Uma matemática para liquidar com a previdência pública

De um lado, o governo busca angariar votos para aprovar a reforma, de outro, maquia os números para confundir a sociedade sobre a previdência social.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 11 dez 2017, 19:06

Temer e Rodrigo Maia estão numa cruzada para assegurar os votos para aprovar ainda este ano alguns tópicos da reforma da previdência. Como sabe das dificuldades que se apresentarão em 2018, o governo luta para dar um sinal que acalme os “mercados” e para terminar o ano sinalizando alguma estabilidade. É parte desta busca por votos a troca da articulação política do Planalto, com a saída do tucano Antonio Imbassahy, e a posse de Carlos Marun, da tropa de choque de Eduardo Cunha, para a secretaria de governo. Trabalhando com Padilha, Maia e o próprio Temer, Marun responderá pela matemática dos votos: chegar aos 320 é a margem considerada segura pelo governo. As promessas e ameaças são diversas. Os números destoam. As torneiras despejam emendas, projetos, privilégios diretos e indiretos para completar o quórum favorável à retirada dos direitos previdenciários. Fala-se em centenas de milhões de reais, em números aproximados.

A outra matemática que o governo busca exercitar é para maquiar os números e apresentar um “ultimato para a sociedade”, dizendo que a previdência social, se mantida nos marcos atuais, vai terminar de “quebrar o país”. Depois de perder a primeira etapa da discussão, quando todas as pesquisas mostravam que a ampla maioria da população é contrária às propostas da reforma, o governo apela para mentiras e forja dados. Sem explicar por que a casta política se aposenta com dezenas de milhares de reais mensais em privilégios, o discurso de que a reforma vai atacar distorções cai por água abaixo e serve apenas para justificar o ataque aos salários e direitos da base do funcionalismo público. A proposta de “média mínima” de 65 anos é bastante deformada, quando os números da expectativa de vida do brasileiro – que oscilam muito em termos de região, escolaridade e renda – são pouco maiores que 65 anos. Trata-se de uma trilha que leva à ideia de que as novas gerações vão trabalhar até morrer, com pouca ou nenhuma condição de ter alguma aposentadoria, que dirá uma aposentadoria digna.

No discurso de abertura da Conferência da OMC, em Buenos Aires, Michel Temer afirmou que a recessão tinha ficado para trás e que levava adiante uma ambiciosa agenda de reformas. No plano continental, a direita quer se renovar impondo novos padrões que ajudem a desmontar os direitos do trabalho, sendo as reformas trabalhistas e previdenciárias o eixo ordenador desse projeto. Macri, na Argentina, prepara-se para impor – com a conivência da burocracia sindical da CGT – uma reforma trabalhista para os próximos meses. No Chile, o segundo turno da eleição presidencial está polarizado por conta do forte movimento social “NO+AFP”, que tem mobilizado muita gente em protestos pela defesa da Previdência Pública. O projeto continental da burguesia é de mais guerra e choques contra os trabalhadores.

Um campeão em desigualdade

Ao contrário do que dizem os propagandistas do governo, as desigualdades no Brasil não nascem dos cálculos da aposentadoria da maioria do povo. A verdadeira raiz das distorções de renda e trabalho no país está noutro lado. No final de novembro, o IBGE divulgou os resultados da PNAD contínua, um relatório bastante completo sobre as desigualdades sociais em todo território nacional.

Segundo os dados colhidos pelos pesquisadores, em 2016, a metade mais pobre dos brasileiros teve rendimento mensal de R$ 747,00, valor inferior ao já rebaixado salário mínimo nacional. Ao mesmo tempo, o 1% mais rico da população trabalhadora recebia cerca de 36 vezes mais do que o rendimento dos 50% mais pobres. A pesquisa reafirma a tendência histórica de o Brasil ser um país de salários extremamente rebaixados, realidade que tende a agravar-se com os ataques da reforma trabalhista e com a reforma previdenciária de Temer. A PNAD Contínua de 2016 também vai ao encontro das tendências internacionais medidas recentemente pela organização Oxfam, segundo a qual nunca a desigualdade foi tão acentuada no mundo.

Como afirma o economista Sérgio Gobetti, do IPEA, em entrevista, a reforma da previdência, ao contrário do discurso do governo, tende a aprofundar as desigualdades, visto que aposentadorias e pensões, especialmente nas regiões mais pobres do país, são a principal fonte de renda e garantia de subsistência de milhões de lares.

Após o naufrágio de sua tentativa de reforma dura do início do ano, Meirelles e Temer afirmam agora que a proposta de reforma da previdência visa apenas ao combate de “privilégios”, que causam déficit e ameaçam as contas do país. Esta cantilena foi rechaçada até mesmo pela recente CPI da Previdência no Senado, que mostrou não haver déficit na previdência social. Na realidade, o que o governo esconde é que parte dos recursos previdenciários é desviada pela DRU para o pagamento de juros da dívida pública. Como se não bastasse, a imprensa acaba de noticiar que, apenas em 2016, as desonerações que beneficiam diversos setores econômicos retiraram quase R$ 50 bi da previdência. Tais cifras ultrapassam a marca astronômica de R$ 400 bi em recursos retirados da previdência se considerado o período desde que Dilma iniciou sua política de desonerações. Não contentes em receber desonerações bilionárias, empresas privadas devem para a previdência cerca de R$ 450 bi, como mostrou o relatório final da já mencionada CPI da Previdência.

