Apontamentos para o estudo das crises econômicas: um aporte da juventude

O que são crises econômicas? Compartilhamos com nossos leitores, para fins de arquivo, material elaborado pelo movimento Juntos em seus cursos de formação para o estudo das crises econômicas.

Juntos! 12 maio 2018, 15:30

I) Por que estudar a crise?

“Mercados nervosos após divulgação de novos números da economia”, “Gastan­ça irresponsável é a causa da crise, afirma economista”, “Para ministro grego, pla­no de ajuste precisa ser longo e profundo”, “Crise leva milhões ao desemprego”.

Quem, nos últimos tempos, não leu notícias semelhantes nos jornais? A “crise” parece um acontecimento paranormal, sobre o qual não há responsáveis e cuja resolução depende, prioritariamente, do “esforço” que se faça. Segundo banqueiros, especialistas e ministros porta-vozes do capital, os “esforços” significam, quase sempre, diminuição de salários, cortes nos orçamentos governamentais de despesas sociais e repasses de dinheiro público às empresas “em dificuldade”.

Somente a importância de saber o que, de fato, está por trás de manchetes

aparentemente tão inocentes já estimula nossa curiosidade para a compreensão dos me­canismos da economia capitalista. No entanto, há mais: a “crise” aparece no discurso oficial como a justificativa para retirada de direitos históricos dos trabalhadores e da ju­ventude. Pelo impulso de uma “crise” da qual pouco se sabe, milhões são levados ao des­emprego e à miséria.

Nesse acampamento do Juntos!, pretendemos apropriar-nos das categorias fundamentais desenvolvidas pelo marxismo para a compreensão da economia capitalista. Esse esforço possibilitará à juventude ter mais conhecimento sobre o que acontece ao seu redor e, desse modo, atuar com mais força. O acampamento não pretende ser apenas a discussão de textos e o acúmulo de leituras. Pretende proporcionar um “guia para ação”. Após um 2011 de lutas e revoluções muito motivadas pela vontade de fazer que com os povos não paguem por uma crise que não é sua, fica evidente a necessidade dessa discussão.

A partir do estudo de algumas características do capitalismo, será possível avançar na compreensão de por que a crise lhe é in­trínseca. Foi Karl Marx, revolucionário alemão que viveu no sécu­lo XIX, quem desvendou a lógica inerente a esse modo de produção, assentando a análise da sociedade burguesa na relação entre as classes sociais. Em O Capital, Marx apresenta o processo pelo qual o valor se valoriza. Para fazê-lo, Marx buscou no chão da fábrica, na produção material sob o capitalismo, tendências de seu desenvolvimento que ain­d a hoje, quase 150 anos depois, revelam-se plenamente. O marxismo não é um dogma, uma doutrina ou um conjunto de verdades prontas a ser recitadas. Trata-se, antes, de buscar, a partir das relações sociais, as múltiplas determinações do concreto. Daí seu caráter tenden­cial. Por tudo isso – e por ser o mais poderoso guia à ação (revolucionária) produzido pela humanidade –, o marxismo mostra, hoje, tanto vigor enquanto ferramenta para entender­mos o que de fato há por trás da crise.

II) A mercadoria

A sociedade capitalista generalizou a produção de mercadorias. Segundo Marx, é a “célula econômica” da sociedade. Por que devemos estudar a mercadoria? O que há de es­tranho nela? A princípio, se pensamos numa mercadoria, temos em mente algo banal, algo que buscamos quando temos alguma necessidade e por que pagamos pagamos determinada quantia.

É justamente aí que começa nossa discussão porque desta definição inicial, bastante simples, já podemos perceber dois elementos.

A mercadoria como unidade entre valor de uso e valor de troca

A mercadoria tem duas propriedades que a caracterizam. A primeira: ser capaz de satisfazer alguma necessidade humana, ou seja, ter alguma utilidade. Por exemplo, mercadoria-pão, que alimenta, mercadoria-refrigerante, que mata a e mercadoria-livro, que amplia nossos conhecimentos. Este é o valor de uso, a utilidade concreta que determinada mercadoria possui de satisfazer determinadas necessidades. Caso contrário, não a teríamos buscado.

