O debate ao redor da teoria monetária moderna é apaixonante

Economista trata dos pontos de debate levantados pela MMT.

Patrick Artus 28 ago 2019, 11:46

A teoria convencional da política econômica nos diz que a política monetária deve manter a inflação ao redor da meta de inflação dos bancos centrais e que a política orçamentária deve contribuir à manutenção do pleno-emprego, mas respeitando a solvabilidade orçamentária do Estado.  Essa teoria implica que pode ser por vezes impossível garantir o pleno-emprego se a inflação for superior à meta de inflação ou se a restrição da solvabilidade limitar o déficit público.

Mas essa análise tradicional é hoje contradita por uma nova abordagem, a teoria monetária moderna (modern monetary theory, ou MMT), objeto de debates vivíssimos nos Estados Unidos.  Ela é defendida, em particular, por Stephanie Kelton, que foi uma das conselheiras econômicas de Bernie Sanders (How We Think About The Deficit is Mostly Wrong, New York Times, 5 de outubro de 2017; Paul Krugman Asked Me About Modern Monetary Theory. Here Are 4 Answers , Bloomberg Opinion, 1 de março de 2019).

A ideia é a seguinte: o déficit publico deve ser posto a todo momento num nível que garanta o pleno-emprego e esse déficit deve ser financiado pela criação monetária, o que evitaria o aumento das taxas de juros (o que é usualmente chamado de “efeito de evicção” ligado aos déficits públicos). Essa teoria foi fortemente criticada por economistas reconhecidos, em particular Paul Krugman e Larry Summers (The Left’s Embrace Of Modern Monetary Theory Is a Recipe For Disaster, The Washington Post, 4 de março de 2019), e economistas de esquerda que pensam que é necessário em primeiro lugar apoiar a demanda. Seu argumento é que o déficit público vai conduzir à hiperinflação se houver criação monetária ilimitada e, consequentemente, à depreciação da taxa de câmbio e à inflação importada.

Fragilidade da inflação

A MMT é um capricho de economistas de segunda ordem, ou, ao contrário, é possível tirar dela uma reflexão séria? Seus partidários replicam que, se a inflação reaparecesse seria o sinal que o pleno-emprego foi atingido e que se poderia, então, frear a criação monetária; ou então que as taxas de juros não podem voltar a subir em um contexto de criação monetária.

Seu ponto de partida é, em todo caso, a constatação da fragilidade da inflação, mesmo a pleno-emprego, em razão essencialmente do novo funcionamento dos mercados de trabalho. Se observa por exemplo nos Estados Unidos que, mesmo sob pleno-emprego, os assalariados não deixam suas empresas para obter um salário maior em outro lugar, o que era tradicionalmente a principal causa da inflação. O fenômeno é atribuído ao conluio implícito (e em alguns casos explícito) entre empresas para não tentar mais atrair os assalariados de outras sociedades.

Se não há mais inflação por razões estruturais, então a política monetária pode continuar expansionista, como sugere a MMT, para financiar um déficit público muito importante sem correr o risco de um retorno à inflação e um aumento das taxas de juros. É, aliás, o caso do Japão, que está em pleno-emprego graças a uma política orçamentária continuamente expansionista (a dívida pública atinge 230% do PIB, o balanço do Banco do Japão atingiu um ano de PIB), mas onde a inflação é quase nula, e as taxas de juros, tanto a curto como a longo termo, nulas. Isso não conduziu, até o momento, a saídas massivas de capitais, nem a uma forte depreciação da taxa de câmbio do iene.

Riscos de instabilidade financeira

De todo modo, para que a MMT seja convincente, é preciso que ela responda a outras críticas do que aquelas de Krugman e Summers. Se um déficit público contínuo é financiado pela criação monetária contínua que permite manter as taxas de juros muito baixas, riscos de alocação ineficiente da poupança e de instabilidade financeira podem, com efeito, aparecer.

A poupança das famílias e das empresas deve ser canalizada em direção ao financiamento dos déficits públicos, e então em direção ao financiamento das despesas possivelmente menos eficazes, daí um enfraquecimento da produtividade e do crescimento. Apenas se o Estado realizasse investimentos produtivos de grande amplitude (transição energética, construção de indústrias estratégicas novas) que essa armadilha poderia ser evitada.

Aliás, em um regime econômico de pleno-emprego e de baixas taxas de juros, a aversão ao risco se torna baixa, e todas as condições da instabilidade financeira se reúnem: excesso de endividamento do setor privado, bolhas sobre os preços dos ativos (ações, mercado imobiliário), esmagamento dos prêmios de risco abaixo do nível de risco real. Nem a política orçamentária (formatada para garantir o pleno-emprego) nem a política monetária (utilizada para monetizar os déficits públicos) podem ser utilizadas para reestabelecer a estabilidade, restam apenas as políticas macroprudenciais para evitar o crescimento do endividamento ou dos preços dos ativos: ajuste dos índices de balanço dos bancos, limitação das quantidades emprestadas. Resta saber se as politicas macroprudenciais, ativamente utilizadas hoje em qualquer país (China, Suíça, Canadá) são realmente eficazes.

Finalmente, os partidários da MMT inventaram, como os culpam seus detratores, um almoço grátis que permite manter o pleno-emprego sem nenhum custo? Em um mundo onde a inflação não parece ser mais uma ameaça, o debate ao redor da teoria monetária moderna é em todo caso apaixonante.

Artigo originalmente publicado no Le Monde. Tradução da Revista Movimento.

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