Sete anos depois da Primavera Árabe: a Tunísia volta às ruas contra a austeridade

Os protestos que começaram em 8 de janeiro na periferia de Tunis prometem seguir rumo a uma grande mobilização no dia 14 de janeiro.

Bernardo Corrêa 16 jan 2018, 19:05

Quando Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo em Sidi Bouzid na Tunísia, talvez não imaginasse o quanto aquele gesto incendiaria o mundo árabe e que isso desencadearia uma revolta de norte a sul do planeta. Talvez não imaginasse que seria a faísca de uma Revolução Democrática em seu país, que derrubaria Ben-Ali e um regime de décadas de restrição às liberdades civis. Ou talvez seu desespero tenha sido o detonador inconsciente de sua imaginação.

A palavra “Mártir” vem do grego martys, “testemunha”. É bem provável que Mohamed não fosse mesmo mais que uma testemunha da crise pela qual passa o capitalismo contemporâneo, mas seu testemunho de impotência em mudar sozinho a situação de seu país, que o levou a tirar sua própria vida, foi uma renúncia e uma denúncia. Ninguém renuncia à vida sem imaginar que este ato vai sensibilizar a outrem de sua atitude, ao suicídio do mártir implicitamente está associada uma causa. As mobilizações que estão ocorrendo atualmente na Tunísia, há 7 anos da Primavera Árabe, são reflexos daquilo que a Revolução de Jasmim não pôde vencer. São indícios de que a causa de Moahemed segue por realizar-se.

No registro dos seis anos da revolução de 2011, Gibert Achcar alertava para o fato de que: O que começou na região árabe em 2011 foi, na verdade, um processo revolucionário de longa duração, desde o inicio impossível de prever se levaria anos, décadas, se poderia ou não alcançar um novo período de estabilidade sustentada sem a emergência de lideranças progressivas capazes de guiar os países árabes para fora da crise insuperável na qual se lançaram depois de décadas apodrecendo sob o despotismo e a corrupção.

Conscientes desta escala histórica dos acontecimentos de 2011, assim como sua temporalidade alargada (exatamente por ser histórica), não há dúvidas de que o país que mais avançou do ponto de vista democrático foi a Tunísia. Além de uma democracia burguesa com eleições livres, o país foi palco do desenvolvimento de um conjunto de organizações e coletivos em defesa de liberdades civis, sindicatos e organizações estudantis represadas por décadas de ditadura. De acordo com Ali Bousselmi, de 27 anos, fundador do grupo LGBT Mawjoudin (Nós Existimos) em entrevista concedida ao jornal O Globo: Antes, a gente não podia nem falar com nossos amigos algo contra o governo. Sempre tinha alguém escutando a conversa. Agora, temos até associações que defendem os direitos de minorias…

Também no terreno político conquistaram-se postos avançados e mais espaço para os socialistas revolucionários expressarem suas posições. O companheiro Amami Nizar, por exemplo, que esteve no Brasil a convite do MES meses após a Revolução, atualmente é Coordenador Geral do Partido Trabalhista de Esquerda e Membro da Assembleia do Povo para o distrito eleitoral de Manouba / bloco da Frente Popular. Os avanços inegáveis, entretanto, começam neste momento a entrar em contradição com a permanência do país no capitalismo, especialmente na atual fase de crise. Mesmo premiando a Tunísia com o Nobel da Paz, o imperialismo não tem mais a oferecer do que sua receita de “austeridade” mundial.

O detonador das atuais mobilizações foi o agravamento de preços e a austeridade que resultam do empréstimo concedido pelo Fundo Monetário Internacional à Tunísia, no valor de 2800 milhões de dólares em troca da aplicação de sua receita de “reformas” econômicas. A imposição de um Orçamento que corta gastos nas áreas sociais e gera maior inflação levou às ruas o enfrentamento. Para o líder da Frente Popular Hamma Hammam, esta é uma oportunidade de trazer a luta para as ruas: Vamos permanecer nas ruas e aumentar o ritmo dos protestos até que este Orçamento injusto seja abandonado.

Parafraseando o slogan da Primavera Árabe de 2011, “o povo quer a queda do regime”, agora os manifestantes gritam “o povo quer a queda do Orçamento”. Os protestos que começaram em 8 de janeiro na periferia de Tunis prometem seguir rumo a uma grande mobilização no dia 14 de janeiro que é o aniversário da queda de Ben Ali. A revolução segue seu longo caminho.

Artigo originalmente publicado no Portal de la Izquierda.

 


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