Eleição histórica no México

A vitória eleitora de Andrés Manuel López Obrador expressa a fúria popular contra um regime oligárquico corrupto

José Luis Hernández Ayala 3 jul 2018, 14:23

O aplastante trunfo eleitoral do Andrés Manuel López Obrador (AMLO) -nada menos que 53 por cento da votação, maioria nas câmaras de deputados e senadores, pelo menos cinco de nove governos estaduais em jogo e um grande número de congressos estatais, prefeituras e vereadores-, expressa a fúria popular contra um regime oligárquico corrupto, pela insegurança produto da infernal guerra interna, supostamente, em contra do crime organizado e a desigualdade social.

De fato, estas eleições se transformaram em um grande plebiscito nacional contra as políticas neoliberais e de um regime político em decomposição.

Os dois partidos burgueses tradicionais –Partido Revolucionário Institucional, Partido Ação Nacional e seu sócio menor a Partido da Revolução Democrática-, receberam um golpe contundente e humilhante. Ricardo Anaya, candidato da coalizão PÃO-PRD-Movimento Cidadão, recebeu ao redor de 22.52% e José Antonio Meade, candidato do PRI e dois partidos satélites, ronda o 16%. Estes partidos, desgastados por fortes enfrentamentos entre o PRI e o PAN, certamente confrontarão novas divisões internas, rupturas e um maior descrédito. A classe dominante está ante um forte dilema: tentar refundar desprestigiados instrumentos de dominação ou inventar outros.

Intensa divisão nas elites

Esta divisão dos partidos da direita, e ao interior deles, é um reflexo de grandes conflitos existentes ao seio da oligarquia. O conflito mais forte o desatou da partilha das reformas neoliberais realizadas pelo governo do Enrique Penha Neto, entre elas a privatização da indústria petroleira, mas também existem contradições entre os setores mais ligados ao mercado interno com os grandes grupos exportadores e inclusive por seu descontentamento pelo alto grau de corrupção do atual grupo governante. Esta divisão burguesa foi o caldo de cultivo que propiciou o apoio de um setor empresarial à candidatura do AMLO e que o resto se resigne a aceitá-lo como o mal menor.

O grande poder oligárquico perdeu uma batalha, mas não a guerra. Viram-se obrigados a respeitar a vontade popular porque sabem que não lhes alcançava para a fraude e menos queriam despertar ao tigre desconhecendo ou violentando o processo eleitoral.

Sabem que perder o poder Executivo e o Legislativo, não é perder todo o Poder. Ainda contam com o controle dos altos mandos das forças armadas, o poder Judicial (sobre tudo de uma Suprema Corte de Justiça disposta a defender a “legitimidade” das reformas neoliberais), a alta burocracia de carreira em todos os ministérios, os aparelhos corporativos, a Igreja, os meios de comunicação e, sobre tudo, de um enorme poder econômico.

Em um princípio a oligarquia tentará congraçar-se com o novo governo, cortejará-o e inclusive estarão dispostos a trocar um pouco para que nada troque, infiltrarão (já o têm feito) ao nova partido no poder e ao gabinete presidencial para conter, de dentro, qualquer esforço de mudança verdadeira que afete seus interesses e, se tudo isto falha, impulsionarão uma guerra mediática e inclusive a ameaça golpista.

O pragmatismo eleitoral que levou ao AMLO a pactuar com partidos de direita como a Partida Encontro Social (PS) ou abrir candidaturas e portas de Morena a fugitivos do PRI, PÃO E PRD, serviram-lhe para vencer ao centenário aparelho de dominação priísta, mas é completamente equivocado pensar que, por este caminho se pode obter uma autêntica transição à democracia. Há objetivos, como investigar e castigar a enorme corrupção no Pemex ou auditar a dívida pública, completamente inaceitáveis para a oligarquia e não existe outra alternativa que apelar à mobilização popular para alcançá-los.

Possibilidades e limites do novo regime

A diferença da esquerda ultra-esquerdista, que aposta a um logo desgaste do governo do AMLO por descumprir suas promessas de campanha e reverter as reformas neoliberais, existe a possibilidade de que seu governo sim impulsione uma série de reformas mínimas que podem melhorar, no imediato, a extrema pobreza de amplos setores da população, impulsionar o crescimento econômico e consolidar um novo tipo de regime.

