Marxismo e lutas setoriais: reconectando a relação entre as partes e o todo

Uma história da ascensão do pensamento pós-moderno e a ofensiva contra o pensamento marxista nas últimas décadas.

Giovanna Marcelino 26 jul 2016, 01:35

Demandas ligadas ao reconhecimento de diferenças, como as de gênero, etnia, sexualidade e nacionalidade, têm sido o combustível de destacadas lutas do presente, tornando-se uma bandeira cada vez mais reivindicada por grupos mobilizados na sociedade, sobretudo nos círculos da juventude.

O presente texto visa resgatar referenciais teóricos que instrumentalizem a reflexão marxista sobre esse fenômeno, tendo em vista a maior audiência que vem adquirindo no terreno social e político nos últimos anos, através do crescimento de reivindicações relacionadas à defesa dos direitos democráticos, à esfera dos comportamentos e à constituição de uma nova geração de ativistas que lutam por maior participação e protagonismo de setores excluídos da política tradicional: mulheres, negros/as, LGBTs.

Nossa principal argumentação se dará em defesa da reconexão de tais lutas particulares correntes com a perspectiva da totalidade, isto é, com um projeto global anti-capitalista de transformação da sociedade. Gostaríamos de reforçar, com isso, a compreensão de que a reivindicação de causas aparentemente isoladas (no caso, formas específicas de injustiça – o machismo, o racismo, etc.) não pode ser completamente atendida sem eventualmente se levantar os níveis sociais aos quais ela está inter-relacionada (o que, por sua vez, pede o engajamento num projeto político mais amplo e radical de mudança social).

Política de classe x políticas de identidade?

Um dos possíveis pontos de partida para se pensar criticamente o considerável peso das pautas setoriais hoje e seus atuais dilemas é voltarmos ao passado recente e historicizarmos brevemente as experiências sociais e políticas que fomentaram seu desenvolvimento. No presente texto, iremos nos focar em uma delas: o fenômeno de emergência de um novo imaginário político centrado na ideia de dominação cultural, em meio ao contexto particular de profundas mudanças processadas no final do século XX, no qual a esquerda passou por intensos e importantes debates políticos, vigentes ainda hoje.

O surgimento desse novo imaginário político fez parte de uma conjuntura controversa, marcada por diferentes eventos históricos, entre os quais, a chamada “crise do marxismo”1. Seu ponto auge foram os anos 1980, momento em que a tradição da esquerda socialista vivenciou uma profunda crise de referência, sobretudo quando seu principal modelo – a experiência nascida da Revolução Russa de 1917 –, declinou em 1989-1991 com a queda do Muro de Berlim e degradação do socialismo real, encerrando o ciclo histórico aberto no começo do que Eric Hobsbawm chamou de o “curto século XX”.

Um dos principais desdobramentos dessa crise, cuja principal expressão foi a implosão das esperanças depositadas na construção do socialismo, foi o descrédito de todas as ideias associadas à Marx nos meios social e acadêmico. Junto a isso, as noções clássicas de luta de classe, exploração, revolução, partido, etc., que referenciaram as ações políticas dos movimentos históricos da esquerda até então, se ofuscaram, abrindo espaço para um momento de alta de políticas alternativas, centradas em novas noções de sujeito político e em conceitos como de diferença e identidade cultural.

Como ressalta Daniel Bënsaid, até meados do século XX, os movimentos sociais foram hegemonicamente norteados por grandes debates estratégicos sobre a emancipação social. Suas principais figuras como Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, Bukharin, Bernstein, Kautsky, estavam preocupadas, em meio a uma dinâmica intensa de revoluções e contra-revoluções, com questões como a do imperialismo, internacionalismo, reforma ou revolução, organização dos partidos e sindicados, guerra de posição e guerra de movimento, frente única, “caminhos ao poder”, etc.2 No período pós-guerra, rupturas emblemáticas foram geradas: tal tradição que até então subsumia os principais movimentos e resistências sociais emergentes – como o movimento de trabalhadores e os movimentos anticoloniais – começou a ser questionada pelas “micropolíticas” e pela proliferação de uma série de novas correntes de pensamento e discursos teóricos alternativos (como o pós-estruturalismo, o desconstrutivismo e o pós-modernismo), processo que ficou conhecido nas universidades como “desmarxificação”, cujo berço foi a França nos anos 1970 e que teve como seus principais proponentes Roland Barthes, Michel Foucault, Jacques Derrida, Jean-François Lyotard, Jean Baudrillard, Deleuze.

