biblioteca. Minha locatária vai ter que me dar outra estante de livros. Você não consegue imaginar o quão feliz o seu presente me deixou. Rodbertus é o meu economista favorito. Eu posso ler ele de novo e de novo pelo simples prazer intelectual. Eu sinto que não é um livro que eu tenho, mas uma propriedade, uma casa, um pedaço de terra. Assim que nossos livros estiverem aqui, vamos ter uma biblioteca impressionante, e quando finalmente estivermos juntos vamos ter que comprar uma estante de livros com portas de vidro.

Meu anjo, meu querido, como você me encantou com sua carta. Eu fiquei lendo e relendo do começo ao fim. Pelo menos umas seis vezes. Você realmente me agradou! Você escreve que talvez, no fundo, eu sei que existe um homem chamado Dyodyo que pertence a mim! E você, não sabe que tudo que eu faço é com você em mente. Sempre. Quando eu escrevo um artigo, meu primeiro pensamento é de que você vai ficar animado com ele. E nos dias que eu duvido da minha força e não consigo trabalhar, um pensamento me perpassa, como isso vai te afetar? Vou estar deixando você para baixo? Desapontando você? Prova de sucesso, como essa carta de Kautsky, eu vejo apenas como um apoio moral para você. Te dou minha palavra, juro de coração, que eu mesma não ligo para a carta de Kautsky. Eu estava entusiasmada com ela porque li com seus olhos e senti o seu prazer. Então estou esperando impacientemente pela sua resposta. (Vai chegar amanhã com os livros, um duplo prazer.)

Eu preciso de apenas uma coisa para ter minha paz interior, ver sua vida e nosso relacionamento resolvidos. Em breve vamos ter uma posição moral tão forte aqui que vamos poder viver tranquilamente juntos, abertamente, como marido e esposa! Eu tenho certeza que você mesmo entende isso. Eu fico feliz que sua cidadania está quase resolvida e seu doutorado está próximo do fim [2]. Nas suas últimas cartas senti um excelente clima para os trabalhos. De fato, durante a campanha de Schippel suas cartas estimularam meu pensamento diariamente, e na sua última carta você me deu uma reflexão inteira para meu artigo, que se destaca como uma jóia – uma reflexão sobre os efeitos do “alívio” sob os trabalhadores que eu traduzi palavra por palavra da sua carta. [3]

Você não sabe que eu vejo e aprecio ao “som da trombeta” que você está ao meu lado, cooperante, me incentivando a trabalhar, minhas broncas e minhas “negligências” são esquecidas! … Você mal pode imaginar com que alegria e impaciência eu espero por cada carta sua. Eu sei que cada uma vai me trazer força e alegria, apoio e incentivo para continuar.

Eu me senti muito feliz sobre a parte da sua carta em que você escreve que ainda somos bastante jovens e capazes de ajeitar nossa vida pessoal. Oh, Dyodyo, meu anjo, se você realmente manter sua promessa! … Nosso pequeno apartamento, nosso pequeno mobiliário, nossa biblioteca; um trabalho regular e quieto, caminhadas juntas, uma ópera de tempos em tempos, um pequeno, bem pequeno, círculo de amigos que podem ser convidados de vez em quando para jantar; todo ano uma viagem de férias no interior, um mês sem absolutamente nenhum trabalho! … E quem sabe talvez um pequeno, bem pequeno bebê? Será que isso nunca vai ser permitido? Será? Dyodyo, você sabe o que me possuiu de repente durante uma caminhada em Tiergarten? Sem exagero! De repente, uma pequena criança surgiu debaixo dos meus pés, tinha três ou quatro anos de idade, loira, em um pequeno vestido lindo, e estava me olhando. Uma compulsão cresceu sob mim para pegar aquela criança, levar para casa e cuidar dela como se fosse minha. Oh, Dyodyo, será que nunca terei minha própria criança?

E nós nunca vamos brigar em casa, vamos? Nossa casa deve ser quieta e pacífica, como a de todo mundo. Mas, você sabe, o que realmente me preocupa – de algum modo eu me sinto tão velha e caseira. Você não vai ter uma bela companheira para levar para caminhadas em Tiergarten. Vamos nos manter longe dos alemães. Apesar dos convites de Kautksy, vou ficar comigo mesma, deixem que eles bajulem meus favores, e deixem eles ver o quão pouco eu ligo.

