Sobre as tarefas de 2018: disputar corações e mentes, mas de quem?

Da atual conjuntura política brasileira e a inserção do PSOL nos processos deste ano.

Wallace Salgado 7 mar 2018, 01:08

Ao menos nos círculos da esquerda e mesmo na política nacional o lançamento pré-candidatura de Guilherme Boulos com Sônia Guajajara na Conferência Cidadã foi o grande acontecimento da semana, o evento selou uma aliança entre MTST e PSOL para a o pleito presidencial. Muito já foi dito sobre a importância, e também sobre os graves erros, deste acontecimento. A militância do PSOL vem, pelo menos desde novembro, mergulhada num intenso debate programático, infelizmente negligenciado pelo setor que dirige o partido.

Como um partido anticapitalista amplo o PSOL está constantemente pressionado para a adaptação ou para radicalização, em diferentes conjunturas o pêndulo tende para um lado. Por isso o debate programático é tão caro ao setores revolucionários e consequentes do partido, as táticas eleitorais são parte disso. Por mais capturadas pelo poder econômico burguês, as eleições ainda são o momento das forças políticas apresentarem seus acúmulos e identidades para as massas. Na história recente do PSOL podemos recordar momentos onde a pressão para adaptação ou para radicalidade foram determinantes nas escolhas eleitorais do partido, em 2013 quando as juventudes protagonizaram os protestos massivos de junho, o PSOL teve bastante destaque pela sua atuação, embora nenhum partido tenha sido capaz de dirigir os protestos. Mas se teve um partido que soube intervir com relativo destaque no processo foi o nosso, em Porto Alegre foi do PSOL a ação que derrubou o aumento das passagens, no Rio Freixo atuou ativamente e foi um dos poucos parlamentares recebidos pelos manifestantes com os quais estabeleceu ótimo diálogo, tanto ao ponto de surgir por parte da mídia corporativa a acusação de que Freixo e o PSOL financiavam os black blocs, em São Paulo as juventudes que atuam na órbita psolista tiveram forte intervenção chegando inclusive a negociar atos. Logo após junho, o PSOL entrou em período congressual e na disputa para a sua candidatura à Presidência e o seu perfil. A Unidade Socialista, campo que atualmente dirige o partido na figura de Juliano Medeiros, usou de métodos burocráticos para impor seu então candidato, o candidato da adaptação, senador Randolfe Rodrigues que trazia em seu projeto o horizonte de disputa do falido regime da Nova República com uma linha moralista e de melhorismo, do outro lado estava a esquerda do partido que reivindicando o legado de Junho e sua radicalidade na defesa das pautas democráticas que defendiam o nome de Luciana Genro. Pois bem, mesmo utilizando da burocracia para impor seu candidato, US, Randolfe e sua política recuada foram derrotados pela base que não aceitava nada menos que a defesa da radicalidade das ruas, Randolfe renunciou da candidatura por não conseguir unificar o partido. Naquele momento o pêndulo tende para a radicalidade e Luciana Genro assume a candidatura defendendo as pautas democráticas levadas por Junho e denunciando todo o regime corrompido comprometido com o ajuste capitalista. A vitória de Luciana e da esquerda socialista na disputa interna teve como consequência uma escolha política, sobre qual setor prioritariamente deveriamos disputar, escolhemos os insatisfeitos com o regime que um ano antes gritavam em alto e bom som “Não me representa!”. Por inúmeros fatores, dentre eles a captura brutal das eleições pelo poder econômico corrupto, Luciana não foi um fenômeno de votos, mas sua campanha foi vitoriosa por disputar importantes setores (como a população LGBT, a juventude e mesmo o MTST) e ampliar os votos do partido, sendo que só em São Paulo, um dos epicentros de Junho, foram quase 500 mil votos.
Trago essa longa introdução porque em comum com há quatro anos atrás uma disputa sobre qual setor da sociedade prioritariamente incidir está sendo travada dentro do partido, essa escolha é definitiva sobre a linha que iremos adotar nessa disputa. Desde o golpe parlamentar de 2016, impressionados com a brutalidade com a qual a agenda do ajuste se viabilizou no cenário nacional, a US e algumas organizações revolucionárias da esquerda psolista, como o MAIS e a Insurgência, defendem que disputemos prioritariamente a vanguarda dos atos de resistência ao impeachment, identificam essa vanguarda de massas na base social do lulismo, o setor mais dinâmico e progressista da sociedade para essas organizações. O desempenho de Lula nas pesquisas eleitorais reforçaram o impressionismo nessa leitura. Essas organizações no Congresso Nacional do PSOL defenderam que nossa prioridade era disputar a base do lulismo, leitura convergente com da direção do MTST e que vem dando esses contornos na construção programática da pré-candidatura de Guilherme Boulos.