Pode-se dizer que a experiência política gerada nos 1960 representou, nesse sentido, um importante momento de inflexão, ou ainda, uma espécie de divisor de águas para se entender esse deslocamento ocorrido no horizonte dos movimentos e teorias sociais contemporâneas, de baixa do conceito de classe e alta das concepções culturais de identidade, em decorrência do rompimento de ativistas e teóricos com o marxismo – algo que é, por sua vez, vigente ainda hoje em diversas manifestações e debates ligados às pautas setoriais.

Amplamente reconhecido como o momento de explosão dos “novos movimentos sociais”, os anos 1960 foram uma década de grande efervescência política e cultural, fruto do período de modernização social geradas no capitalismo pós-guerra (prosperidade econômica, auge das políticas do Estado de Bem-Estar Social, etc.), que marcou o mundo por ter aberto espaço para inúmeras demandas sociais – defesa dos direitos civis, a luta feminista, ecológica, anticolonial, contra a segregação racial, pela liberdade sexual – aliando a força do protagonismo da juventude com a dos movimentos de trabalhadores em diversos países.

No bojo dessa explosão, uma “Nova Esquerda” foi forjada. Além de repudiar completamente as ações imperialistas e as políticas belicistas em meio a Guerra Fria, ela se constituiu a partir de uma série de críticas e denúncias às posturas autoritárias do chamado “marxismo oficial” (stalinista) dos Partidos Comunistas e seus aparelhos burocráticos. Ela formou, assim, uma geração que expressava concepções progressistas, muitas delas anti-capitalistas, almejando novas práticas políticas, mais democráticas, descoladas das experiências socialistas da época.

Foi um mérito das experiências políticas dos anos 1960 terem legitimado as políticas culturais como um tema da esquerda. Entretanto, ela também não conseguiu se desenvolver plenamente. Após o fim da forte autoconsciência experimentada pelos ativistas dos anos 1960 um grande sentimento de desnorteamento e de estreitamento de horizontes tomou conta de parte considerável dessa geração. O declínio das energias revolucionárias encarnada nos impulsos utópicos do Maio de 1968 juntou-se à desilusão generalizada com a experiência soviética, alimentando posições céticas, que fizeram com que muitos abandonassem o marxismo e as experiências socialistas e migrassem para o anarquismo, para a defesa da perspectiva das identidades (gênero, sexualidade, raça), para os movimentos contrários ao progresso modernista (derivada das preocupações ecológicas emergentes), etc., processo que se aprofundou ainda mais com a ascensão do neoliberalismo nos anos 1990. Em parte, tal depressão do senso de transformação radical da sociedade se deu também devido ao próprio caráter espontâneo das lutas desse período, que obtiveram importantes vitórias, mas que acabaram se esgotando por esbarrarem inevitavelmente no limite da falta de uma visão mais global e estratégica.

Assim, do repúdio às políticas de classe e de partido revolucionário, surgiu o mundo dos microgrupos e micropolíticas. Como aponta Nancy Fraser, nesse processo de declínio das energias utópicas e revolucionárias surgem os conflitos de tipo “pós-socialista”, em que

“[…] a identidade de grupo suplanta o interesse de classe como o meio principal de mobilização política. A dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural toma o lugar da redistribuição socioeconômica como remédio para a injustiça e objetivo da luta política”3.

No campo da teoria, isso se traduziu, em especial, na resistência ideológica ao conceito de totalidade, bem como no questionamento de duas categorias imprescindíveis para a ideia de emancipação no sentido marxista: as noções de classe e de sujeito da história. Tal reação baseava-se, grosso modo, no entendimento de que tais concepções dispensavam a análise de formas culturais de dominação e, assim, constituíam um tipo de arsenal teórico limitado, incapaz de absorver os novos movimentos e sujeitos que emergiam na cena política (mulheres, negros/as, LGBTs, estudantes, povos marginalizados do Terceiro Mundo), já que estes não constituíam uma classe, nem seriam oriundos diretamente do conflito entre capital e trabalho.