Dyodyo, se você apenas resolvesse a sua cidadania, terminasse o seu doutorado, e morasse comigo abertamente em nossa casa. Vamos ambos trabalhar e nossa vida vai ser perfeita! Nenhum casal na terra tem a chance que temos. Com apenas um pouco de boa vontade vamos ser felizes, nós devemos. Não estávamos felizes quando apenas nós dois vivemos e trabalhamos juntos por longos períodos de tempo? Lembra de Weggis? Melide? Bougy? Blonay? Lembra, quando estamos sozinhos, em harmonia, podemos prosseguir sem o mundo inteiro?

Mais, tenho medo da menor intrusão. Lembra, da última vez em Weggis, quando eu estava escrevendo “Passo por Passo” (Eu sempre penso com orgulho dessa pequena obra-prima!), eu estava tão doente, escrevendo na cama, toda triste, e você foi tão gentil, tão bom, doce. Você me acalmou, falando com a sua quente voz que eu ainda escuto, “Agora, agora, fique calma, tudo vai ficar bem.” Eu nunca vou esquecer disso [4]. Ou, você lembra, das tardes em Melide, depois do lanche, quando sentamos na varanda, bebendo um café bem preto, suando no sol escaldante, e eu caminhei com dificuldade para o jardim com minhas notas da “Teoria Administrativa”. Ou, você lembra, quando uma vez uma banda de músicos veio num domingo para o jardim, e eles não nos deixaram sentar em paz, e nós fomos de a pé para Maroggia e voltamos a pé, e a lua estava surgindo em San Salvadore, e estávamos justamente falando sobre ir para a Alemanha. Nós paramos, nos abraçamos no meio da rua na escuridão e olhamos para a lua crescente entre as montanhas. Você lembra? Eu ainda sinto o cheiro do ar daquela noite. Ou, você lembra, de como costumava voltar de Lugano às 8h20 da noite, com as compras – eu descia com uma lamparina, e nós subíamos as compras juntos – então eu as retirava das bolsas e colocava as laranjas, os queijos, salame, bolo na mesa. Oh, você sabe, nós provavelmente nunca tivemos tão magníficos jantares como aqueles, naquela pequena mesa naquele pequeno quarto, a porta da varanda aberta, a fragrância do jardim chegando, e você, com grande sutileza, misturando os ovos na frigideira.  E de longe na escuridão o trem para Milão estava passando pela ponte, trovejante.

Oh Dyodyo, Dyodyo! Se apresse, venha aqui; vamos nos esconder do mundo todo; os dois de nós com dois pequenos quartos, vamos trabalhar sozinhos, cozinhar sozinhos, e vamos ter uma boa, uma tão boa vida! … Lembra, você disse, “não existem outras mãos como as suas, suas delicadas mãos.”

Dyodyo querido, eu coloco meus braços em volta do seu pescoço e te beijo mil vezes. Eu quero, muitas vezes, quero que você me ergue em seus braços. Mas você sempre tem uma desculpa de que sou muito pesada.

Eu não quero escrever sobre negócios hoje – amanhã, depois de ver Kautsky. Eu vou ficar sem escrever o artigo porque estou aguardando a sua carta.

Eu te abraço e te beijo na boca e no meu mais querido nariz e quero absolutamente que me carregue em seus braços.

Da sua querida, Rosa.

*Escrito em 6 de março de 1899. Originalmente disponível no livro “Comrade and Lover: Rosa Luxemburg’s Letters to Leo Jogiches”, organizado por Elzbieta Ettinger, lançado em 1979. Tradução por Andrey Santiago.

Notas de Rodapé

[1] 5 de março foi o aniversário de 29 anos de Rosa Luxemburgo.

[2] Leo Jogiches nunca obteve seu doutorado.

[3] Referência a série de artigos “Milícia e Militarismo” de Rosa, publicados em Leipziger Volkszeitung em Fevereiro de 1899, dipustavam a crusada de M. Schippel “em favor do presente sistema miltiar”. Leo Jogiches escreve, “… para o capital, militarismo é uma das formas mais importantes de investimento, do ponto de vista do capital o militarismo é realmente um alívio …” [mas não para o ponto de vista dos trabalhadores”].

[4] Para outras duas diferentes memórias das viagens de férias para a Suíça de Rosa e Leo, leia as cartas 17 e 66.


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