As LGBTs podem derrotar Bolsonaro

Uma análise sobre a eleição de 2018, a vitória de Jair Bolsonaro e os desafios do movimento LGBT.

Eduardo Carniel e João Filho 21 nov 2018, 14:19

Em 2019 assumirá como presidente do Brasil o deputado assumidamente homofóbico, Jair Bolsonaro. Ele não vem sozinho. Junto a ele tem os governadores dos maiores estados brasileiros, diversos senadores, além de uma bancada parlamentar bastante robusta, sendo o ex-nanico PSL o segundo partido com maior representação na Câmara dos Deputados.

Muitas LGBTs foram tomadas pelo medo depois desse resultado eleitoral, e o desespero tomou conta do sentimento de boa parte das pessoas progressistas do país. Após esse baque, o esforço desse texto é tentar entender em que marcos esse resultado eleitoral se deu, e quais os desafios do movimento LGBT diante desse momento tão delicado.

É um pressuposto para entender o que levou Bolsonaro ao poder que o país vive hoje uma crise econômica, social e política de proporções grotescas. São mais de 14 milhões de trabalhadores e trabalhadoras desempregados, a CLT sendo rasgada a passos largos, além de um recrudescimento do discurso conservador dos políticos defensores das medidas de ajuste anti-povo ultraliberais.

Primeiramente é necessário frisar que esse não é um momento de ataque unilateral do andar de cima sobre o povo, o que complexifica a análise desse momento. No mesmo cenário onde setores reacionários da classe média tomaram as ruas pedindo o impeachment, ocorreram as multitudinárias manifestações feministas contra o ex presidente da Câmara e atual presidiário Eduardo Cunha. Nas mesmas escolas em que tentam aprovar o Escola Sem Partido e perseguir docentes, aconteceram as belíssimas e inspiradoras ocupações, que trouxeram política, arte, cultura e um profundo senso crítico contra a precarização da educação para a ordem do dia. No mesmo país onde se aprovou a reforma trabalhista, uma greve geral histórica impediu a aprovação da reforma da previdência. Portanto, não é errado afirmar que enquanto existe uma ofensiva ultraliberal comandada pelo FMI de desintegração da renda e do trabalho nos países periféricos, existe uma forte resistência, e de uma certa forma, uma ofensiva (em especial nas lutas democráticas antimachistas, antirracistas e anti-LGBTfobia) dos setores progressistas.

Diante disso, fica claro que existe um cenário intenso de deterioração da vida do povo e de radicalização da luta de classes. Esse cenário é a fratura exposta de um interregno que encerra um ciclo político que se iniciou com a constituição de 88 e a redemocratização, onde através de uma política contida ao centro, do presidencialismo de coalizão e de uma transição pacífica do regime militar, torturadores e torturados, opressores e oprimidos passaram a conviver pacificamente dentro dos limites democráticos do regime. Não à toa, os 13 anos de governo do maior partido que a classe trabalhadora organizada já fundou nesse país convivia, dentro de sua própria base parlamentar, com muitos dos conservadores que são linha de frente do governo do neofascista Jair Bolsonaro. Magno Malta, Marco Feliciano, Marcelo Crivella, Pastor Everaldo, e tantos outros já foram fiéis defensores, e inclusive ocuparam cargos no governo. O próprio Jair Bolsonaro foi, durante os 13 anos petistas, do PP, partido com maior número de investigações na Lava-Jato e base aliada dos governos petistas. Nitidamente essa era uma fórmula de regime fadada a implosão e ao fracasso.

Pensando no movimento LGBT, ele teve um caminhar que acompanha a história da redemocratização do país. O movimento que começou radicalizado na década de 70, na resistência à ditadura militar, sofreu uma mudança drástica depois da epidemia de HIV-Aids entre as décadas de 80 e 90. Ocorreu uma grande desmobilização dos movimentos homossexuais no país, além de uma intensa relação entre os movimentos organizados com as estruturas do Estado. Um formato institucional, ligada a ONGs financiadas por programas estatais e de aproximação com o mercado marca o modus operandi do movimento LGBT na Nova República. De uma certa forma não é errado afirmar que o movimento LGBT também se absorveu pela lógica de dependência de um Estado que absorvia dentro de si interesses contraditórios entre progressistas e conservadores, e que, com a desintegração completa desse modelo de regime que a eleição deste ano representa, o movimento LGBT enfrentará um impasse e tem um futuro que não é possível delinear com nitidez.

Se o governo Bolsonaro (e seus aliados nos estados como Witzel, Dória, Zema, etc) representa a união de um ultraliberalismo criminoso no campo econômico com um conservadorismo brutal no campo dos costumes, é nítido que os programas governamentais que ligavam umbilicalmente as Estruturas do Estado ao movimento LGBT serão parte dos primeiros cortes do novo governo, impedindo que a organização do movimento se mantenha como no passado. Também é possível que o novo governo, para agradar o eleitorado conservador, adote medidas populistas de retrocessos nos direitos civis básicos (e insuficientes) conquistado pelo movimento, desde o suporte do SUS na questão da HIV-Aids (que é referência mundial, atualmente) até retrocessos na garantia de casamento civil, nome social e direitos básicos da população T.