Um dos resultados do choque entre esse novo objeto até então não-conceituado (os novos movimentos e sujeitos políticos) e a compreensão de que a perspectiva marxista dispunha de um tipo de corpus teórico incapaz de absorvê-lo foi, então, a geração gradual de novas formas teóricas por meio da qual o primeiro pudesse se expressar. Desse impasse, surgiram novos discursos que se pretendiam “forças libertadoras” de todos as concepções totalizantes e “economicistas” identificados no marxismo, o que promoveu, por sua vez, um profundo deslocando de interesses, dos temas universais (como a análise nas perspectiva do modo de produção) para os particulares4. No bojo desse deslocamento, alimentou-se o desenvolvimento de novas categorias sociais e políticas, como os conceitos de “colonizado”, “raça”, “gênero”, “marginalização”, etc., em detrimento do poder explicativo do conceito de classe.

Uma das formas teóricas que conseguiu, nesse sentido, oferecer uma linguagem pela qual os novos fenômenos abertos nos anos 1960 poderiam se traduzir e exprimir foi o pós-modernismo. Esta foi uma das correntes teóricas que nasceu do bojo das perspectivas “pós-marxistas” e que se alimentou das incertezas da esquerda após o fim do maio de 1968, tornando-se uma espécie de moda intelectual nos anos 1970 e 1980. Ela foi uma das correntes que melhor condensou a perda de referência no marxismo e no socialismo como modelo alternativo ao capitalismo com a defesa de novas categorias para a compreensão da sociedade contemporânea.

Uma das fontes principais do discurso pós-moderno, em termos políticos, foi assim a crítica à chamada “metanarrativa” marxista de emancipação pelo proletariado. Partindo do pressuposto de que a universalidade presente na definição marxista de sujeito revolucionário excluía a realidade que emergiu com os movimentos de contracultura nos anos 1960, teóricos passaram a substituí-la pelas noções abertas de diferença, pluralidade, fragmentação e identidades múltiplas.

Além de expressar uma discordância no nível político e filosófico, o descrédito pós-moderno na ideia do proletariado como sujeito revolucionário tem relação também com as próprias transformações econômicas e sociais daquele período. Alguns ideólogos acreditavam que a emergência dos “novos sujeitos” políticos teria sido na verdade um efeito direto do vazio deixado pelo próprio desaparecimento das classes sociais tais como teorizadas pelo pensamento social moderno, além da derrocada dos movimentos políticos organizados ao redor delas.

Nesse sentido, assistiu-se na década de 1970 a proliferação de uma série de terminologias (sendo a mais notável a de “sociedade pós-industrial”, cunhada por Daniel Bell), que mitificavam o surgimento desses novos fenômenos relacionando-os com a ideia de superação completa da sociedade do trabalho e do industrialismo clássico. Segundo esse diagnóstico, a sociedade capitalista, tal como anatomizada por Marx, teria chegado ao fim, surgindo uma nova ordem social cuja dinâmica não estava mais baseada na produção industrial e nas classes sociais e seus conflitos, mas em novos princípios, como o da primazia do conhecimento, da ciência e da tecnologia.

Assim, apesar de muitas das manifestações culturais, filosóficas e políticas do pós-modernismo apontaram críticas relevantes, como a necessidade de dilatação da noção moderna de sujeito, rompendo com o cerco da definição do “homem universal” (branco, heterossexual, etc.), elas acabaram se constituindo numa versão das teses conservadoras sobre o “fim das ideologias”. Ao tirarem do horizonte a perspectiva totalizante de um projeto estratégico de emancipação e os conceitos que até então balizavam a compreensão da sociedade capitalista moderna, tiveram o efeito reverso, fomentando uma “crise da veracidade” sem solução, com prognósticos sobre o fim da modernidade, da arte, do leninismo, etc.