Para começar as medidas tem anunciou contra a corrupção e o esbanjamento (reduzir na metade dos salários dos altos funcionários públicos e erradicar todo tipo de privilégios, não roubar, vender a frota de aviões do governo e utilizar linhas aéreas comerciais, eliminar os milionários gastos de publicidade, revisar os contratos e concessões governamentais e castigar os maus manejos, cancelar as impopular e milionária pensão aos ex-presidentes, etc.), são pontos que está em condições de cumprir e que teriam um grande impacto na opinião pública.

O problema central de elevar os salários mínimos e contratuais, é outra de suas promessas que é factível realizar. Os baixos salários da classe trabalhadora mexicana não são causados por uma suposta “baixa produtividade”, como nos tem feito acreditar, é uma decisão de estado para defender um modelo econômico apoiado em oferecer mão de obra de baixo salario a empresas transnacionais. Este ponto é um dos assuntos mais controvertidos na atual renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), aonde os governos do Trump, Trudeau e os sindicatos dos Estados Unidos e Canadá, pressionam ao México para elevar salários de seus trabalhadores que são dez vezes menores aos de seus contrapartes. Inclusive no México, a Confederação Patronal da República Mexicana (COPARMEX), demandou a elevação do salário mínimo para fortalecer o mercado interno. Certamente que a patronal não estará disposta a que os salários recuperem seu nível histórico de 1976, mas sim existem as condições econômicas e políticas para pressionar por melhores salários e estes é algo que os sindicalistas devem aproveitar.

As propostas de incrementar ao dobro a pensão dos adultos maiores, fazê-la extensiva a nível nacional e que inclua as pessoas com deficiência, além de criar becas para todos os jovens, são medidas assistencialistas que podem criar-se imediatamente; outra coisa é saber se podem sustentar-se com os atuais ganhos do estado ou se terão que cobrar maiores impostos às grandes fortunas.

A derrogação da “reforma educativa”, que não pôde generalizar-se pela heroica luta de resistência da Coordenadora Nacional de Trabalhadores da Educação, é um quase um fato, não lhe custa nada e sim lhe brinda enorme benefício político entre 1 milhão e 300 mil integrantes do grêmio dos professores

Como parte da luta contra a corrupção e para desmantelar um dos pilares básicos de sistema de dominação priista, é possível que López Obrador tente construir uma nova relação com a classe trabalhadora apoiado em pactuar com novas lideranças sindicais e camponesas e não com o “charrismo” ou os caciques do campo controlados pelo PRI. Este ponto é crucial para que a classe trabalhadora possa recuperar sua democracia e independência, este é o momento de que o sindicalismo e as centrais camponesas independentes, deveriam iniciar uma ofensiva para reagrupar-se e lançar uma ofensiva para recuperar as organizações que agora estão sob o controle de gnsters ou de organizar aos milhões de trabalhadores que carecem de organização.

Outro objetivo que pode cumprir-se, este de maior envergadura, é iniciar um processo de pacificação do país. Isto poderia resolver terminando, abertamente com o conluio do estado com as bandas criminais; cessando o amparo militar ao comércio e produção de estupefacientes; retornado o exército aos quartéis; esclarecendo o desaparecimento dos 43 estudantes da Ayotzinapa e legalizando o consumo da maconha.

É completamente certo, e nisto coincidimos muitos grupamentos da esquerda anticapitalista, que existem muitas outras demandas que o novo governo do López Obrador só poderá resolver se se atreve a enfrentar a voracidade dos patrões e apoiar-se na mobilização social. Investigar, até suas últimas conseqüências, as corrupções de anteriores governos; derrubar a reforma energética que privatizou a eletricidade e o petróleo; cancelar a construção do novo aeroporto no lago do Texcoco e outros megaprojetos que atentam contra o meio ambiente; realizar uma auditoria à dívida pública e privada; convocar a um novo constituinte para derrogar as reformas neoliberais em matéria trabalhista, educativa, segurança, etc., são algumas delas. A melhor forma de dar força a estas demandas, é as fazendo bandeira de amplos movimentos sociais e não mediante estridentes gritos de pequenos grupos.

Estamos ante um novo ciclo político que abre novas e transcendentais desafios para a esquerda anticapitalista: nem a crítica ultra-esquerdista nem o seguidismo para o novo governo são a alternativa. Devemos construir um pólo de esquerda que, sem sectarismo, ofereça uma autentica proposta alternativa de transição democrática e de ruptura com as políticas neoliberais.

Finalmente considero que a esquerda anticapitalista deveria estar contente, e não triste como acontece a muitas pessoas e organizações, de que, por fim, o caduco e quase centenário regime de dominação priista tenha recebido este golpe mortal.

Artigo originalmente publicado no Portal da Esquerda em Movimento.


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Camila Souza