Por outro lado, a mercadoria possui outra característica: seu valor de troca, que apa­rece como a relação quantitativa, a proporção em que se trocam valores de uso de um tipo por valores de uso de outro. Exemplos: 2000 reais por uma TV, dez lenços por uma camisa ou oito horas de trabalho por um salário de 30 reais. Muitas coisas não possuem valor de troca, apesar de sua utilidade para nós. O ar que respiramos (diferentemente do ar comprim­ido que se compra em bujões) ou a água que bebemos fresca num riacho (diferentemente da água mineral que compramos engarrafada) satisfazem nossas necessidades sem ter, por isso, valor de troca. Não precisamos ir ao mercado para obtê-las.

Por trás de todas as mercadorias, está o trabalho humano

A mercadoria é a unidade entre uma utilidade concreta e sua expressão quantitativa pela qual se pode trocar. Para que exista troca, todas as mercadorias que se trocam devem ter valores de uso distintos. Se podemos trocar x lenços por y camisas e z discos, isto quer dizer que por trás de distintos valores de troca das mercadorias deve haver algo em comum.

Desse modo, se nos esquecemos por um momento das diferentes utilidades, podemos perguntar: o que há de comum a todas as mercadorias? É o fato de serem todas produto do trabalho humano. Trata-se do trabalho abstrato ou geral, gasto humano de en­ergia. A quantidade de substância criadora do valor é a quantidade de trabalho que carrega. Tal quantidade pode ser medida pelo tempo de duração através de unidades de medida: anos, meses, semanas, dias, minutos.

III) O valor

Quando dizemos que uma mercadoria vale alguma coisa, estamos justamente buscando o que há de comum na diversidade de utilidades das mercadorias. Estamos comparando, a partir do que é comum, para poder realizar uma troca. Marx define o valor de uma mercadoria como o tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção. Note-se, aqui, que Marx não fala de qualquer trabalho individual, mas do tempo médio, que é o tempo de trabalho humano socialmente necessário que se requer para produzir um valor de uso em condições normais de produção.

A lei do valor, então, é um mecanismo econômico em uma sociedade de produ­tores privados que distribui a força de trabalho total à disposição da sociedade. Para o capitalista, esta lei determina como ele irá realizar seus investimentos, de acordo com seu interesse em conseguir um melhor lucro com relação à lucratividade geral dos capitalistas. Isso tem muita relação com as crises porque demonstra o caráter anárquico da produção capitalista. Os capitalistas produzem para obter lucro. Sua atividade individual não está voltada à satisfação das necessidades humanas de determinado tipo de mercadoria. Vemos isso claramente nas notícias sobre a destruição de produtos que não se consegue vender como se desejaria. Todos os anos, por sinal, este tipo de notícia causa especial indignação quando vemos alimentos, num país em que há miséria e fome como o nosso, sendo despe­jados em lixões, estradas ou sendo atirados ao fogo porque aos produtores capitalistas não lhes agrada o valor que conseguiriam por eles no mercado. Esta é a anarquia da produção capitalista.

O valor de uso, então, é aquele produzido por um trabalho concreto. O sapateiro produz sapatos que servem para calçar nossos pés. O valor é aquele produzido pelo trabalho abstrato. Numa fábrica de sapatos, o trabalho de x operários produziu y em mercadorias, que serão destinados à venda no mercado. O valor de troca (50 reais, por exemplo, por um sapato) é a forma como o valor se manifesta. Nesse caso, manifesta-se na forma dinheiro.

IV) O capital

“Dinheiro gera dinheiro”. Todos já devem ter ouvido este velho ditado. Ao ver que os ricos sempre parecem estar mais ricos, temos a sensação de que o ditado é verdadeiro. Mas é verdadeiro só em parte. Como se dá esse processo em que “dinheiro gera dinheiro”? É necessário discutir o que é e como se valoriza o capital.