Teóricos marxistas repudiaram de imediato esse tipo de análise, formulando uma resposta a abordagem pós-moderna a partir da demonstração da validade das análises e conceitos clássicos da obra de Marx para a realidade contemporânea. Em sua maioria, propuseram a compreensão dos fenômenos sociais discutidos nesse período em termos não de uma “superação do capitalismo”, mas de surgimento de um novo estágio de seu desenvolvimento. David Harvey, por exemplo, caracterizou esse novo momento do capitalismo a partir das transformações advindas da reestruturação produtiva nos anos 1970, pela qual se deu o fim do modelo fordista e de seu rígido sistema de acumulação, com a emergência de um padrão mais “flexível” de produção e trabalho 5.

Assim, apesar de ser difícil conseguirmos entender hoje como se chegou a defender o fim das classes sociais (exceto no cenário especial de um futuro socialista), o fato é que, como nos mostrou a perspectiva marxista, tal compreensão foi na verdade um reflexo distorcido da realidade, fruto do impacto gerado pelas profundas mudanças ocorridas no mundo do trabalho e nas estruturas do capitalismo dos países desenvolvidos na época que, junto ao advento de inovações tecnológicas, a dispersão da produção, ao processo de desindustrialização dos países centrais e ao aumento progressivo do setor de serviços, deram a aparência de redução do peso da figura do trabalhador clássico.

Dessa forma, apesar de ser legítima a constatação de que tanto a sociedade capitalista quanto a classe trabalhadora sofreram uma alteração profunda desde a descrição de Marx, a vigência do conceito de classe seria ainda sim incontestável para a tradição marxista, devendo apenas ser readequado à complexidade do contexto contemporâneo de diversificação da produção e surgimento de um novo proletariado informal e precarizado, com tempo de trabalho flexível e temporário.

Além disso, na visão dos teóricos marxistas, as interpretações baseadas no fim das classes seriam uma expressão do próprio fenômeno da reificação, que adquiriu uma nova escala com o desenvolvimento do capital após a reestruturação produtiva dos anos 1970. Ao obscurecer o acesso às raízes das contradições que formam a realidade social, permanecendo no nível da aparência, elas revelariam um dos traços estruturais do funcionamento da sociedade capitalista contemporânea: a fragmentação. Nesse sentido, o diagnóstico pós-moderno revelaria e reforçaria ele mesmo a condição subjetiva contemporânea, pautada por traços como a superficialidade, o enfraquecimento de historicidade, a presentificação, etc.., que são sentidos por nós, sobretudo, pelo ritmo de vida transitório e efêmero nas grandes cidades, marcado pelo consumo, pela imagem, pela temporalidade da mercadoria e dos meios de comunicação, que dificultam a preservação do sentido de totalidade e de continuidade histórica imprescindível à consciência histórica.

Assim, a defesa marxista do conceito de totalidade tornou-se uma espécie de resposta à perda de sentido decorrente da fragmentação característica tanto dos discursos pós-modernos quanto do próprio mundo contemporâneo. Para Fredric Jameson, apesar de ser em última instância irrepresentável, a ideia de totalidade é um horizonte fundamental, ao possuir a capacidade de “restaurar, pelo menos metodologicamente, a unidade perdida da vida social e demonstrar que elementos amplamente distantes da totalidade social são, em última instância, parte do mesmo processo histórico global” 6. Ou seja, se configura como um instrumento através do qual as afinidades secretas entre âmbitos aparentemente autônomos e não relacionados são percebidos num mundo unificado, no qual realidades descontínuas se acham implicadas umas nas outras.

Com efeito, a emergência do pós-modernismo, bem como dos “novos sujeitos políticos”, não decorreria de uma deficiência teórica da ideia de classe, mas sim das condições concretas trazidas com a nova realidade econômica do capitalismo. Segundo Jameson, a falta de identificação dos movimentos de contracultura dos anos 1960, nesse sentido, se deu uma vez que a natureza transicional da nova economia global ainda não havia permitido que as classes se formassem de modo estável, e muito menos que adquirissem uma consciência de classe, de tal forma que as diversas lutas sociais do período se deram, em geral, de forma dispersa e anárquica. Da mesma forma, a chamada “crise do marxismo” teria raiz não na inaplicabilidade dos conceitos marxistas à realidade contemporânea, mas sim, na crise das próprias instituições clássicas através dais quais a política marxista de classe se expressava, como os Partidos Comunistas 7. Não encontrando espaço ou, no limite, ao se sentirem excluídas dessas instituições, as “minorias” passaram a buscar novos meios de expressão política e social, como expresso através de slogans como “o pessoal é político” e de ideias como a do direito ao discurso (de falar com sua própria voz).