Fica claro que, ao invés de cobrar as dívidas empresariais bilionárias e terminar com a farra das desonerações, o governo pretende atacar os trabalhadores da iniciativa privada e o funcionalismo público. Tudo para garantir a remuneração dos rentistas nacionais e estrangeiros. Os mesmo, por sinal, que não pagam impostos sobre lucros e dividendos, e sobre quem a taxação brasileira é mínima, se comparada ao que ocorre em outros países.

Na mesma entrevista já mencionada, Gobetti afirma que apenas a retomada da tributação de lucros e dividendos renderia de R$ 50 a R$ 60 bi anuais, que poderiam ser revertidos imediatamente para a previdência. Fica evidente a necessidade de uma profunda reforma fiscal que taxe heranças e a renda dos que ganham mais de R$ 2 milhões anuais, sobre quem a contribuição média é de apenas 6%, enquanto a classe trabalhadora é asfixiada pelo imposto de renda e a tributação que incide diretamente sobre o consumo.

O papel das direções

Muitos ativistas se perguntam por que Temer ainda consegue ter força para votar na Câmara a reforma da previdência. Apesar de ser um governo odiado pela população, envolvido em inúmeros escândalos de corrupção, Temer se sustenta, em última análise, pelo fato de que a classe trabalhadora não conseguiu impor uma saída própria, com sua própria força e programa.

O primeiro semestre foi marcado pelo auge da resistência, com o movimento dos trabalhadores cumprindo um papel ativo. A manifestação do dia 08 de março, greve internacional de mulheres, deu início a um processo de resistência ativa, que deu um salto nas manifestações de 15 e 31 de março, chegando ao cume com a greve geral nacional de 28 de abril. Foi a primeira greve geral de fato no país em mais de 25 anos, com adesão massiva dos trabalhadores, sobretudo no ramo dos transportes, o que paralisou as capitais e regiões metropolitanas. A combinação entre a delação da JBS e a marcha “Ocupa Brasília” em maio colocou Temer contra as cordas.
O que ocorreu a partir de então foi uma traição por parte da direção das maiores centrais sindicais. O desmonte da greve geral do dia 30 de junho foi fundamental para uma aprovação relativamente fácil da reforma trabalhista e para a manutenção do governo Temer. O resultado foi um clima de derrota, uma inércia social que atingiu em cheio o ânimo da classe, recompondo o grande acordo nacional entre a casta política e Gilmar Mendes, expresso na absolvição – e na defesa comum – da chapa Dilma/Temer no TSE.

As manifestações convocadas para o segundo semestre foram pequenas, aquém do enfrentamento necessário para barrar a aprovação da reforma previdenciária. A burocracia sindical, no entanto, mantém sua política de conciliação com o governo, como se viu no desmonte da paralisação nacional contra a reforma proposta para 5/12 e cancelada apenas dias antes dos sorridentes Paulinho da Força e Ricardo Patah receberem um cheque de R$ 500 mi em recursos retidos pelo governo do imposto sindical.

Lula e o PT, por sua vez, discursam contra as medidas do governo, mas não fazem nenhum esforço para enfrentar de fato os ataques à classe trabalhadora e ao povo. A CUT esteve aliada à Força Sindical e à UGT no desmonte das greves de 30/06 e 5/12, comprovando que na prática a direção petista pretende deixar passar o ajuste e deixar Temer fazer o “serviço sujo” enquanto oferecem à massa apenas a espera passiva das eleições de 2018. De quebra, a mesma paralisia, que beneficia Temer e facilita os ataques aos direitos do povo, permite que vá adiante o acordo dos principais atores do regime para “estancar a sangria” das denúncias de corrupção. Ao final, eis a finalidade do discurso duplo petista: preservar-se das investigações em aliança com Temer, o PSDB e toda a casta política apodrecida.

Lutar em defesa da previdência pública

O governo prepara a votação da reforma da previdência para segunda-feira, 18 de dezembro, em caráter de urgência, para aprovar em primeiro turno os pontos “mínimos” da proposta de reforma e consagrar Meirelles como homem forte capaz de quebrar a resistência – um fiador da estabilidade necessária para o capital financeiro e o patronato industrial. Apesar de ser um período de desmobilização pelo final de ano, o governo tem contra si a opinião generalizada de que esta reforma significa trabalhar até morrer. Será um embate duro e o governo não a questão resolvida.

A reação ao desmonte da ação do dia 5 causou desconforto e revolta nos sindicatos e na base das centrais, produzindo uma reunião de emergência, em que foram pressionadas pela CSP-Conlutas, pela CTB e pela CGTB.

Para ganhar essa batalha dificílima contra o governo, facilitada pela paralisia das grandes centrais, é preciso unidade e muito diálogo com a população nos bairros, fábricas, escolas e ocupações. É preciso vencer a queda de braço com a grande mídia e não recuar. Para isso, diante da traição da Força Sindical, da UGT e da CUT na mobilização de 5/12, o papel da CSP-Conlutas, do MTST, da juventude militante e dos sindicatos de base combativa é ainda maior.

Ao mesmo tempo, a luta em defesa da previdência pública deve tornar-se um tema fundamental da campanha eleitoral que só PSOL pode empunhar com coerência, já que o PT e a centro-esquerda apoiaram a primeira reforma da previdência ainda em 2003. É fundamental continuar esta luta também no terreno político. A reversão dos ataques de Temer aos direitos trabalhistas e previdenciários deve ser ponto de exigência inegociável em um programa alternativo para 2018.


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