A Marcha dos Cem mil, 50 anos depois

A Marcha da Maconha de São Paulo ocupou as ruas da cidade contra a atual política de drogas na melhor tradição do espírito de 68.

Pedro Micussi 30 maio 2018, 15:47

Foi realizada em São Paulo no último sábado pelo décimo ano consecutivo a Marcha da Maconha. Com a presença de cem mil manifestantes, a marcha mais uma vez quebrou recorde de público, superando a já gigantesca manifestação do ano passado. O calor popular desse acontecimento dificilmente pode ser descrito em palavras, ainda que seja facilmente identificável a qualquer um que já tenha, em algum momento, comparecido a uma dessas caminhadas que partem do MASP em algum momento do outono paulistano. Fato é que São Paulo se acostumou a ter, ao menos uma vez por ano, algumas das principais vias da cidade tomadas por manifestantes do centro e (principalmente) da periferia que clamam pelo fim de uma das políticas públicas mais injustas da sociedade brasileira.

Debatida à exaustão nos círculos antiproibicionsitas, a falência da chamada guerra às drogas é latente. Ao não reduzir o consumo de substâncias ilícitas – sua aparente justificativa – ela ajuda a legitimar, por outro lado, o encarceramento da juventude negra e periférica brasileira e contribuiu à militarização da vida nas cidades do país fazendo com que, por exemplo, os números de homicídios já ultrapassem a faixa de 60 mil pessoas por ano.

Assim, não parece ser de difícil compreensão a adesão crescente e massiva à Marcha da Maconha de São Paulo. Para além do moralismo encrustado em parcelas de nossa população, boa parte dos jovens das cidades percebem que o argumento de “acabar com o consumo de drogas no país”, e da maconha em particular, é simplesmente absurdo. É escancarada a hipocrisia de um projeto que, como se não bastasse, ainda ataca profundamente a liberdade dos indivíduos, ao buscar regular o que eles podem e devem ingerir.

Portanto, é igualmente compreensível que a Marcha tenha se tornado também, ao longo dos anos, um lugar para maconheiros de todos os cantos da cidade ostentarem os seus cigarros em lugares e ocasiões que seriam inimagináveis em dias comuns. Afinal, não poderia ser diferente a ação que decorre de um sentimento de poder, finalmente, escancarar um hábito presente e recorrente na vida de milhões que, entretanto, em virtude da proibição e da moral estabelecida, é fadado ao tabu e à sonegação cotidiana. É como se estivéssemos dizendo: vocês proíbem, mas cá estamos de novo. Não coincidentemente, o ódio às instituições da Segurança Pública nacional, em especial à Polícia Militar, tornam-se alvos diretos desses manifestantes. São elas que corporificam os absurdos de uma política pública injusta, racista, classista e opressora.

A tudo isso, soma-se o sentimento de que, a trancos e barrancos, o antiproibicionismo avança ao redor do mundo. Segundo dados reunidos a partir de pesquisas do Observatório Europeu de Drogas e Toxicomaníacos e do Drug Law reform in Latin America a maconha, cuja utilização em 2012 era considerada um ato ilegal para qualquer cidadão do globo terrestre, já está legalizada para quase 110 milhões de pessoas ao redor do mundo. Mais pessoas sentem que um Brasil livre da proibição é possível. Uma realidade que poderia parecer inalcançável uma década atrás torna-se cada vez mais plausível.

À parte do inegável sucesso e fortalecimento da Marcha da Maconha, pesou mais uma vez este ano o acobertamento do movimento pela mídia tradicional brasileira. A Folha de S.Paulo, principal veículo impresso da cidade e de posições editoriais favoráveis à legalização da cannabis, estampou matéria de capa no domingo em que relatava pesquisa demonstrando que no estado de São Paulo, metade das ocorrências policiais envolvendo apreensão de maconha abordavam cidadãos que portavam no máximo 40 gramas da planta. Como se sabe, essa mesma quantidade tende a ser o limite atribuído ao “consumo pessoal” em países que possuem legislações claras sobre a distinção entre usuário e traficante. O jornal da família Frias mira a fragilidade da legislação vigente a o dispendido de recursos públicos em tais empreitadas inócuas, mas parece temer a exposição de um movimento popular que escancara a mesma essência promulgada pela reportagem. Não surpreende. Desnecessário dizer a ojeriza da burguesia brasileira e seus porta-vozes à organização popular independente no país.

50 anos depois da Passeata dos Cem mil, evento icônico da rearticulação do movimento social brasileiro em meados do século passado, podemos dizer que esse fim de semana reeditamos a Marcha dos Cem Mil. Inspirada naquela e no espírito de 68, apostamos na mobilização popular contra a ordem estabelecida e a política que alia governos golpistas de direita a governos pretensamente de esquerda. Levamos às últimas consequências o que há de mais politizado na contracultura, mostrando que o consumo de drogas individual pode não ser um ato revolucionário por si só, mas com certeza o é o fato de centenas de milhares lutarem em conjunto por um direito que só pode ser obtido coletivamente.

Da nossa parte, seguiremos marchando até o fim dessa injusta guerra às drogas. Contra os poderosos, que lucram na miséria, estaremos com os caminhoneiros grevistas e todas as demais parcelas da população que se colocam em movimento para construirmos na rua um novo Brasil que esteja finalmente de acordo com as necessidades e anseios de sua população.


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