Assim, os anos 1960, com seu amplo sentimento de liberdade, expresso no slogan de que “tudo é possível”, seria, em última instância, um “período de transição” histórica, ou seja, um momento em que “o estilo de vida ainda não assumiu a rigidez de um estilo de época, e quando há uma súbita libertação do velho sem qualquer obrigação correspondente para com o que virá em seu lugar” 8. A efervescência social e política dessa época seria, portanto, fruto de um período em que as transformações ocorridas no âmbito da economia e cultura ainda não haviam sincronizado, ou seja, estavam se processando numa temporalidade desigual – o desenvolvimento das condições objetivas a partir de 1945 no capitalismo pós-guerra e o aparecimento gradual das condições subjetivas a partir dos anos 1960, no qual se assistiu uma ruptura de gerações e imensa liberação de novas energias sociais. A consolidação e sincronização das transformações ocorridas no âmbito econômico e cultural teria ocorrido, assim, após a crise econômica de 1973, momento em que a reestruturação produtiva deu abertura definitiva a um novo estágio do desenvolvimento do modo de produção capitalista, pautado por um novo modelo econômico (pós-fordista) e pelo surgimento de novas formas mais sofisticadas de dominação cultural 9.

Essa reestruturação no interior do capitalismo significou, assim, por sua vez, a perversa dissipação da celebração do sentimento amplamente partilhado de liberdade e possibilidade do momento anterior que marcou os anos 1960. O capitalismo nos anos 1980 se caracterizou pelo esforço de neutralizar e proletarizar todas as forças sociais liberadas, incorporando-as nas próprias estruturas do capitalismo – como no caso das mulheres e nos povos de Terceiro Mundo, integrados à nova realidade de exploração do trabalho nas empresas multinacionais. Além disso, transformou as reivindicações por liberação do corpo precisamente naquilo que mantem o sistema de consumo e propaganda em funcionamento, despertando novos desejos e necessidades capitalistas. Assim, o reconhecimento das diferenças acabou sendo usado para uma celebração obscena do pluralismo do capitalismo contemporâneo em termos mercantis. A estrutura de consumo em massa passou a responder à diversidade das estruturas de opressão (classe, gênero, etnia, nacionalidade), criando novos nichos de mercado.

Com efeito, a ideia de que o movimento operário perdera sua forma ao ser incorporado nas estruturas do Estado burguês, se repetiu com os novos movimentos sociais, que se tornaram isoformos em relação ao capitalismo liberal, à “sociedade líquida” e à fluidez da circulação mercantil. Essa derrota possibilitou o discurso amplamente difundido no final dos anos 1980 e durante os anos 1990 do “fim da História”, de que o capitalismo venceu. Ela impôs novos desafios à esquerda socialista, sobretudo em relação a necessidade de ressignificação dos debates estratégicos de transformação social.

O método dialético: reconectando as partes e o todo

Antes de entrarmos na forma como essas problemáticas se expressam no desenvolvimento das lutas sociais ligadas as pautas setoriais hoje, cabe debatermos o tratamento adequado para elas, a partir da questão do método.

Afinal de contras, que posição tomar diante desses fenômenos? A “virada cultural” pós-moderna significou a deturpação as concepções marxistas e os grandes debates estratégicos do socialismo? Ou foi um meio de compensar a “cegueira cultural” de uma tradição posta em descrédito com o colapso da experiência soviética? As críticas às políticas voltadas para a classe foram positivas ao evidenciaram limitações e lacunas no tratamento marxista das pautas setoriais, negligenciados pela experiência stalinista na URSS? Ou elas são profundamente negativas ao questionar e descartar completamente a própria capacidade da análise materialista e de suas ferramentas teóricas de abarcar tais questões?

Ao invés de simplesmente rejeitar ou aderir uma ou outra versão, o “lado” da política de classe ou da política da diferença, devemos nos dar conta da tarefa teórica e prática de combinação crítica das duas perspectivas. A principal forma de proceder essa operação é por meio da dialética, mais especificamente, por meio de seu movimento crítico de síntese e superação de posições e métodos concorrentes.

