O teatro de operações indo-pacífico

No plano militar, os oceanos Índico e Pacífico se tornaram o eixo do duelo hegemônico mundial entre Estados Unidos e China.

Pierre Rousset 29 jul 2019, 14:52

No plano militar, os oceanos Índico e Pacífico se tornaram o eixo do duelo hegemônico mundial entre Estados Unidos e China, até o ponto de que o Pentágono o converteu num teatro de operações unificado para se opor melhor à ascensão potencial das forças armadas chinesas. O que está em jogo é enorme.

Donald Trump fez o que Barack Obama queria mas não chegou a conseguir, ao ficar preso na crise do Oriente Médio: reforçar qualitativamente a presença da VII Frota, sobretudo no Pacífico ocidental. Em 2020, dois terços da US Navy deveriam estar situadas na Ásia-Pacífico, quando antes a metade se encontrava no Atlântico. Simultaneamente, Washington quer integrar mais estreitamente numa frente comum antichinesa Japão, Índia, Austrália… A França de Macron ambiciona entrar neste jogo ocidental, apesar da debilidade de seus meios, invocando suas posses insulares (e as amplas zonas econômicas exclusivas que vão associadas).

Mudança da doutrina militar chinesa

Xi Jinping, por seu lado, modificou radicalmente a doutrina militar chinesa. Sob Mao mantinha uma perspectiva defensiva e local: opor a guerra popular a um eventual invasor, assegurar suas reivindicações fronteiriças (Himalaia, Sibéria, Taiwan…). O exército terrestre constituía o coração desta política. Adiante se situa numa política de grande potência mundial: proteger suas linhas de comunicação, consolidar sua expansão econômica, impor seu domínio… Esta ambição corresponde à força naval.

O exército terrestre monopolizava ontem cerca de 70% dos efetivos militares (por volta de dois milhões no total), menos de 50% hoje, enquanto os efetivos da marinha se triplicaram. Pequim quer dotar-se dos meios de controlar os oceanos e o céu. Os gastos militares cresceram 83% entre 2009 e 2018, com resultados provavelmente sem precedentes num intervalo de tempo tão curto para um grande país. China só possuía um porta-aviões de fabricação soviética, já tem três e logo provavelmente cinco. Não tinha nenhum superdestroier, hoje já lançou quatro…

As forças chinesas têm suas debilidades. Um armamento nuclear por modernizar. Submarinos estratégicos bastante “ruidosos”. Pouca experiência em matéria de lançamento massivo de corpos de exército e de coordenação entre diversos serviços. Ainda menos experiência de fogo, de guerras reais. Uma cadeia de comando inadaptada, quando, ante a eventualidade de uma ruptura de comunicações, requer uma grande capacidade de autodecisão num teatro de operações. Neste terreno, Pequim decidiu calcar o dispositivo estadunidense, ainda que esta descentralização operativa pode entrar em conflito com a concepção hipercentralizada do poder própria de Xi Jinping.

Relançamento da corrida de armamentos

No plano geoestratégico, Washington se apoia em três linhas de ilhas para contrarrestar o lançamento chinês. A primeira rodeia o Mar da China, da Península coreana à Península indochinesa passando por Japão, Filipinas, o Arquipélago indonésio. A segunda tem como eixo Guam e sua base naval, na  Micronésia (Pacífico ocidental), que deveria proteger Hawai, sede da frota estadunidense do Pacífico. A terceira está situada no Pacífico sul.

O conflito do Mar da China (um apelo internacional rechaçada pelos países ribeirinhos) se saldou com um compromisso temporal. Pequim militarizou em seu benefício o mar da China do Sul, ainda devendo cessar suas incursões militares nos acessos do Japão e Coreia (ainda que possam reaparecer mais ao Norte, ao longo da Sibéria, com apoio russo). Xi Jinping lançou a construção de “corredores” via Bangladesh e Malásia, assim como através do Paquistão, que lhe permitem acessar diretamente ao Oceano Índico. Sua marinha de alto-mar navega já até o Pacífico Sul onde se desencadeia a competição por assinar acordos militares-econômicos com os Estados insulares. Beneficia-se, além disso, de uma base em Djibouti, no Chifre da África, multiplica as manobras no oceano Índico e interveio no Iêmen para repatriar seus cidadãos.

Outra faceta da competição, o desenvolvimento de armas novas, já fabricadas ou provadas: mísseis de precisão e de longo alcance terra-mar, mar-mar, antissatélites, aparatos hipersônicos (até Mach 20… a Rússia também está na cabeça neste terreno); novo avião furtivo; avião-cargueiro sem piloto; supercanhões utilizando a potência eletromagnética… O lançamento de tais armas poderia ameaçar desde longe as frotas aeronáuticas, mudando as vigentes regras da guerra. De fato, o conflito Estados Unidos-China na Ásia-Pacífico relançou a corrida de armamentos no mundo inteiro.

