Cúpula do Congresso articula projeto que pode beneficiar golpistas do 8 de janeiro
Alcolumbre e Hugo Motta negociam com STF redução de penas para condenados pelos atos golpistas; PSOL critica tentativa de afrouxar punições em nome da “moderação”
Foto: X/Reprodução
Em uma movimentação que acende o alerta sobre o risco de retrocessos no combate ao golpismo no Brasil, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), estão costurando, com o aval do Supremo Tribunal Federal (STF), um projeto de lei que pode resultar na redução das penas dos condenados pelos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
Segundo apuração da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, o plano visa aprovar uma nova legislação que reclassifique os crimes cometidos naquele dia e reduza as punições para parte dos envolvidos. A justificativa seria distinguir entre os “peões” arrastados pelos discursos golpistas e as figuras que de fato articularam a tentativa de ruptura institucional. Na prática, no entanto, a proposta abre espaço para que parte significativa dos condenados sejam beneficiados com penas mais brandas ou mesmo com progressão imediata ao regime semiaberto ou domiciliar.
Para a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL -SP), trata-se de uma manobra disfarçada de bom senso que, na verdade, enfraquece o recado que o Estado deveria dar contra tentativas de golpe.
“Dois anos depois, seguimos a luta contra a anistia e por responsabilização dos golpistas, terroristas, financiadores e mentores. Pela prisão imediata de Bolsonaro”, defende Sâmia.
A proposta, que deve ser apresentada em maio por Alcolumbre no Senado, é vendida como uma “alternativa” à anistia – essa, sim, rechaçada abertamente por setores do próprio Judiciário e considerada inconstitucional pelo STF. Para viabilizá-la, o projeto foi previamente discutido com os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que teriam dado sinal verde, segundo senadores ouvidos pela colunista.
O argumento central dos defensores da proposta é que a atual legislação não diferencia quem quebrou uma vidraça e quem redigiu minutas de golpe. Como exemplo, mencionam a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada por atos de vandalismo, e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que guardava em sua casa um documento propondo a intervenção no processo eleitoral – equipará-los juridicamente, dizem, seria injusto.
Contudo, críticos à esquerda apontam que essa diferenciação já é possível dentro do atual sistema jurídico, e que a nova lei, ao permitir a retroatividade para beneficiar condenados, abre espaço para a impunidade de centenas de envolvidos nos atos violentos contra a democracia, alguns dos quais foram mobilizados por meses em acampamentos e caravanas financiadas por empresários bolsonaristas.
Outra mudança prevista seria fundir os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (pena de até 8 anos) e de golpe de Estado (pena de até 12 anos) em uma única tipificação penal, evitando que as penas se somem- o que também reduziria o tempo máximo de prisão para os condenados.
A proposta é um sinal perigoso de conciliação com o bolsonarismo, em um momento em que Jair Bolsonaro, inelegível e sob investigação, tenta reconstruir sua base política nas eleições municipais. Ainda segundo a coluna, o texto será inicialmente votado no Senado e, caso aprovado, seguirá para a Câmara. Se houver alterações, a palavra final será dos senadores – o que fortalece a posição de Alcolumbre na articulação.
Para a esquerda parlamentar e os movimentos populares, o projeto representa um retrocesso perigoso. Em vez de fortalecer a democracia, abre brechas jurídicas para que futuros golpistas sejam tratados com leniência. O Brasil já errou ao não punir os articuladores da ditadura de 1964. Repetir esse erro, em 2025, é flertar com o mesmo abismo.