O dinheiro surgiu como intermediário, facilitando bastante as trocas entre os homens. Assim, foi possível não apenas trocar produtos por produtos, mas vender e comprar. Esta é a forma direta de circulação de mercadorias: Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria (M-D-M), ou seja, vender (M-D) para comprar (D-M). Só foi possível fazer as trocas desse modo porque as mercadorias contêm trabalho humano. Este fato permitiu o surgimento do dinheiro como intermediário universal. A fórmula demonstra que o dinheiro é uma merca­doria específica, cujo valor de uso é ser valor de troca de outras mercadorias.

Se é possível realizar o que diz o ditado popular, talvez devamos pensar numa fórmula assim: Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro incrementado (D-M-D’). A diferença entre D e D’ é a mais-valia (S). A fórmula D-M-D’ é a fórmula geral do capital, significa o processo incessante pelo qual o valor se valoriza. Através da troca constante entre as formas dinheiro e mercadoria sua magnitude varia, aumentando-se.

Mas o que permite esse aumento do valor? Dinheiro, sozinho, não pode ter filhos, não pode procriar. É necessário assumir a forma de uma mercadoria e voltar à forma de dinheiro valorizado. Que mercadoria especial é essa que pode produzir mais valor?

Conforme vimos anteriormente, o valor de uma mercadoria é a quantidade de trabal­ho abstrato dispendida em sua produção. Isso quer dizer que para obter valor é necessário o trabalho humano. Aí está a resposta para nosso mistério: a mercadoria especial que permite ao valor valorizar-se, que permite ao “dinheiro gerar mais dinheiro”, é a força de trabalho. Este processo é característico do capitalismo porque nele há um mercado e até o trabalho humano foi considerado uma mercadoria a ser vendida como qualquer outra (no mercado de trabalho). Foi necessária a existência da força de trabalho livre e de um mercado para que o capital pudesse desenvolver-se a ponto de impor sua lógica a quase todas as relações humanas.

O capital não é qualquer dinheiro. É dinheiro, podemos dizer agora, investido na produção com o objetivo de gerar mais valor. O capital é valor que se valoriza. E para isso precisa comprar a força de trabalho. Mas, se a mercadoria força de trabalho é comprada por um valor equivalente (o salário) como qualquer outra, então como pode surgir mais valor ao final do processo?

V) Salário e mais-valia

O gênio de Marx revelou-se também neste ponto porque não seria possível compreender a fórmula geral do capital se ficássemos apenas na esfera do mercado. De fato, lá se trocam equivalentes. No mercado de trabalho, o capi­talista compra uma mercadoria – a força de trabalho, que, como mercadoria, também tem um valor de uso e um valor de troca. O valor de troca desta mercadoria é o salário, a quantidade de dinheiro entregue ao trabalhador para sua subsistência e de sua família. Com o salário, ele pode seguir repondo a força de trabalho e preparar a continuidade através de sucessivas gerações de proletários. O salário tem dois componentes: 1) componente físico – salário por horas, peças, por jornada; e 2) componente histórico ou cultural. O primeiro é composto pelos bens que asseguram a sobrevivência do trabalhador e de sua família; o segundo é fruto das lutas operárias, que variam de país a país e até de sindicato a sindicato.

No mercado, então, as duas partes, capitalista e trabalhador, firmam um contrato pelo qual se paga pela mercadoria força de trabalho seu valor de troca – a quantidade de produtos destinados à sua reprodução individual e enquanto classe. A grande questão é que, quando se celebra tal contrato, o trabalhador não é informado que possui uma mercadoria muito diferente de qualquer outra, já que a força de trabalho é a única mercadoria capaz de criar valor.

No processo de produção, contudo, o capitalista, usando seu direito de comprador, pretende explorar ao máximo sua mercadoria: por isso, busca fazer com que o trabalhador produza ao máximo durante a jornada de trabalho. É justamente aí que surge a mais-valia. A mais-valia é fruto da exploração do trabalhador pelo capitalista. Durante a jornada, o trabalhador produz o suficiente para repor o que o capitalista gastou com seu salário, mas produz mais do que isso. Este excedente, que não é repassado ao trabalhador, é apropriado pelo capitalista. Por exemplo, numa jornada de 8 horas, se nas 4 primeiras horas o trabal­hador produz o que recebe como salário, nas 4 horas finais tudo o que produzir irá para o capitalista. Está desvendado o mistério de como “dinheiro gera dinheiro” ou o processo pelo qual, no capitalismo, o valor valoriza-se.