Conflitos por delegação

Nem China nem Estados Unidos querem se envolver numa guerra frontal – embora não se possa ignorar o risco de “derrapagem” no mar da China do Sul e em torno de Taiwan. Entretanto, conflitos por delegação estão dentro da lógica das coisas. Ocorreu no caso de Coreia (e poderia voltar a ocorrer). É atualmente o caso (em forma política) de Sri Lanka, uma ilha cuja posição estratégica é crucial, na ponta sul da Índia, e onde Pequim obteve a concessão britânica por 99 anos!). Onde poderia nascer tal conflito por delegação sob forma militar? É difícil prever.

A particularidade do teatro de operações indo-pacífico é que se opõem, como em nenhum outro lugar, a primeira e a segunda potência militares (e com Rússia capaz de tocar sua partitura graças à sua presença siberiana e a sua frota de submarinos estratégicos). Mais que em nenhuma outra parte, a geografia política, econômica, tecnológica e militar do conflito Estados Unidos-China poderia sobrepor-se com o horizonte de uma possível balcanização de um mercado mundializado. Aqui as lógicas de guerra tomam mais diretamente uma dimensão mundial.

Contra as guerras e o militarismo

As guerras que levam a cabo as grandes potências não têm como objetivo, como nos é dito, lutar contra o terrorismo e ainda menos aliviar os povos da miséria ou livrá-las das ditaduras que os oprimem.

São guerras levadas a cabo para continuar saqueando os recursos naturais destes países, perpetuando a relação colonialista imposta, em particular pela França, aos povos da África e do Oriente Médio. Para as principais potências imperialistas, trata-se de defender ou estender suas “zonas de influência”… e seus interesses econômicos.

Guerras, miséria e cumplicidades europeias

Longe de impedir o desenvolvimento do terrorismo, as guerras das duas últimas décadas engendram isso, empurrando muitos jovens, dos quais a miséria criada pela exploração das riquezas de seus países e pelos bombardeios retiram toda a esperança, para os senhores da guerra ou de seitas religiosas.

O caos líbio não era uma fatalidade. Enquanto o povo se levantava em 2011 para derrubar a ditadura de Kadhafi, a intervenção militar da França e seus aliados favoreceu a todos os grupos confessionais/tribais aos quais se enfrentam hoje, contribuindo para despossuir o povo líbio de sua rebelião.

Na Síria, as grandes potências deixaram Assad massacrar seu povo para frear a revolta que nascia depois dos levantes da Tunísia e Egito. A destruição de Aleppo, o massacre da população pelos exércitos de Assad e da Rússia se produziram em meio do silêncio das “democracias” americana e europeias, desejosas de conservar o aparato repressivo sírio e as boas relações futuras.

A Arábia Saudita que bombardeia o Iêmen, junto com Israel, o principal relevo dos países ocidentais na região. Este amigo dos Estados Unidos, da União Europeia e da França é também a ditadura mais reacionária do Oriente Médio, berço e grande tesoureiro de todas as correntes do integrismo islâmico.

O presidente turco, Erdogan, por sua vez se aproveitou de sua aliança com as potências ocidentais, pretensamente contra DAESH, para retomar sua guerra contra a população curda da Turquia e o PKK, para reprimir todos os movimentos de esquerda, os jornalistas, os militantes operários, etc. França assegurou um apoio regular reprimindo os movimentos e militantes curdos, vários deles assassinados na França com total impunidade.

Acabar com o militarismo

E apesar de tudo, é preciso constatar que a unanimidade se impõe entre as forças políticas institucionais na França. Defesa dos “interesses franceses”, dos grupos industriais, dos empregos gerados pela indústria de armamento: qualquer argumento é bom para não destacar as responsabilidades, diretas ou indiretas, da França nos conflitos militares.

Ainda que às vezes com as posturas mais contraditórias, como a de Jean-Luc-Melenchon e a FI que, ao mesmo tempo que denunciam as exportações de armas para a Arábia Saudita, não deixam de louvar a boa saúde do complexo militar-industrial francês. Em 25 de outubro de 2018, Jean-Luc Mélenchon se referia assim, em Bourget, no salão Euronaval, “reunião mundial das tecnologias navais do futuro”, com este comentário no Twitter, apoiado em fotos: “Visita aos stands de Thalès, MBDA, Naval Group, Ministério do Exército e Navire des métiers. Francia deve se dotar dos meios para assegurar sua soberania em seu território marítimo, o segundo mais extenso do mundo”. Miséria do “patriotismo”…

Ao contrário do que toda apologia das indústrias de armamento francesas, que toda lógica “bloco contra bloco” e que todo chauvinismo, é urgente assumir consignas que defendam uma perspectiva de desarmamento e de desmilitarização. Isso começa por deter as exportações de engenhos mortíferos franceses e, mais além, o desmantelamento do complexo militar-industrial, com uma reconversão industrial que poderia se orientar para o terreno da transição energética (trens, metros, ferrovias, energias renováveis…).

Isto é, uma política de desarmamento unilateral e geral, que implica também a destruição da força de dissuasão nuclear francesa e, no plano político, o rechaço de qualquer “exército europeu”, a saída da OTAN, o fim da Françaafrique e, mais geral, a detenção de todas as intervenções militares francesas no estrangeiro.

Reprodução da tradução realizada pelo Portal da Esquerda em Movimento.

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