EUA tem uma enfermidade: concentração industrial

A concentração industrial deixou de ser vista como um perigo e passou a ser considerada uma mostra de êxito econômico, sobretudo face à concorrência internacional.

Alejandro Nadal 18 dez 2017, 14:49

Em janeiro de 1916, o então presidente Woodrow Wilson designou Luis Brandeis como ministro da Suprema Corte. O debate que seguiu no Congresso foi um dos mais impetuosos e durou mais de quatro meses. A oposição desconfiava das inclinações progressistas de Brandeis, em especial no que se referia à legislação antimonopólios. Ao final, obteve a aprovação e ao longos dos 23 anos seguintes este jurista deixou uma profunda marca nas decisões do mais alto tribunal estadunidense.

A política antimonopólios se baseava na lei Sherman antitruste de 1890. É preciso recordar que no último quarto do século XIX a economia estadunidense atravessou um período de fusões e aquisições que levaram à consolidação de grandes corporações em quase todos os ramos da indústria e dos serviços. As origens dessa lei não se relacionam com o tema do bem-estar dos consumidores (afetados por práticas não-competitivas na fixação de preços), mas pela desmedida influência política que adquiriam as grandes empresas. Brandeis compartilhava esta visão e ao longo de sua carreira lutou contra a aglutinação do poder financeiro, industrial e político que distorcia não só as estruturas econômicas, mas a trama da democracia na sociedade estadunidense. Sua obra inspirou a aprovação da lei Clayton (1914), que complementou e facilitou a aplicação da lei Sherman, e ainda mais importante, a lei Glass-Steagall (1932), que separou as atividades dos bancos comerciais e as do banco de investimento. Esta última deu estabilidade ao setor bancário durante sete décadas e quando foi derrubada sob o governo Clinton em 1999 abriu as portas para a crise financeira de 2007.

Durante o período 1890-1975, a aplicação da legislação antimonopólios se manteve como uma constante. Na perspectiva de Brandeis, a legislação antimonopólios estava relacionada com algo mais simples que simples considerações econômicas. Mas o surgimento da chamada escola de Chicago desde os anos 1960 viria a transformar esse panorama. As figuras de Robert Bork, Richard Posner e Ronald Coase contribuíram para difundir uma nova visão à política anti-truste, argumentando que o tema central na matéria devia ser o da eficiência e não o do poder político. Coase teria de levar este enfoque até o extremo com a ideia de que qualquer atribuição de direitos entre pessoas pode ser melhorada pelo mercado. Assim nasceu a nefasta escola denominada Direito e Economia que tornou a justiça numa mercadoria.

Durante o período 1965-1975, a economia estadunidense teve que se enfrentar de cheio com a concorrência da indústria japonesa e alemã. Além disso, nos anos setenta a produtividade na economia estadunidense se estancou. O governo mostrou sinais de preocupação e, como resultado, a política antimonopólios sofreu uma adequação. A concentração industrial deixou de ser vista como um perigo e passou a ser considerada uma mostra de êxito econômico, sobretudo face à concorrência internacional. As economia de escala e a construção de um complexo científico-tecnológico-industrial foram percebidas com aprovação. Para os anos 1980 todo o panorama da política antimonopólios havia se transformado e a aplicação das leis Sherman-Clayton se debilitou consideravelmente.

Não é surpreendente, então, que as taxas de concentração industrial tenham aumentado desde a década dos anos 1990. Um dos trabalhos mais importantes sobre este tema é o de Grullon, Larkin e Michaely. Sua investigação cobre mais de quatro décadas e revela que nos últimos 20 anos mais de 75 por cento das indústrias dos Estados Unidos experimentaram uma aumento significativo nos níveis de concentração. O estudo utiliza o índice Hiferdahl-Hirschman e mostra também que as taxas de rentabilidade das empresas dominantes têm aumentado.

As fusões e aquisições foram um instrumento-chave para manter os fortes níveis de concentração. A entrada de novas empresas nos distintos mercados também declinou nos últimos dois decênios (o que indica que as barreiras à entrada associadas à maior concentração cresceram). Segundo os autores, a aplicação frouxa da legislação antimonopólios é um dos principais fatores por trás destas tendências.

É necessário somar a este panorama que a concentração industrial também está ligada à desigualdade crescente. A investigação do autor Dorn mostra que nas indústrias com maiores níveis de concentração a participação das rendas na força de trabalho é declinante. É claro que a enfermidade da concentração econômica não só se traduz em perda de eficiência na utilização de recursos. Seu dano principal reside na aglutinação do poder político e na corrosão das instituições de uma república.

Fonte: http://www.jornada.unam.mx/2017/11/08/opinion/020a1eco


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