George Floyd deixou de respirar, mas o mundo respira por ele

Primeiras impressões sobre a mudança na situação mundial

Pedro Fuentes 8 jun 2020, 19:11

1 – Há uma mudança na situação mundial. Uma mudança que está em aberto, porém é uma mudança. Deu-se um salto de quantidade à qualidade. A faísca foi o assassinato de George Floyd, no entanto a revolta se estendeu de maneira generalizada nos EUA e, neste final de semana, por todo o mundo. Que haja nos EUA e no mundo mobilizações de mais de dez mil pessoas em meio a uma pandemia é um fato fundamental para explicar esta mudança.

2 – Outra característica fundamental da atual situação é que a luta antirracista não se restringe à demanda pelo julgamento e condenação dos policiais assassinos, mas adquire um caráter antissistêmico, o qual se expressa tanto nos EUA quanto no mundo. Nos EUA, este caráter antissistêmico ganhou uma grande parte da população dos EUA na palavra-de-ordem que tem cada vez mais força: “Desfinanciar o aparato repressivo, reestruturar a policia, desmantelar a mesma policia e sua estrutura racista e investir em serviços sociais” (em Mineápolis, a mobilização parece que conquistou o desmantelamento da mesma). As massas avançam diretamente nessa direção.

As consignas também começam a se confrontar com Trump, inclusive pedindo sua renúncia. Nas manifestações de Boston, que é uma cidade democrata, com dez mil pessoas no domingo, havia gritos e faixas nesse sentido.

3 – Por que a dinâmica da situação é um trunfo, ainda que parcial e em aberto sobre Trump? Num primeiro momento, Trump apelou para um toque de recolher e um estado de sítio nos estados em que ocorriam os protestos. Ao mesmo tempo, mobilizou um forte aparato repressivo, aproveitando-se dos diversos saques, provocações e ações individualistas dos anarcos para tentar isolar as manifestações, algo parecido com o que se deu no Brasil em 2013 com os black blocs (Note-se que a polícia dos EUA é das mais direitistas e racistas do mundo: um aparelho de altíssimo poder de repressão e com sindicatos corporativos vinculados à extrema-direita americana). Apesar de sua presença numerosa (inclusive com pequenos tanques) e das prisões, o povo não se atemorizou.

A realidade foi distinta daquela planejada por Trump. As pessoas desafiaram a o toque de recolher e justo o estado de sítio ajudou a que as manifestações majoritariamente fossem mais concentradas e organizadas, rechaçando-se as iniciativas dos anarcos. Assim, conforme os protestos foram-se generalizando e se aproximando de mobilizações de massas, as ações individualistas foram minguando, até perto de desaparecer.

4 – Trump também buscou mobilizar o Exército, mas foi aí também derrotado. Os generais lhe disseram que não entrariam na jogada! Trump quis retratar os manifestantes como criminosos e terroristas, porém ninguém importante comprou sua ideia. Pode-se dizer que a maior parte dos setores políticos dominantes e os altos postos das Forças Armadas (reformados ou não), inclusive publicamente, rejeitaram a linha dura proposta por Trump para dissuadir os protestos. Logo, esta é uma derrota muito importante sofrida por Trump, ao não conseguir convencer a classe dominante de que era necessário levar adiante uma rígida repressão.

5 – Da mesma forma, Trump perdeu a batalha na opinião pública. As pesquisas mostram que a maioria da população apoia os protestos, posiciona-se contrariamente às medidas repressivas e desenvolve um sentimento de solidariedade, simpatizando ou participando das mobilizações.

6 – O caráter antissistêmico nos EUA, que se espalha pelo mundo, é que o racismo não significa apenas a discriminação a indivíduos negros ou a repressão ao movimento negro, mas significa também a opressão dos setores mais pobres da sociedade e, portanto, a exploração deles. Nos EUA e no mundo tem a ver não apenas com o movimento negro, mas também com uma nova atitude de respeito e solidariedade com os imigrantes, cujos contingentes em todo o mundo são imensas ondas de negros, latino-americanos, amarelos, indus, paquistaneses, árabes… que fogem da pobreza. O fato de que, nos EUA, os brancos somem-se às manifestações representa um significativa mudança nesses protestos. Antes, os brancos limitavam-se a solidarizar-se às lutas antirracistas. Desta vez, entretanto, os brancos participam lado a lado com os negros, indicando uma mudança qualitativa desse caráter antissistêmico da luta antirracista. O fato de que, do outro lado do Atlântico, os europeus se unam aos negros e aos imigrantes também segue neste sentido.

7 – Assim, temos vários elementos qualitativos (protestos de dez mil pessoas em meio a uma pandemia, demandas antissistêmicas, composição plural dos atos, etc.), no meio de uma situação de aguda crise sanitária, econômica, ecológica e também dos regimes e das representações políticas.

8 – Antes da pandemia, todos esses elementos estavam sendo preparados, vivíamos um ascenso global da magnitude ou até mesmo maior que o dos acontecimentos de 1968. Mas a realidade da pandemia e o isolamento, num primeiro momento, congelaram esses processos. Agora, os traços da situação anterior foram aprofundados e se expressaram num sentimento mundial. A luta antirracista e a defesa dos direitos dos imigrantes configuram também um sentimento coletivo de solidariedade de classe e com os oprimidos, que é fundamental para os nossos próximos passos.

Da crise pandêmica está abrindo-se uma nova situação e um processo de mudança na consciência ante a devastação econômica e ecológica provocada pelo modelo neoliberal. O mundo está mudando. Surge uma juventude que é quem mais se rebela diante da catástrofe. Olham para seu futuro e o veem ameaçado. Os jovens que foram e são vanguarda da luta ecológica, agora o são por uma sociedade diferente.

9 – Esse processo mundial carrega um internacionalismo solidário que está colocando novamente o internacionalismo e sua organização num patamar mais alto. Temos que responder a esta nova situação.

(A foto que ilustra esta publicação é do cerco que o movimento está fazendo da Casa Branca – manchada de sangue – de Donald Trump)


TV Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti

O PL da Uber é um ataque contra os trabalhadores!

O projeto de lei (PL) da Uber proposto pelo governo foi feito pelas empresas e não atende aos interesses dos trabalhadores de aplicativos. Contra os interesses das grandes plataformas, defendemos mais direitos e melhores salários!

Greve nas Universidades Federais

Confira o informe de Sandro Pimentel, coordenador nacional de educação da FASUBRA, sobre a deflagração da greve dos servidores das universidades e institutos federais.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 21 abr 2024

As lutas da educação e do MST indicam o caminho

As lutas em curso no país demonstram que fortalecer a classe trabalhadora é o único caminho para derrotar a extrema direita
As lutas da educação e do MST indicam o caminho
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 48
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão