Medidas de Moro só agravam corrupção e violência

As medidas anti-crime apresentadas por Sérgio Moro não são capazes de enfrentar o problema da violência e a corrupção. Qualquer iniciativa nesse sentido deveria começar pelo próprio governo, que possui integrantes condenados ou com relações estreitas com o crime organizado.

Sâmia Bomfim 4 fev 2019, 18:31

O Ministro da Justiça Sérgio Moro anunciou um pacote de alterações do Código Penal brasileiro para supostamente combater organizações criminosas e crimes de corrupção. O problema é de fato grave e exige medidas urgentes que ao mesmo tempo deem conta da sua complexidade. As facções criminosas e milícias crescem em poder econômico, militar e político a uma velocidade preocupante, submetendo populações inteiras à exploração e violência além de ameaçarem substancialmente o regime democrático, como ficou demonstrado no assassinato da vereadora do PSOL do Rio de Janeiro, Marielle Franco. Ao mesmo tempo, as articulações entre grandes empresas e partidos políticos corruptos não apenas drenam os recursos públicos como submetem todo o planejamento do Estado a interesses privados. Entretanto, as medidas de Moro podem, ao invés de solucionar estes problemas, agravá-los.

Primeiramente, não se pode confiar no real compromisso do governo Bolsonaro em enfrentar corrupção e organizações criminosas, afinal, cada vez mais o governo se mostra corrupto e violento. Se Moro agora defende endurecer a pena por crime de caixa 2, há que se lembrar de que semanas atrás ele mesmo disse perdoar o Ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido caixa 2 da JBS. Além disso, a própria campanha eleitoral do presidente pode ter recebido recursos irregulares para espalhar notícias falsas via whatsapp, como apurou a Folha de S. Paulo. O mesmo pode se dizer em relação ao envolvimento do governo com milícias. Como revelado recentemente pela imprensa, o filho do presidente e atualmente senador pelo Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro, homenageou, concedeu honrarias e empregou parentes e amigos de milicianos. Um dos grupos agraciados pelo senador foi o “Escritório do Crime”, um dos suspeitos de executar Marielle. Inclusive, talvez isso explique porque Bolsonaro foi o único dentre os presidenciáveis a não lamentar a morte da vereadora…

Em segundo lugar, como atesta a nota oficial do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o projeto de Moro foi realizado sem qualquer consulta aos órgãos especializados no estudo do tema existentes no Brasil. Também não está no pacote apresentado pelo ministro qualquer menção, por exemplo, ao fim do foro privilegiado, medida que atacaria em cheio a impunidade dos criminosos de colarinho branco. Dessa forma, o projeto carece de fundamento técnico e promete saídas “simples” a um problema extremamente complexo. Via de regra, o projeto fundamenta-se no senso comum de que para combater o crime basta enrijecer a pena, o que não é verdade como atestam todas as experiências nacionais e internacionais.

Passemos então ao exame de alguns pontos do projeto em si. Em primeiro lugar, ele aumenta a impunidade para o crime de homicídio. A intenção declarada do governo é ampliar o “excludente de ilicitude”, ou seja, permitir execução sumário de suspeitos por parte de policiais sem que estes precisem se preocupar com eventual punição. Se a proposta parasse por aí, já seria problema suficiente. O Brasil tem a polícia mais letal do mundo, tornando a própria força de segurança parte do problema de violência. Além disso, a doutrina do uso progressivo da força é prejudicial aos próprios policiais pois precipita as situações de conflito, o que acarreta no fato de que a polícia brasileira é também a que mais sofre com homicídios no mundo. Entretanto, o risco apresentado pelo projeto de Moro é ainda maior. A mudança prevista para o parágrafo 2º do artigo 23, que trata da legítima defesa de todas as pessoas, afirma que “o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.” Nota-se, logo de cara, a subjetividade dos termos (“violenta emoção”, surpresa”, “medo”), o que é absurdamente perigoso quando se trata do julgamento de pessoas que cometeram homicídio. Além disso, cumpre sublinhar que este artigo trata de toda a população – sejam policiais ou não. Ou seja, alguém que cometa feminicídio poderá ser absolvido caso o juiz considere que o homicida estava tomado por “violenta emoção”. O sujeito que mata durante uma discussão no trânsito poderá se ver livre da condenação caso seja considerado que ele estava tomado por “medo” ou “surpresa”.

Em segundo lugar, o projeto prevê aumento do encarceramento em massa ao facilitar a prisão de suspeitos e condenados em primeira instância. O Brasil possui a segunda maior população carcerária do mundo. No Rio de Janeiro, por exemplo, a população carcerária supera em 179% a capacidade dos presídios. Não há um especialista em segurança pública sequer que não concorde que isto só favorece a formação de organizações criminosas. A superlotação de presídios foi a principal motivação para a criação de grupos como o PCC, assim como a realidade infernal dos presídios garante o recrutamento de novos membros.

Há uma série de medidas de combate a organizações criminosas de eficácia cientificamente embasada que defendemos em nosso programa de segurança pública. Entretanto, mais do que medidas técnicas, a solução do problema passa pelo compromisso político de enfrentamento, e não colaboração ou mesmo pertencimento, a essas organizações. Antes de praguejar populismo penal, o governo deveria esclarecer o esquema de nomeações de assessores laranjas envolvendo Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz. Ou ainda, poderia descarregar toda a sua sanha punitiva sobre o Ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, acusado de criar candidaturas laranjas para captar recursos públicos para empresas associadas a ele. Poderia também “dar o exemplo”, num contexto em que estamos todos estarrecidos pela tragédia de Brumadinho, no caso do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, condenado pela Justiça de São Paulo por adulterar mapas ambientais para favorecer mineradoras. Isso posto, o pacote de Moro não passa de uma síntese do governo Bolsonaro: demagogia punitivista, ataques a direitos fundamentais e presepadas técnicas.


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