Se seguirmos o legado de Marx e de toda teoria marxista subsequente, podemos dizer que a crítica dialética é aquele procedimento filosófico que subsume outras posições e sistemas aparentemente antagônicos, de forma a cancelá-las e preservá-las simultaneamente, isto é, atribuindo-lhes uma validade parcial para si mesma. Ou seja, em termos metodológicos, trata-se de entender que os limites de outros sistemas filosóficos e políticos podem ser superados, e suas descobertas positivas conservadas, de forma que categorias falsas não são diretamente destruídas ou descartadas, mas antes mobilizadas para, a partir delas, se alcançar o seu oposto.

Nesse sentido, pode-se dizer que a própria tradição marxista não se constituiu exatamente enquanto uma posição em si mesma; se voltarmos a fundação do materialismo histórico, percebemos que ele é antes uma correção, retificação e inversão, à maneira dialética, de outras posições preexistentes, de forma que não se pode entende-lo sem antes compreender contra o que ele se dirige e se dispõe a submeter à crítica. O pensamento dialético, portanto, seria esse movimento incessante de dissolução e geração de categorias intelectuais, tal como em Marx, que acertou contas com as diversas tradições intelectuais de sua época, como o idealismo alemão, o socialismo utópico francês e a economia política inglesa; a autenticidade de seu procedimento foi, assim, não simplesmente dar as costas a essas perspectivas, mas antes, ir a fundo em cada uma delas de maneira a conseguir retirar de seu avesso o fundo de verdade que elas guardam em seu interior, quebrando o mundo invertido por elas apresentado, ao mesmo tempo em que conservando os termos por elas utilizados.

Para o marxismo, esse avesso é a própria realidade concreta. Isto é, a correção de posições opostas se dá, em última instância, pelo procedimento em que os conteúdos e métodos dessas posições (que se apresentam de foram aparentemente autônoma) são “desreificados” e reconectados novamente à totalidade que os forma. Assim, diferentemente de diversas disciplinas científicas especializadas, que não são autoconscientes de seus procedimentos, o pensamento genuinamente dialético sempre submete à crítica os instrumentos intelectuais existentes como parte de sua própria estrutura operacional. Por meio desse processo, o pensamento dialético promove uma “mudança de marcha”, o “içar” de um complexo de pensamento num andar acima, de forma a ampliar e refundamentar suas próprias noções num novo patamar, numa síntese teórica superior 10.

Com efeito, se aplicado corretamente, tal procedimento dialético produz um tipo de marxismo sofisticado, não reducionista e não mecanicista, capaz de responder à altura o desafio de oferecer uma atualização do marxismo, aliando concepções clássicas e contemporâneas, diante dos contextos sempre renovados impostos pelo capitalismo em seu processo de desenvolvimento e transformação incessante. É capaz de se diferenciar de uma postura dogmática, abordando com rigor crítico as correntes antagônicas da cena política, demonstrando seus alcances e limites e apropriando-se de certas noções, passíveis de serem enriquecidas por sua própria visão dialética.

As lutas setoriais hoje – uma nova onda?

A partir dessa breve reconstituição de método, algumas considerações podem ser extraídas para se pensar o desenvolvimento das lutas setoriais nos últimos anos, tendo em vista o atual contexto econômico e político mundial.

Hoje vivemos uma nova onda de mobilizações pelo mundo. No interior dessas mobilizações, uma das demandas que tem ganhado destaque é a luta por reconhecimento de diferenças. Trata-se de um fenômeno que extrapolou os movimentos de rua e ganhou audiência na sociedade como um todo, tomando os debates nas redes sociais, nas escolas, universidades e manchete de jornais.

Esse fenômeno, entretanto, não irrompeu do nada, nem mesmo irá se encerrar do dia para noite: ele reflete uma mudança que tem se desenvolvido na conjuntura nos últimos anos. O principal ponto de partida para essa questão é a crise capitalista que teve início em 2008. Ela abriu um novo momento histórico que acabou dando uma resposta contundente às teses sobre o fim da ideologia e de emergência de uma sociedade pós-industrial, revelando novamente com força as sombrias realidades do capitalismo (depressão, cortes, ajustes, desemprego, retirada de direitos) e a necessidade de sua superação, retomando-se, assim, o poder do marxismo como uma visão de mundo mais que atual e necessária.

