Nicarágua: a “normalidade” da repressão

O regime tenta difundir a imagem de paz e ordem quando há, na realidade, enorme repressão.

Matthias Schindler 7 out 2019, 13:45

No fim de semana de 21 e 22 de setembro de 2019, as pessoas saíram outra vez para fazer “manifestações express” dentro de igrejas, bem como nas ruas, em várias partes da Nicarágua. Os vídeos distribuídos por redes sociais na internet sugerem que houve uma maior participação e que mostraram menos medo das forças policiais do que nas semanas e meses anteriores. O regime Ortega tenta difundir internacionalmente a imagem de paz e ordem na Nicarágua sob o nome de “normalidade”. Na realidade, há uma repressão quotidiana a todos os níveis da vida social, que nem sempre é claramente visível fora do país. Em segundo plano, ainda existem unidades paramilitares altamente armadas e treinadas que se dispõem a seguir incondicionalmente as ordens de Ortega.

A 3 de setembro de 2019, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, publicou o seu relatório sobre a situação dos direitos humanos na Nicarágua entre agosto de 2018 e julho de 2019. Na parte principal analisa a situação dos direitos humanos e conclui com recomendações concretas ao governo da Nicarágua, para chegar a uma solução pacífica e democrática para a atual crise político-social.

O ponto de partida da crise foram os protestos pacíficos contra cortes de pensões que começaram em abril de 2018 e foram severamente reprimidos pela polícia e outras forças armadas pró-governamentais causando mais que 40 mortos no espaço de somente 5 dias. Estas vítimas provocaram um movimento espontâneo de massas amplamente pacífico que exigiu o fim do regime do presidente Ortega. Até ao final do ano, mais de 300 pessoas morreram e mais de 2.000 ficaram feridas e mais de 80.000 foram forçadas a procurar segurança no exterior do país por razão da repressão estatal.

Sob forte pressão política internacional, o governo da Nicarágua reabriu um diálogo com a oposição, representada pela Alianza Cívica por la Justicia y la Democracia em março de 2019, aprovando que os presos políticos deveriam ser libertados e os direitos democráticos básicos garantidos ao povo. Como resultado, 492 prisioneiros puderam sair das prisões.

Mas essas libertações ocorreram sob as condições de uma lei que, por um lado, ameaçava os ex-presos políticos a retomar os processos criminais iniciados contra eles se participassem em manifestações críticas ao governo e, por outro lado, protegia todas as forças policiais e paramilitares que tinham participado nas medidas repressivas e inclusivamente mortais, contra qualquer processo jurídico futuro.

Além disso, de acordo com o relatório, os direitos constitucionais democráticos nunca foram respeitados pelo governo:

– O direito fundamental à reunião pacífica foi massivamente violado pelo uso desproporcional da força pela polícia e outras formações armadas afiliadas ao governo. Assim, até o cantar publicamente o hino nacional da Nicarágua ou a exibição pública da bandeira nacional foram suprimidos pela polícia.

– O direito à liberdade de expressão e à formação de associações foi amplamente anulado pelo governo. Os jornalistas da imprensa independente ou ativistas das organizações de direitos humanos são vítimas de difamações, ameaças, criminalização, ataques físicos e detenções. Canais e programas de televisão, associações da sociedade civil e organizações de direitos humanos foram ocupados e fechados sem ordem judicial.

– As liberdades individuais das pessoas foram profundamente violadas por detenções arbitrárias e ilegais.

– Aos presos políticos foi negado o direito a condições humanitárias da prisão e à proteção contra tortura. Foram vítimas das piores condições de higiene, humilhação, violência sexual, tortura física e psicológica, foram roubados, feridos por armas de fogo – em um caso até mortal – e os seus familiares foram discriminados e ameaçados.

– Os acusados foram privados do direito a um julgamento justo.

– Vítimas da violência estatal – os sobreviventes e as vítimas mortas – não tiveram a oportunidade de exercer seu direito de apelar por essas medidas repressivas, reivindicar o seu direito a indenização e exercer o direito a punição dos autores destes crimes.

Todas essas condições são agravadas pelo facto de a jurisdição da Nicarágua não ter independência nenhuma do governo Ortega.

Nesta situação, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recomenda ao governo da Nicarágua:

  • – retomar o diálogo com a oposição imediatamente;
  • – garantir os direitos democráticos para todas as secções da sociedade;
  • – legalizar imediatamente a imprensa e as organizações da sociedade civil ilegalizadas;
  • – estabelecer um processo de esclarecimento da verdade que investigue e puna as violações graves dos direitos humanos (violência sexual, tortura, execuções), que reforme profundamente o sistema judicial, que assegure a participação das vítimas da repressão nestes processos, e que renove fundamentalmente o aparelho de segurança do Estado, em que é particularmente importante desarmar e dissolver os grupos paramilitares;
  • – instalar os procedimentos constitucionais de um Estado de direito em todos os níveis da sociedade;
  • – realizar uma reforma eleitoral que permita a realização de eleições limpas e transparentes.

O Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU oferece a sua cooperação e assistência ao governo da Nicarágua na implementação destas medidas.

Mas até ao momento, não há indicação nenhuma de que o presidente Ortega esteja disposto a implementar essas recomendações. A 14 de setembro, o governo até proibiu a entrada de uma delegação de alto nível da OEA (Organização dos Estados Americanos), da qual a Nicarágua é membro. Apesar das tentativas de difundir a imagem de “normalidade” na Nicarágua, o regime de Ortega continua a apostar na repressão e na confrontação.


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