Nesse sentido o movimento LGBT precisa dar um salto de organização e radicalidade no próximo período. Essa necessidade se dá em dois aspectos: Um primeiro que é que os movimentos multitudinários do #EleNão, sob direção do movimento de mulheres mas com menção honrosa a LGBTs e negritude também na linha de frente, dão o tom de como deve ser a resistência ao governo Bolsonaro, e como é possível enfraquecê-lo, através de movimentações massivas dirigidas pelos setores oprimidos, alvos prioritários do neofascista e de seus seguidores. Em outros momentos na história do país em que o regime político fez uma transição autoritária, como após o golpe de 64, esse fechamento do regime veio acompanhado de episódios de derrota do movimento de massas e da classe trabalhadora organizada. Não é o caso na nossa década: não é menor que o principal movimento de rua no período das eleições foi o protesto do #EleNão, e não uma manifestação nacional convocada pelo lado de lá, unificada em torno de uma bandeira e uma data – como foi, por exemplo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade nos dias antes do golpe. Mesmo que Bolsonaro também tenha colocado gente na rua, a expressão política do dia 29 de novembro foi muito ressonante, principalmente por estar inserida dentro de uma jornada de lutas democráticas que, desde 2013, só vem se tornando mais radicalizadas e mais antirregime. Se foi por aí que o fenômeno Bolsonaro encontrou seus primeiros grandes obstáculos, não resta dúvida que o movimento LGBT, em conjunto com os outros setores, cresce em importância nos anos que se abrem com a eleição, pois podem ser a faísca de um processo bem mais amplo de resistência democrática. A ofensiva que vem acontecendo nos últimos anos que dão o recado que as mulheres não voltarão para a cozinha, as LGBTs não voltarão ao armário e tampouco a negritude voltará para a senzala, tem que continuar para impedir os retrocessos contra o povo brasileiro.

Já o segundo aspecto diz respeito à própria sobrevivência do movimento LGBT enquanto movimento organizado. É óbvio que o fervo é também é resistência e que o acolhimento é absolutamente necessário, mas se o movimento LGBT brasileiro continuar a se resumir basicamente entre festas e espaços exclusivos a nós mesmos, para socializarmos nossa própria depressão, Bolsonaro e seus apoiadores passarão como um rolo compressor sobre nós. Radicalizar a luta LGBT nesse momento não é apenas uma vontade, mas sim uma necessidade para que o movimento se mantenha vivo. Isso não significa ignorar que indivíduos e grupos fundamentalistas, LGBTfóbicos e fascistas podem se encorajar com esse presidente eleito a cometer atos de violência contra nós – já estamos vendo casos assim, inclusive. Mas se existe uma radicalização da violência física, nosso papel é responder com uma radicalização da violência política. Nunca na história recente um presidente foi eleito tendo dado tantas demonstrações de que não tolerava LGBTs. Ao mesmo tempo que isso assusta, deixa claro: ele é nosso inimigo, não merece um centímetro da nossa confiança, e não terá paz até sair do cargo. Radicalizar a violência política significa não retroceder – e inclusive, avançar – na inserção da nossa luta. É estar em todos os espaços, nas escolas, universidades, bairros e locais de trabalho, colocando a importância da organização das LGBTs. É levar nossas pautas para a rua, para a mídia, para as redes, e disputar a narrativa para o nosso lado. E é não retroceder no nosso programa e nas reivindicações históricas do movimento LGBT brasileiro, que mesmo antes do governo Bolsonaro já fazia muita luta, e exigia a dignidade que nos foi negada. Isso pode ser posto em prática desde já, pela luta contra o Escola Sem Partido, que ao negar debates de gênero e sexualidade nas escolas coloca em risco a vida e o futuro de jovens LGBTs, e que vem se impondo mais uma vez com a antecipação da votação no Congresso e as campanhas de coação a professores.

É preciso transformar o medo que tomou conta de nós, na mais profunda raiva contra cada gota de sangue LGBT derramada nesse país. Transformar o medo em ódio contra cada LGBT expulsa de casa, ou fora do mercado de trabalho por conta do preconceito. Se na década de 60 foi necessário uma rebelião como Stonewall para derrotar a ofensiva Macarthista sobre a população LGBT nos EUA, que façamos centenas de Stonewalls pelo país para mostrar aos neofascistas brasileiros que as LGBTs existem, resistem e serão parte fundamental da construção de uma sociedade sem nenhum tipo de opressão. Ninguém solta a mão de ninguém até que nenhuma de nós seja mais violentada, oprimida ou explorada.


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