Assim, esse duro cenário econômico culminou, inevitavelmente, no acirramento das lutas sociais, alimentadas pela necessidade de construção de alternativas sociais e políticas frente à crise. Em 2011, uma onda de mobilizações tomou diversos países no mundo árabe, na Europa, nos EUA, na América Latina, espalhando protestos e reações aos planos nacionais de austeridade e às velhas formas tradicionais e corruptas da partidocracia de se fazer política. Ela foi acompanhada pelo protagonismo juvenil (a “juventude sem futuro”) na luta por direitos, que deu origem a um amplo movimento de indignados, pautado em métodos radicalizados, como o de ocupações e confronto com os aparelhos repressivos do Estado.

No caso brasileiro, essa onda de mobilizações dos “indignados” foi sentida pela primeira vez já em 2011, quando tivemos o aumento de greves sindicais e nos setores públicos. Mas o marco definitivo nesse processo foi Junho de 2013. Tendo como estopim a reação contra o aumento das tarifas de ônibus por todo o país, Junho foi a faísca que abriu a comporta para diversas lutas ligadas a demandas latentes na sociedade brasileira, colocando em movimento uma nova geração de ativistas que experimentou um significativo avanço na consciência política por meio da experiência radicalizada das ruas.

Foram expressas uma variedade considerável de demandas, entre as quais a negação das instituições, dos partidos da ordem, da corrupção, a denúncia sobre a falta de investimento nas áreas públicas (saúde, educação, moradia, etc.). Foi um acontecimento que quebrou com a normalidade e desestabilizou o cenário político no país, levantando um conjunto de reivindicações que se encontram em desdobramento até o momento.

É interessante pensarmos como à luta por direitos democráticos foi provavelmente o primeiro aspecto que revelou a inquietação da juventude no Brasil. Já em 2011, tivemos as primeiras Marchas das Vadias, as Marchas da Maconha ganharam expressividade, as paradas LGBTs ganharam maior importância política. 2013 foi o auge de sua explosão, desenvolvendo processos de luta que perduram até hoje, como é o caso da primavera feminista. Tais lutas, portanto, tornaram-se um aspecto que cada vez mais importante, como demonstra ainda hoje a forte reação das mulheres nas ruas e nas redes sociais à cultura do estupro; a crescente disputa do movimento negro pela afirmação de sua identidade, de sua cultura, pelo fim do preconceito e do genocídio da juventude negra nas periferias; até a maior visibilidade da comunidade LGBT por respeito e pelo direito amarem e se identificaram como quiserem, contra as trágicas manifestações LGBTfóbicas que ainda são bastante presentes no cotidiano dos noticiários.

A partir dessas demandas, ficou claro como há uma nova geração que deseja reafirmar seus direitos – a chamada “geração Y”, constituída por jovens que nasceram no mundo das redes sociais, da informação, que estão forjando novos comportamentos, gostos e atitudes, se expressando e se relacionando por meio da valorização das diferenças e identidades. As lutas setoriais têm, nesse sentido, sintetizado os anseios dessa geração. Elas têm servido cada vez mais como porta de entrada para que muitos jovens comecem a se engajar politicamente e questionar nosso sistema social e político.

Assim, guardada as proporções, muitas das características das lutas abertas em Junho de 2013 no Brasil trazem à lembrança as energias de juventude explodidas nos anos 1960. Entretanto, da mesma forma que apresentam elementos progressistas, elas também revelam dilemas políticos profundos. Um dos desafios do prosseguimento da luta das mulheres, negro/as, LGBTs, etc. hoje é igualmente, por exemplo, a falta de um norte político. Após vencermos importantes batalhas parciais e locais, ainda resta como dificuldade saber como dar continuidade e avançar mais com esses movimentos. Pois eles de certo carregam a clareza de negação do velho, mas não possuem ainda uma alternativa política consolidada para combater a fundo o problema das opressões e construir o novo. Ainda se pautam por demandas diversas, mas sem um programa político comum e coeso, repetindo os resquícios do mesmo dilema da esquerda após a queda do socialismo real: um vazio de referência, aprofundada no caso brasileiro com o ciclo de esgotamento do modelo lulista e a derrocada do PT como um projeto de esquerda.

