Vitória de Obrador, o dia seguinte

Secretario de Relações Internacionais do PSOL analisa in loco a vitória de AMLO que feriu o regime e seus partidos tradicionais.

Israel Dutra 3 jul 2018, 22:16

Na segunda-feira, 2 de julho, enquanto escrevia essas linhas, o Brasil acabava de vencer a mexicana, com gols de Neymar e Firmino, encerrando a participação do México no Mundial. As ruas do centro histórico da capital mexicana lotadas, muitas bandeiras e camisetas por todo lado. O que chama atenção,no entanto, é que o semblante do povo é de felicidade e alívio. Isso só pode ser explicado por uma vitória de maior alcance, obtida poucas horas antes: o triunfo de Andres Manuel Lopez Obrador, como candidato por fora da casta, dos esquemas fraudulentos e dos métodos violentos.

A longa noite de festa foi precedida por uma tensa jornada eleitoral no domingo. Apenas na madrugada de sábado para domingo, se registraram 7 novos assassinatos no interior do país, em virtude de razões políticas. Acompanhei a votação no distrito de Gustavo A Madero, o segundo mais populoso do país, na região próxima aos cerros de Cualtepec. Pude ver a tensão no ar, com o uso da violência, onde os caciques locais do PRD controlam com mão de ferro, operadores e bandas paramilitares de lumpens e torcidas organizadas, parte da comunidade. Um pequeno postal da violência política que fez dessa a campanha mais sangrenta da historia. Segundo a ONG “ Democracia sem pobreza”, o voto foi “cotado” entre 500 e 10 mil pesos, dependendo da área onde havia oferta, o que equivale a cerca de 100 e 2230 reais.

A tensão do dia foi dissipada com os sintomas da confirmação da vitória. A ampla participação eleitoral, superando 63% do padrão de inscritos era a senha de que as massas utilizariam a cédula eleitoral para golpear o regime corrupto das castas do PRI-PAN-PRD. Na Capital federal, o índice de participação chegou a mais de 70%. Foi a derrota dos partidos que assinaram o “pacto pelo México”, em 2012, para votar o plano das reformas neoliberais.

Como nos dizeres da capa de La Jornada, edição de 2 de julho, AMLO “arrasou”. Segundo a metodología de contagem rápida do Instituto Nacional Eleitoral- os resultados oficiais começam a ser registrados na quarta, dia 4 de julho, AMLO teria entre 52,9% do total de votos validos. Morena venceu as eleiçõees presidenciais em 31 dos 32 estados. Dos nove estados com governos em disputa, saiu vencedor nos mais importantes e populosos: Chiapas, Tabasco, Veracruz, Cidade do México e Morelos. A nova conformação das cámaras é extremamente favorável. A coalizão encabeçada por Morena deve ficar com 69 cadeiras no Senado, contra 39 da frente PAN-PRD e apenas 20 do PRI e aliados. Na Câmara dos deputados, seriam 310 eleitos pela frente de Obrador, 129 do PAN-PRD, restando 61 para a aliança do PRI. Ou seja, AMLO terá quase dois terços do congresso de 500 deputados. Podemos falar num tsunami eleitoral.

Além da maior votação em trinta anos, AMLO deixou ferido de morte o regime e seus partidos tradicionais. O maior derrotado foi o PRI, do atual mandatário, Peña Nieto. Perdeu todos seus principais distritos, não venceu nenhum governo estadual e foi humilhado na própria base histórica de Pena Nieto, Atlacomulco, Estado do México. O outro que sai derrotado é o PRD, na sua aposta de girar a direita na coligação com o PAN. Perdeu seu bastião na Cidade do México, onde governava há duas décadas, com a vitória da estrela ascendente de Morena, Claudia Sheilbaum . Nas 16 prefeituras do Distrito Federal, Morena venceu em 11, arrasando por completo a base social e eleitoral do PRD.

A noite de domingo foi de amplos festejos no centro histórico. Alegria e entusiasmo. AMLO anunciou sua vitória numa conferencia de imprensa no hotel Hilton, em frente a Alameda, já tomada por milhares de simpatizantes. Entoavam cançõees revolucionarias, num encontro de gerações, recordando os 50 anos de 1968 e os desaparecidos políticos. Quando no telão montado, Pena Nieto discursou aceitando o resultado, após o presidente do INE divulgar os dados iniciais, o povo gritava “assassino” contra o presidente derrotado, contando até 43 em alusão aos jovens de Aytozinapa. Em seguida, Obrador se desloca ao Zocalo, onde caminhadas de diferentes regiões convergem, com centenas de milhares de pessoas, em marcha e transe nas principais ruas da cidade histórica, já em altas horas da noite. Foi notável a presença das bandeiras LGBT, de movimentos indígenas, da bronca contra os partidos dominantes e a recordação dos #43.

AMLO prometeu não frustar as expectativas, falou que se iniciava a “Quarta Grande Transformação”, da defesa dos imigrantes nos Estados Unidos, dos direitos; que abriria um dialogo especial com as comunidades indígenas e que colocaria como prioridade os aposentados e o aumento do salário. Contudo, do ponto de vista da gestão econômica, atuou para “tranquilizar os mercados”, afirmando que vai manter a independência do Banco Central e a disciplina fiscal.

O dia seguinte levanta novas condições da luta política no México. Será capaz de liquidar o regime apodrecido? Como enfrentar as relações com Estados Unidos? As duas grandes contradições aparecem no centro do debate nacional. Trump conversou longamente com AMLO, por telefone. Em entrevista a TV Azteca, o novo presidente mexicano afirmou que lutaria por relações “justas” com o governo Trump.

O governo será composto por um gabinete plural, como está sendo chamado, com metade de participantes mulheres; o núcleo econômico ficara de Alfonso Romo (chefe de Gabinete) e Carlos Urzua (ministro da Fazenda). Romo è consultor de mercados financeiros e Urzua, que já foi secretario de finanças da gestão de AMLO na Cidade do México, tem bom trânsito com o mercado e com representantes de bancos.

Por um lado AMLO libera uma energia enorme, a partir do tsunami de Morena, para que o movimento social possa exigir um programa de mudanças, através do cumprimento de plebiscitos e consultas para a revogação das medidas como as reformas e privatizações. Por outro lado, a pressão do mercado, das bolsas, sob o argumento da depreciação da moeda local vai exigir de sua equipe econômica, a manutenção do ajuste e da austeridade.

Para a esquerda radical os desafios são maiores do que sempre. Manter a independência política e organizativa diante de AMLO e Morena, sem perder o diálogo com o sentimento de mudança que empodera as massas mexicanas. Como expressou o dirigente da CRS- Coordenadora Socialista Revolucionaria, Jose Luiz Hernandez:

“Estamos diante de um novo ciclo político que abre novos e transcendentes caminhos para a esquerda : nem a critica ultra-esquerdista nem o seguidismo diante do novo governo são alternativa. Devemos construir um pólo de esquerda que, sem sectarismo, ofereça uma autêntica proposta alternativa de transição democrática e de ruptura com as políticas neoliberais”

Os rumos da situação política mexicana influenciam diretamente todo o continente. A tarefa da esquerda internacionalista é acompanhar com paixão o processo, abrindo diálogo para unificar as demandas democráticas junto às dezenas de milhões de mexicanos que vivem nos Estados Unidos. É uma oportunidade inédita de lutar com toda força contra os muros e fronteiras neoliberais.


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