Relaxar a quarentena em São Paulo: irresponsabilidade que matará milhares

A deputada estadual Mônica Seixas (PSOL-SP) critica a flexibilização da quarentena em São Paulo promovida pelo governador João Doria.

Mônica Seixas 2 jun 2020, 19:27

João Doria cometeu uma enorme irresponsabilidade ao permitir o relaxamento da quarentena em boa parte do estado de São Paulo a partir de 01/06. Desincentivar a quarentena justamente quando a pandemia chega perto do pico em São Paulo e em todo o país trará inúmeras mortes e fatalmente demandará medidas de isolamento social mais duras posteriormente.

Cabe lembrar, primeiramente, que Doria contradisse seus próprios discursos anteriores – como é o costume de um político que já é famoso pela volatilidade de suas afirmações. No dia 13/05, classificou o relaxamento da quarentena na Alemanha como medida “precipitada”. Uma semana depois, cogitou lockdown. Apenas mais uma semana depois, anunciava o relaxamento da quarentena no estado que governa. Doria também havia dito que só haveria flexibilização nas cidades que atingissem 55% de isolamento. Mas das 104 que passaram a poder fazer o relaxamento, só 2 cumpriram a meta na data em que o relaxamento foi divulgado: Ubatuba e São Sebastião. Presidente Prudente, por exemplo, que recebeu permissão para fazer a modalidade mais branda de quarentena, tinha apenas 39% de isolamento social. Isso porque 55% de isolamento já é bem menos do que a recomendação da OMS, que é entre 60% e 70%. Com o relaxamento da quarentena, é presumível que essas taxas de isolamento caiam ainda mais.

Ora, o que mudou em tão pouco tempo para que Doria revisse suas próprias considerações sobre a pandemia? “A curva foi achatada”, diz o governador. Entretanto, de acordo com nota técnica elaborada por pesquisadores da USP e pela organização “Ação Covid-19”, os próprios dados apresentados pelo governo, se analisados corretamente, apontam que houve crescimento da contaminação por Covid-19 no estado, e não diminuição. Mais ainda, o mesmo estudo aponta que o Brasil e o estado de São Paulo em particular estão entre as regiões do mundo em que a pandemia espalha-se com maior velocidade. Ou seja, o epicentro do coronavírus do mundo está abandonando as políticas para conter sua disseminação.

Isso sem falar que os dados sobre contaminação no Brasil não refletem a realidade. Apenas indivíduos sintomáticos graves são testados, mas não os assintomáticos ou sintomáticos leves. Sequer todos os profissionais de saúde do estado de São Paulo (setor da população mais suscetível a contaminar-se e transmitir o vírus) já foram testados. Ora, só há caso confirmado de coronavírus se houver teste, portanto, os dados sobre o avanço da doença no estado não são plenamente confiáveis. 

A testagem em massa é o principal requisito para se cogitar reabertura. Pois a Covid-19 é uma doença que se espalha rápido e de maneira silenciosa já que 80% do contaminados são assintomáticos. Dessa forma, é preciso que o governo garante condições de monitoramento constante da contaminação para pensar em relaxar a quarentena. Para se ter uma ideia de como nosso estado está distante dessa realidade, a “precipitada” Alemanha realiza cerca de 32 mil testes a cada 1 milhão de habitantes. Já o estado de São Paulo realizou cerca de 4400 a cada 1 milhão de habitantes. Se fosse um país, estaria em 121º lugar no ranking de testes, atrás de países como Equador e Iraque. O nosso maior problema é que não sabemos o tamanho do problema. Relaxar a quarentena nessas condições é como dirigir à beira de um precipício de olhos vendados.

Além disso, chamou a atenção dos pesquisadores que elaboraram o estudo mencionado anteriormente o fato de que o plano do governo apenas cita critérios adotados pela OMS  para considerar seguro o relaxamento da quarentena (como taxa de ocupação de leitos e velocidade de contaminação) mas não obedece a eles. Por exemplo, a OMS recomenda que o isolamento social só seja flexibilizado se houver diminuição no número de infectados por 3 semanas, redução no número de óbitos por 2 semanas, se a taxa de ocupação de leitos não subir em 2 semanas, etc. Nenhuma das regiões que vai flexibilizar a quarentena em São Paulo obedeceu a qualquer um desses critérios. Ou seja, critérios como curva de contaminação foram citados pelo governo apenas para transparecer responsabilidade, mas foram completamente ignorados. Para passar ainda mais impressão de que a decisão do governo obedecia a critérios científicos e objetivos, foram atribuídas “notas” que mediam a segurança de cada região para a abertura. Acontece que os critérios dessas notas foram simplesmente inventados pelo governo. 

