Precisamos falar de “educação de surdos” e precisamos de políticas concretas

As dúvidas que surgiram sobre o tema da redação do Enem 2017 só escancaram a ausência histórica de políticas públicas eficazes na área, bem como a necessidade de iniciativas mais concretas.

Cibele Assensio 9 nov 2017, 17:23

Desde abril desse ano desenvolvemos o trabalho chamado “Libras no tempo livre”, no Cursinho Salvador Allende – Rede Emancipa, com o intuito de trazer para a educação popular o ensino dessa língua e o tema da surdez de modo mais amplo. Trata-se de algo ainda pouco conhecido pela sociedade majoritária e que repercutiu muito essa semana, por conta da proposta de redação do Enem. Você já parou para pensar em como é a vida de pessoas que nascem sem a audição ou que perderam esse sentido em algum momento da vida? Pode parecer muito natural que todas as pessoas se comuniquem escutando e falando oralmente, sem necessitar de outros meios. Mas e se você fosse uma pessoa surda? Como seria sua vida, por exemplo, nas escolas? De que adaptações você precisaria para fazer uma prova como o Exame Nacional do Ensino Médio? E será que somente uma prova adaptada seria o suficiente para uma educação de qualidade?

O Enem 2017 colocou um tema muito necessário e também um grande problema: dissertar sobre o “Desafio para a educação de surdos” frente a uma sociedade que infelizmente é, em geral, pouco informada sobre quem são essas pessoas e do que elas precisam. Por um lado, são muito precárias as políticas públicas educacionais nessa área. Por outro lado, foi cobrado de estudantes o conhecimento sobre esse assunto. A proposta de redação colocou questões difíceis para a imensa maioria das pessoas. Mas precisamos enfrentar o tema. Não apenas no plano das ideias, passando por um tema de redação, e sim na vida prática.

Segundo dados do Censo 2010, mais de 9,7 milhões de pessoas têm deficiência auditiva no país. Parte delas, geralmente chamadas “surdas(os)” ou “pessoas surdas”, se comunica usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras), reconhecida como língua oficial brasileira pela Lei Federal 10.436 no ano de 2002. Algumas pessoas aprendem a fazer leitura labial, utilizam aparelhos auditivos ou um dispositivo chamado implante coclear.

Para além dos termos mais técnicos, que não devem ser o mais importante, um caminho possível para essa proposta de redação seria argumentar que para uma educação de qualidade é necessário ter escolas que valorizem o direito das pessoas surdas usarem sua própria língua e aprenderem por meio dela. Porém, isso precisa ser feito concretamente e no dia-a-dia de estudantes. O Inep/MEC disponibilizou opções de vídeo-prova traduzida em Libras, auxílio de tradutor-intérprete nessa língua e recurso de leitura labial para estudantes que precisassem. Essa é uma iniciativa fundamental, mas também tardia, já que desde a primeira edição do Enem estudantes surdas(os) e pessoas com deficiência em geral reclamam incansavelmente por acessibilidade nessa prova. Além disso, fica no vazio outra questão: como anda a educação de surdas(os) e ouvintes para além do dia do Enem?

Para além do dia da prova

A questão da empatia, da capacidade de se colocar no lugar das outras pessoas, também aparece como um tópico extremamente importante para esse tema de redação. Imagine como seria você chegar a um lugar, a uma escola, e não conseguir se comunicar. Aliás, você já passou por isso? Daí aparece um problema central: para além do dia da prova, que tipo de educação estudantes tanto surdas(os) como ouvintes receberam antes de chegarem ao dia do Enem? E até que ponto nossa sociedade está adaptada a se comunicar com pessoas surdas? E que informações recebemos sobre esse tema? Como anda a educação de jovens surdas(os) estudantes das periferias?

A Rede Emancipa defende que uma educação de qualidade não é aquela que aprova algumas pessoas e exclui outras, como fazem os filtros dos vestibulares e dos grandes exames. Educar é despertar o senso crítico para organizar a luta contra a exclusão. Uma escola de qualidade é aquela que permite a seus estudantes enxergarem as desigualdades sociais e econômicas e também combatê-las.

Assim como no caso da luta das mulheres, da negritude, da população LGBT e das pessoas com deficiência em geral há também questões de identidade e história relativas às pessoas surdas, o que precisa ser valorizado. É necessário lembrar que para além de uma adaptação no dia da prova, assim como acontece no caso de outros grupos, também está em jogo o direito de ser diferente.

Repare que estamos falando em direitos quando o próprio Inep acatou a decisão do STF de não anular as redações do Enem que desrespeitem direitos humanos. Nessa maré de acontecimentos políticos que envolvem a retirada de direitos por parte de um governo ilegítimo, não haveria muitos outros temas, os quais poderiam ter sido propostos no Enem? Ao serem surpreendidas e surpreendidos com o tema “desafio para a educação de surdos”, estudantes poderiam perguntar isso. E evidente que sim, a exemplo da questão da redução da maioridade penal, da luta das mulheres, da valorização das periferias. Mas a educação de surdas(os) também é um tema fundamental. E as dúvidas que surgiram só escancaram a ausência histórica de políticas públicas eficazes na área, bem como a necessidade de iniciativas mais concretas que realmente atinjam a maioria da população, para além dos regimentos.


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