VI) Capital constante e capital variável: a composição orgânica do capital

Uma das características do capitalismo é a concorrência. Concorrência capitalista para a obtenção do lucro. Nesse incessante processo, ao longo do tempo, pôde-se notar uma regu­laridade: os capitalistas buscam a inovação, as melhorias tecnológicas e a descoberta de meios de obter maior produtividade dos trabalhadores para que, desse modo, seja ampliada a mais-valia. O capitalista que consegue implantar uma maneira mais eficaz de produzir, através da re­organização do processo de trabalho, da introdução de novas ferramentas e máquinas, acaba conseguindo extrair mais-valia numa quantidade superior à média do setor. Quando os out­ros capitalistas, ávidos pela acumulação de capital, descobrem a novidade, além de ficarem furiosos, logo também introduzem as novas máquinas e novos métodos. Por isso, observa-se, no capitalismo uma tendência ao aumento proporcional do capital constante e uma diminuição proporcional do capital variável.

Mas o que são o capital constante e o capital variáv­el? O capital constante é o capital que precisa ser investido em matérias-primas, máquinas, edifícios, etc.. O capital variável é o que se investe na força de trabalho e salários. Marx faz esta divisão porque opina que o único que gera valor é o capital variável; o outro, constante, serve para que se materialize o novo valor, mas nunca o cria. A circulação de mercadorias não agrega o novo valor. Para valorizar o capital e lucrar, o capitalista precisa comprar força de trabalho. Mas será obrigado a inve­stir outra parte nos meios de produção, já que precisará comprar matérias-primas, máqui­nas, energia, etc..

Este fenômeno, o aumento da composição orgânica do capital, torna a parte constan­te sempre maior e leva a uma pressão irresistível de diminuição da parte variável. Para que se valorize o capital, este processo (investimento em mais e melhores máquinas, introdução de novas tecnologias, etc..) terá de acontecer. Mas como, no entanto, é o trabalho humano o que cria o valor, acaba ocorrendo uma contradição e, com o passar do tempo, a produção de mais-valia acaba diminuindo, já que cada vez o capitalista tem de gastar mais com capital constante comparado ao variável. A taxa de lucro tende a diminuir. Parece confuso, mas logo será possível entender a relação que essas tendências têm com a crise capitalista.

VII) O fetichismo da mercadoria

Quantas vezes não falamos algo como “chegou à loja o novo CD do Michel Teló”? Sem discutir as qualidades do cantor, seria interessante, na verdade, refletir sobre a própria pergunta. Objetos, como os CDs, possuem vida própria? Conseguem chegar a lojas? Que espécie de “poder” é esta que faz com que os produtos não sejam movidos de acordo com nossas necessidades, mas que nós, na verdade, nos movamos o tempo todo atrás das merca­dorias, que parecem adquirir vida própria.

Na sociedade capitalista, a generalização da circulação de mercadorias faz com que aconteça um fenômeno curioso: mais e mais parecemos estar diante de um mundo de coi­sas, de relações sociais entre coisas. Mercadorias parecem chegar sozinhas ao mercado. Elas “valem” tanto e, com dinheiro, está feita mais uma compra! Não se fala mais de um produto que tem por conteúdo trabalho humano em tal quantidade, feito por um setor social em determinadas condições de capacidade e de nível produtivo, mas sim dizemos que ‘vale x quantidade de reais’. Essa ‘propriedade’ aparece como algo inerente ao produto.

O valor das mercadorias, no capitalismo, parece ser algo natural, quase uma proprie­dade física ou química. Quando dizemos que tantos quilos de ferro valem tantos gramas de ouro, nunca paramos para pensar o que de fato faz com que o ouro seja valioso. O que faz com que algo “valha” tantos reais? Esta “propriedade” das mercadorias é um produto históri­co surgido da sociedade capitalista. É esta naturalização de determinadas “propriedades” que a mercadoria possui que chamou a atenção de Marx quando ele afirmou que a mercadoria é “algo muito estranho”.