Tomemos como referência a taxa de ocupação de leitos de UTI, talvez o mais importante dos dados já que indica a possibilidade ou não de colapso do sistema de saúde. No estado como um todo, no momento em que este texto é escrito a taxa de ocupação está em 70,4%. Na Grande São Paulo, está em 83,4%, mas no dia em que o relaxamento foi anunciado estava em quase 90%. Não é preciso que a lotação chegue a 100% para a situação seja considerada crítica e indique sobrecarga no hospital. Estes números podem variar muito de um dia para o outro e, para que médicos não tenham escolher entre quem respira com máquina e quem morre, a taxa não deve superar em hipótese alguma os 60%. 

É particularmente indignante a perspectiva de relaxamento da quarentena na capital. Por sua preponderância demográfica e econômica, circulam pela cidade pessoas que vêm e vão das diferentes regiões do estado. Dessa forma, a flexibilização na capital pode contribuir ainda mais para espalhar o Covid-19 pelas cidades do interior. Como apontou a Fundação Fiocruz, a contaminação por coronavírus não pode ser observada por regiões isoladamente, mas considerando as fronteiras e deslocamentos entre elas. O plano de Doria, ao contrário, considera as regiões do estado como ilhas. Como evitar que pessoas que vivem em regiões “vermelhas” (supostamente mais afetada pelo Covid-19) visitem regiões “amarelas” (teoricamente menos contaminadas) e levem para lá a contaminação?

Cabe lembrar também que isolamento social não é simplesmente uma decisão individual, mas um direito exercido por quem pode. Quando um shopping, por exemplo, é liberado para funcionar, visitá-lo é uma opção para os clientes mas não para os funcionários que ali trabalham. Entre eles haverá pessoas que precisarão encarar o transporte público mais cheio devido ao fim da quarentena, trabalhar e depois voltar para o convívio – em imóveis muitas vezes superlotados – com amigos e familiares dentre os quais poderá haver pertencentes ao grupo de risco. Se a intenção fosse preservar o sustento desses trabalhadores, melhor seria que o governo oferecesse auxílio emergencial estadual, crédito para micro e pequenos empresários, programa de reconversão industrial para reaquecer a indústria, dentre outras medidas que o nosso mandato e vários outros já propuseram que são melhores do que obrigar o trabalhador a arriscar sua vida e de sua família. Empresários usam a desculpa de “preservar a economia” para esconder seu desejo de explorar trabalhadores não importa em qual circunstância.

Portanto, decisão de liberação da quarentena obedeceu apenas ao critério da conveniência política e não ao da saúde pública. Doria cedeu à pressão de prefeitos candidatos a reeleição, bolsonaristas e empresários que querem obrigar seus empregados a arriscarem suas vidas e de suas famílias Uma decisão que custará caro e causará danos irreversíveis. De acordo com estudo da Imperial College de Londres, quando o isolamento social cresce em 50%, a contaminação por Covid-19 desacelera em 3 vezes, mas, quando o isolamento social cai em 50%, a contaminação cresce em 11 vezes. Ou seja, quando for atestado o fiasco da retomada das atividades – o que fatalmente ocorrerá – será preciso muito mais tempo de uma quarentena bem mais rigorosa para retornar ao patamar atual de contaminação. Portanto, a justificativa de que o relaxamento da quarentena visa “salvar a economia”, além de política e moralmente questionável, é tão simplesmente falacioso uma vez que os prejuízos econômicos a médio prazo podem ser maiores do que os da manutenção da quarentena. Mas, acima de tudo, há aquele fator que talvez seja o único absolutamente irreversível: a morte. Milhares irão morrer vítimas da irresponsabilidade e do oportunismo de Doria.


TV Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti

O PL da Uber é um ataque contra os trabalhadores!

O projeto de lei (PL) da Uber proposto pelo governo foi feito pelas empresas e não atende aos interesses dos trabalhadores de aplicativos. Contra os interesses das grandes plataformas, defendemos mais direitos e melhores salários!

Greve nas Universidades Federais

Confira o informe de Sandro Pimentel, coordenador nacional de educação da FASUBRA, sobre a deflagração da greve dos servidores das universidades e institutos federais.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 28 abr 2024

Educação: fazer um, dois, três tsunamis

As lutas da educação nos Estados Unidos e na Argentina são exemplares para o enfrentamento internacional contra a extrema direita no Brasil e no mundo
Educação: fazer um, dois, três tsunamis
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 48
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão