Os dez dias que abalaram Ponta Grossa e o Paraná

Os dez dias que abalaram Ponta Grossa e o Paraná

Dez dias da Ocupação Urbana da Frente Nacional de Luta (FNL) – Ericson J. Duarte em Ponta Grossa-PR.

“A História da sociedade até os nossos dias é a História da luta de classes”, Karl Marx

A combinação explosiva entre os efeitos da pandemia e crise social do capitalismo, transformaram a ocupação Ericson J. Duarte, um jovem negro e companheiro de luta do PSOL, vítima da Covid-19, obrigado a trabalhar durante o lockdown sem nenhum suporte sanitário, na maior dos últimos 100 anos. As pessoas não param de chegar e a narrativa é sempre a mesma: faltam condições para comer, pagar aluguel e sustentar a família. 

Em Ponta Grossa são mais de 23 mil famílias na fila da Prolar – Companhia de Habitação Municipal – que nos últimos 10 anos não teve nenhum projeto habitacional voltada as camadas populares da sociedade. A cidade se caracteriza por ser um paraíso da especulação imobiliária. São mais de 20 mil lotes vazios e mais de 12 mil casas construídas, sem ninguém morando. Só para se ter um parâmetro, o perímetro urbano de Ponta Grossa (mais de mil quilômetros quadrados) é mais que o dobro do perímetro urbano de Curitiba (417 quilometros quadrados) porém na capital moram 5 vezes mais habitantes (1.963.753). Isso só se explica pela combinação de políticos corruptos, especuladores, imobiliárias e um forte esquema de reserva de estoque de terras públicas e privadas, acarretando na escalada dos preços dos alimentos, combustível e aluguel aflorando o caos social. 

Após dez dias do início do processo de ocupação, ainda chegam famílias. Fazendo uma retrospectiva destes dias, relembramos o primeiro, quando éramos cerca de 30 famílias e tínhamos a pretensão de tomar uma quadra para acomodar estas pessoas. Em menos de duas horas do início da ocupação, já éramos mais de 60 famílias e duas quadras do terreno ocupadas. A noite então caiu, mas o trabalho não parou. Enquanto houve condições, os terrenos seguiram sendo marcados. 

Quando clareou o dia, pudemos enfim, dimensionar o que estava acontecendo. Todas as quadras a cima da rua que corta o loteamento estavam ocupadas e já se viam barracos por toda a parte. As famílias haviam trabalhado a noite toda. Nesse tempo, já tínhamos improvisado uma cozinha comunitária e já estávamos fornecendo alimento para as famílias. Uma fila se mantinha permanente próximo ao espaço comunitário! Tratava-se de mais famílias pedindo uma chance de construir sua moradia. 

Ao terceiro dia, já ocupávamos as áreas acima e abaixo da rua e todas as quadras. O cadastro de reserva já chegava a 300 famílias. Nesse momento notamos que ao fundo da ocupação, um grande lote com cercas brancas e muita braquiara destoava da paisagem. A demanda de famílias não parava de crescer, então na manhã do sexto dia, ocupamos também a braquiara. Em menos de 30 minutos já não tínhamos onde colocar mais família naquela área.

As famílias chegam até nós e contam a sua história na tentativa de justificar o merecimento do seu pedaço de chão. E desse jeito fomos conhecendo cada família, o que tem nos fortalecido a cada dia de luta na ocupação. Nos falta água, energia elétrica e banheiros, mas não nos tem faltado força, coragem e perseverança de lutar até o fim.

No oitavo dia chegamos a ter uma lista de espera de mais de 200 famílias. Foi então que decidimos ocupar novamente mais duas quadras que estavam prontas a espera de construção. Com 40 famílias marcamos e ocupamos aquele espaço vazio e ocioso que agora será o lar da Dona Sheila, pessoa amável, que com sua filha de 3 meses em um braço e a foice no outro, seguiu limpando o terreno, no breu que veio com a noite, sem medo de nada, aliás com medo de perder a única coisa que tinha agora, a esperança de ter sua casa. 

Nenhum dia desde que esse processo se iniciou foi fácil. Tivemos que lidar com problemas que nunca imaginávamos que teríamos que resolver. Mas aquela noite especialmente nos comoveu. Ver a dona Domingas, uma senhora de 70 anos aguardando demarcarem o seu lote ansiosamente, fez nossos corações baterem mais forte e nos mostrar que a vida só faz sentido lutando. A alegria nos olhos daquela mulher, que carregava uma enxada nas costas e meia dúzia de pedaços de madeira na mão, caminhando rumo a sua futura casa, arrancou lágrimas dos olhos dos companheiros que estavam ali presentes. Nosso sentimento era um misto de alegria de estar ali sendo parte do processo e indignação de ver mulheres grávidas, as vezes com crianças e idosos, se embrenhando na macega maior que elas, na calada da noite para ter o direito de sonhar com uma casa própria. A cada família que recebia um lote era um sentimento de alívio. 

Amanheceu o nono dia e pensamos no alivio que sentíamos, por que todos que nos procuraram estavam agora com seu pedaço de terra para viver. No dia 04 de dezembro, quando iniciamos este processo de ocupação, nossos corações batiam mais fortes com a dúvida, será que as famílias viriam? Será que teríamos capacidade orgânica e política de sustentar a ocupação?

Porém, ao longo dos dias, essas dúvidas deram lugar a certeza de que NÃO VAMOS PARAR enquanto houverem famílias chegando. Enquanto houverem latifúndios urbanos e rurais juntando mato, a FNL seguirá OCUPANDO!

Um verdadeiro exército, de antes anônimos, se levantou e se tornou uma força política inquebrantável. São mães, crianças, jovens, adultos e idosos. São trabalhadores e trabalhadoras que antes viviam na angustia de viverem na miséria. Mas que agora, ao levantarem a cabeça, perceberam que só a luta muda a vida! Nessa luta há espaço para mulheres, crianças, jovens, LGBTs, trabalhadores e “nuestros hermanos” latino americanos, como os venezuelanos e peruanos que já se encontram no acampamento.

         Chegamos ao décimo dia! Ao amanhecer e contemplar a comunidade que se ergueu nesse breve espaço de tempo, nos perguntamos: de onde todas estas pessoas vieram? Mas já sabemos a resposta. Elas vieram dos fundos de vales, da beira do esgoto, da rua, de todos os lugares que não oferecem uma esperança, que não oferecem uma vida digna. O que fizemos foi expor a pobreza que Ponta Grossa esconde na beira dos seus mais de 150 km de arroios urbanos por mais de séculos. 

        Chegamos até aqui com o sentimento de que a locomotiva da História está nos trilhos e vai seguir sua marcha rumo a luta, rumo a uma nova sociedade construída com a força, a esperança e o sangue de todos aqueles que são excluídos e marginalizados pelo capitalismo. Rumo ao socialismo!


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