Marx chamou este processo de atribuição de características sociais à mercadoria de o fetichismo da mercadoria. Fetichismo tem relação com a palavra feitiço. É como se no capitalismo as mercadorias passassem a ser enfeitiçadas, a ter vida própria. Passa a haver relações sociais entre coisas e relações “coisificadas” entre os homens. As relações sociais entre os produtores são obscurecidas e o “valor” da mercadoria parece algo natural. Por isso, foi necessário debatermos tanto aqui conceitos como valor de uso, valor ou mais valia.

Como afirma Marx, “a forma mercadoria e a relação de valor entre os produtos do trabalho, a qual caracteriza essa forma, nada têm a ver com a natureza física desses produtos nem com as relações materiais dela decorrentes. Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. (…) É porém essa forma acabada do mundo das mercadorias, a forma dinheiro, que realmente dissimula o caráter social dos trabalhos privados e, em consequência, as relações sociais entre os produ­tores particulares, ao invés de pô-las em evidência” (MARX, K. O Capital. Livro I. pp. 94- 97).

O fetichismo da mercadoria tem outros correlatos: o fetichismo da marca, quando tal marca é mais “valiosa” que as outras; o fetichismo do dinheiro, que torna pessoas dispostas a apostar, roubar, matar ou morrer por um pedaço de papel; o fetichismo das ações, pelo qual papéis valorizam-se e desvalorizam-se num jogo que não tem necessariamente relação direta com a produção ou que deixa mercados “nervosos”, “agitados”, “pessimistas” ou “otimistas”. O fetichismo, característica da sociedade produtora de mercadorias, tem muitas relações com as crises econômicas.

VIII) Mas, afinal, por que ocorrem as crises no capitalismo?

Após debater alguns conceitos fundamentais, podemos agora avançar na compreen­são de por que as crises econômicas ocorrem e, particularmente, por que em todos os lados afirma-se, hoje, estar o “mundo” em crise. Para isso, apoiaremo-nos nas reflexões do com­panheiro Roberto Robaina, do PSOL-RS, em seu trabalho Um giro histórico na situação mundial, cuja leitura recomendamos.

A exploração

Até aqui, discutimos que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário à sua produção. Em seu movimento de valorização, o capital necessita do trabalho vivo. Somente com a exploração do trabalho é que se obtém a mais-valia. O capitalista procura diminuir a parte da jornada de trabalho em que o trabalha­dor apenas reproduz aquilo que lhe foi pago como salário (trabalho necessário) e aumentar a parte da jornada em que a produção do trabalhador não lhe é paga (trabalho excedente). Isso significa que é interessante para o capital diminuir mais e mais o valor da força de tra­balho. Desse modo, o valor gasto na forma de salários diminuirá em relação à mais-valia. O capital precisa ampliar a exploração do trabalho, ou seja, o capital, para valorizar-se, precisa diminuir o valor da única mercadoria que produz valor – a força de trabalho.

A queda tendencial da taxa de lucro

Sobre esse processo, Robaina afirma que: “É a partir da compreensão acerca dos limit­es do capital que Marx percebe uma das determinações mais relevantes da crise: a tendência à taxa de lucro se reduzir. O desenvolvimento crescente da produtividade do trabalho, das forças produtivas, leva a uma expansão cada vez maior do investimento em capital constan­te, em máquinas, equipamentos, matérias-primas e, relativamente, a uma redução do capital variável, isto é, dos gastos com mão-de-obra, justamente o fator que valoriza o capital e que garante o lucro, razão pela qual leva o nome de variável, especificação do fato de que são os trabalhadores que fazem variar o capital, mais concretamente aumentando seu valor. Como a taxa de lucro é a razão entre a mais-valia e a soma dos gastos com capital variável, isto é, os gastos com salários, mais os gastos com capital constante, sua tendência é cair à medida que aumenta a acumulação do capital e em que aumenta, portanto, o trabalho excedente em relação ao trabalho necessário”.

A concorrência capitalista faz necessário sempre aumentar a produtividade do capital, ou seja, diminuir o valor da força de trabalho e aumentar o trabalho excedente. Nesse pro­cesso, como vimos, o capital constante (máquinas, edifícios, matérias-primas, etc.) aumenta com relação ao capital variável (salários) e a produção de mercadorias aumenta, podendo levar a uma superprodução de mercadorias.

Ocorre que a parte constante do capital apenas reproduz-se no valor da mercadoria. Máquinas, matérias-primas ou edifícios não geram valor novo. É o trabalho que o gera. A contradição é que, no processo de valorização, a parte constante do capital sempre aumenta, o que leva a um dos maiores limites do capitalismo: ao valorizar-se, o capital produz mais mercadorias e acaba desvalorizando-se.

Existem contra-tendências a esta lei, como o aumento da população ou o desenvolvi­mento técnico, que auxiliam a retomada do crescimento e da acumulação de capital, adi­ando a efetuação da lei, mas logo o capital novamente se encontrará enredado com um problema que está na raiz de sua lógica de valorização: as taxas de lucro acabam voltando a cair.

A demanda insuficiente

Marx também a aponta a ausência de demanda como uma das causas da crise. Para que o capital se valorize, é necessária a produção de novos valores. No entanto, um capi­talista que produza sapatos não quer sapatos. O sapato produzido individualmente é apenas um valor de uso. O capitalista precisa vendê-lo no mercado e obter dinheiro, com o qual ele pode reinvestir e retomar o ciclo de acumulação.

Como vimos, o aumento da concorrência e a lógica de valorização do capital levam a uma busca por diminuir o valor da força de trabalho e aumentar a mais-valia. Nesse pro­cesso, aumenta mais e mais a produção de mercadorias. Podem, então, aparecer dificuldades para os capitalistas quando eles precisam realizar o lucro, vendendo as mercadorias, e não encontrando quem as compre.

Nesse ponto, mais uma vez, a anarquia da produção capitalista revela-se, seja porque a sociedade produz em excesso mercadorias que não são necessárias ou – o que é mais provável – as mercadorias produzidas não podem ser consumidas porque não existe quem possa pagar por elas o seu valor. A riqueza e a pobreza convivem. O excesso de produção e a pobreza das massas, contraditoriamente, combinam-se na crise capitalista. Robaina, em poucas palavras assim explica esse fenômeno: “o que os trabalhadores produzem a mais do que recebem, isto é, a mais-valia, é o valor que falta para a realização da demanda das mer­cadorias”.

É possível superar a crise capitalista?

Para escapar (temporariamente) desse problema, os capitalistas buscam uma série de mecanismos, aumentando as trocas entre a própria indústria ou entre a indústria e o Es­tado, assentadas na dívida pública, incluindo novas contradições na acumulação capitalista. Se não consegue escapar e já não encontra mais onde investir obtendo rentabilidade, uma série de capitais ficam paralisados, numa crise de

sobreacumulação. Indústrias fecham, o desem­prego aumenta, mais mercadorias acumulam-se sem encontrar destino e esse círculo vicioso con­tinua até que a queima de capitais permita que os grandes grupos incorporem os menores e que o capital possa voltar a valorizar-se num novo patamar. Nesse processo, no entanto, aumentam o sofrimento do povo, a miséria e a retirada de direitos. A racionalidade própria ao funcionamento do capitalismo revela-se uma irracionalidade para a humanidade.

Como afirma Robaina, “trocando em miúdos, o capitalismo desenvolve uma con­tradição que tem dois aspectos: por um lado, a tendência à redução da taxa de lucro dificulta os investimentos produtivos. Para superar esta tendência, e pela pressão da concorrência, os capitalistas precisam apostar em mais do mesmo, quer dizer, aumentar a produtividade. Mas com o tempo, no seu desenvolvimento, o aumento da produtividade, a capacidade de produção maior, por um lado pressiona a taxa de lucro para baixo e, por outro lado, esbarra na limitada capacidade de demanda efetiva, conduzindo à superprodução de mercadorias. Por isso, seu movimento é como uma fuga para frente interrompida nas crises, quando capi­tais são queimados, capitalistas maiores absorvem os menores e o capital se concentra e se centraliza para recomeçar a acumulação num novo patamar. Ou seja, a violenta aniquilação do capital nas crises é a condição para sua autoconservação. Trata-se de um movimento cí­clico”.


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