Uma leitura mais internacionalista e histórica sobre a crise no Brasil e no mundo mostra que tal leitura é equivocada, os processos democráticos experimentados pela esquerda radical faz surgir novas alternativas, num momento de longo interregno, que desmontam essa tese. A esquerda radical no mundo vem alcançando amplos setores de massas não focando sua linha política para disputar a base das velhas direções da social-democracia, mas sim disputando corações e mentes dos desencantados, da juventude desempregada e endividada, dos trabalhadores precarizados e da classe-média empobrecida. Mas por que?
Porque a crise aberta com a Grande Recessão e a ofensiva do capital contra o trabalho transformou as forças que então polarizavam a disputa do regime democrático-burguês, conservadores e social-democratas, em aplicadores do ajuste e agentes do neoliberalismo onde governavam. Os companheiros Pedro Fuentes, Maycon Bezerra e Bernardo Corrêa, dirigentes do MES nossa tendência do PSOL, trabalham essa caracterização em seu texto “Notas compactas sobre a situação mundial”: “a inelutável ‘gerentização’ neoliberal dos regimes políticos burgueses e seus partidos e governos a serviço das corporações e do rentismo é uma necessidade desta etapa de acumulação (desmantelamento dos estados para colocá-los a seu serviço), o que tem levado aos partidos políticos a sua deslegitimação ante o movimento de massas, tanto deles como das instituições com as quais governam; (…) Ocorre que há um vazio porque não se acredita nessas velhas direções e ao mesmo tempo recém-aparecem alternativas que as suplantem; o caminho está mais aberto para isso. É um momento de transição, como dizia Gramsci (e agora se tornou muito justo citá-lo), ‘o velho não termina de morrer e o novo ainda não termina de nascer’. O fim do ciclo de velhas direções traz também elementos de ceticismo e descrédito, é um momento negativo que temos que utilizar para afirmar o novo que, embora não tenha terminado nascer, está nascendo. Esse ‘nasce’ já existe, porque vive o PSOL, o Podemos e outros novos processos. A crise provocada na Grécia pela capitulação de Syriza não enterra todo este rico processo que hoje existe. Pelo contrário, tem que servir de exemplo para não cometer esses erros”.

O impacto social da austeridade nas costas dos trabalhadores abriu uma profunda crise na superestrutura burguesa, uma casta política completamente subalterna ao grande capital, absolutamente apartada do povo e extremamente corrupta, começou a atrair ódio e ser constantemente questionada pela população. Tivemos então uma década marcada por grandes mobilizações democráticas como a Primavera Árabe, os indignados da Espanha, as greves gerais na Grécia, o Nuit Debout na França, o Occupy Wall Street e os protestos antiracistas de Fergunson nos EUA e Junho de 2013 no Brasil, essas foram expressões da enorme crise de representatividade que vivemos. No Brasil os acontecimentos se deram atrasados e de forma desigual, mas nos coloca dentro do contexto internacional, Junho de 2013 colocou a Nova República em estado terminal, o esquema de corrupção revelado pela contraditória Lava-Jato mostra que temos uma casta política focada na manutenção dos próprios privilégios que negociam a agenda antipopular do ajuste em troca da impunidade, enquanto as condições de vida se deterioram muito para a classe trabalhadora, para o povo preto e periférico, assim como para as mulheres, estudantes, povos do campo, indígenas e LGBTs. O aumento da violência e da repressão agravam a crise social que vivemos e atraem ainda mais rechaço do povo ao carcomido regime.

Lula e o PT se tornaram parte dessa casta e com ela atraíram a rejeição do povo para si. Ao se moldar ao establishment, se comprometer com o modelo econômico de FHC, de apostar na repressão chocando-se frontalmente com as jornadas de Junho e se propor aplicar a austeridade com Joaquim Levy no ministério da Fazenda, embora apostasse no ajuste negociado enquanto a burguesia queria o ajuste direto, o lulismo foi derrotado no movimento de massas não conseguindo mobilizar o povo para lutar contra o golpe porque o PT preferiu transformar essa luta numa defesa do impopular governo Dilma e os trabalhadores se recusaram defender esse governo. Perante esse impasse Temer aplicou o golpe e implementou a agenda de maior retirada de direitos da história recente do país, essa situação obrigou Lula e o PT se voltarem para as suas bases para sobreviverem politicamente. Claro que por efeito de comparação para muitos o Brasil de Lula era melhor que de Temer e traz até nostalgia, mas não significa que Lula e o PT tenham reconquistado o prestígio que antes tinham perante o povo, embora lidere as pesquisas, estão longe dos 80% de popularidade que chegaram ter, Lula apresenta altas taxas de rejeição e hoje é um líder popular em franca decadência. A tendência das eleições de 2016 continua mostrando que nem uma candidatura do regime é capaz de superar os brancos/nulos e abstenções, que venceu em capitais como São Paulo. Bolsonaro já percebeu isso e vem se vendendo falsamente como político anti-regime a exemplo de Trump e Le Penn, que propõe uma saída reacionária e populista, mas grande parte da esquerda radical e do PSOL infelizmente não perceberam , por isso apostam em se diluir na base lulista para atrair esse setor para uma saída mais radical. Mas essa diluição nos coloca importantes limites programáticos e erros táticos que trazem graves consequências, como abrir mão da massa de insatisfeitos para que sejam disputados somente pela extrema-direita mais baixa. Além do mais nos impede de fazer o balanço histórico da experiência lulista de forma mais contundente, além de nos pressionar para a adaptação. Nesse sentido o vídeo de 2 minutos de Lula na Conferência Cidadã tem um simbolismo grande, em suma o recado de Lula foi “não haverá reorganização de esquerda sem mim”; ou seja não existe espaço para uma esquerda anti-regime, pode se haver uma esquerda da ordem com traços mais radicais, mas que ele vai atuar para manter esse setor na seu campo de influência, além de crisar a base radical do PSOL enfraquecendo o partido em todo o processo. Poderíamos ter dado uma demonstração de independência negando tal apoio, mas mais uma vez o afã em agradar a base lulista silenciou os setores consequentes que estão com Boulos, se diluir realmente é a tática.

Os setores da base lulista vão se descolar da atual direção e vir com a gente na medida em que nos consolidarmos como uma alternativa de massas capaz de polarizar com a direita tradicional e a extrema-direita, para isso o foco da nossa atuação deve ser um setor mais amplo que a base lulista, queremos conquistar os indignados. Para não deixar dúvidas para outras interpretações, não se trata de defender disputar a classe-média alta reacionária que já está com ele, mas um amplo setor da classe trabalhadora e da juventude que ainda não está com Bolsonaro, mas que não mais enxerga alternativa na polarização PTxPSDB e muito menos no PMDB, é tarefa histórica do PSOL ser essa alternativa. Uma chapa Boulos/Guajajara pode ter um enorme potencial, pelo capital político e prestígio social conquistados nas lutas, de cumprir esse papel, se souber se apresentarem com a linha política correta, mas a política impressionista de US, MAIS e Insurgência e seus cálculos eleitorais equivocados preferem se diluir ao invés de em conjunto com o PSOL lutar para trazer essa candidatura para outro caminho, esse conjunto seria alcançado e essa batalha programática travada num processo de escolha mais democrático que a conferência colocada, por isso a defesa de prévias é muito mais que uma palavra de ordem meramente agitativa. Nós que depositamos uma aposta estratégica no PSOL acreditamos que ainda nada está perdido, mas que é preciso defender nosso papel histórico!


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