Nesse cenário, em que muitas das lutas guardam as características de tempo de vida curto, continuidade fraca, formação de agregados temporários de indivíduos pela contingência de uma causa e dispersados quando a luta termina, etc., as ideias pós-modernas passam a ganhar peso novamente. Ou seja, ao se apresentam de forma fragmentada e pulverizada, passam a ser suscetíveis novamente às polêmicas do elogio às partes em combate ao todo.

Dessa forma, muitos dos ativistas dos movimentos sociais ligadas às pautas setoriais reproduzem hoje, por exemplo, consciente ou inconscientemente, a lógica das micropolíticas, que corresponde à emergência pós-moderna de uma grande variedade de práticas políticas de pequenos grupos. Nessa lógica, privilegia-se a adesão ou filiação a um grupo social, que proporcionam uma espécie de “gratificação de identidade”, em detrimento da aderência à organizações políticas como partidos, que corresponderiam propriamente ao processo de formação da consciência de classe ou ainda, de adesão e pertencimento a uma classe, e não apenas uma identidade cultural.

O resultado dessa lógica, se levada ao extremo, é a retórica irrestrita de se defender em primeiro lugar o reconhecimento das diferenças entre os indivíduos, e não àquilo que eles têm em comum a partir de uma situação concreta compartilhada, inviabilizando muitas vezes qualquer tipo de consenso no interior dos movimentos sociais. Tal repúdio ao consenso, torna-se, assim, um espaço de atuação, em que a conquista e o orgulho de uma identidade suprime as reais estratégias de liquidação das raízes da opressão, paradoxalmente, a razão primeira de surgimento desses grupos.

Além disso, uma vez que compartilham essa concepção de atuação, o paradoxo e a consequência extrema inerente à ideologia das micropolítcas é a falta de capacidade de transformação ativa da sociedade, ou melhor, a falta de clareza do papel estrutural que desempenham enquanto sujeitos. O limite dessa concepção, portanto, se encontra no fato de que a retórica da conquista de identidade coletiva não tem mais para onde ir, só lhe restando como “solução” evoluir para uma espécie de lógica que toma a parte pelo todo. Um dos exemplos mais dramáticos encontram-se no nacionalismo cultural negro e no lesbianismo separatista. Algo que é em si contraditório, na medida em que o grupo recém-constituído nunca se contentará com o isolamento completo, já que sempre precisará de inimigos para sobreviver como grupo, para criar e perpetuar um sentido de coesão e identidades coletivas.

Por isso, hoje, o “slogan político” da diferença deve ser visto com um olhar crítico. Entretanto, como nos mostra a lição tirada do desenrolar da experiência política nos anos 1960, isso não deve ser feito através da conservação de um capital doutrinário, mas do enriquecimento da visão de mundo marxista à prova de novas práticas políticas adequadas ao novo momento histórico.

Nesse sentido, a melhor saída para se potencializar as visões setorializadas hoje é a elaboração de uma política que combine a tradição revolucionária como os novos tipos de ativismo contemporâneo. Isso torna-se viável através da utilização do método dialético. Nesse sentido, pode-se dizer que trata-se de um sintoma histórico e social importante que, hoje, muito similarmente ao que aconteceu nos anos 1960, ativistas tenham a necessidade de se expressar e projetar sua práxis numa linguagem política que envolve as noções de micropoder, dominação, antiautoritarismo, etc. Apesar de politicamente importante, a via dialética nos mostra como as contestações promovidas por esse tipo de retórica são insatisfatórias, na medida em que não formulam uma resposta suficiente ou, no limite, não captam a raiz do problema das opressões. Daí a necessidade de recuperar a visão de totalidade para melhor compreendê-las, indo a fundo da lógica de diferenciação que forma e justifica essas lutas.

Assim, a principal contribuição da perspectiva marxista das lutas setoriais hoje se dá em torno da compreensão de que elas não são incompatíveis à perspectiva da política de classes. Ou melhor, de que ambas podem ser unificadas num programa político anticapitalista. As opressões não são substâncias autônomas, exteriores ou estranhas umas às outras, mas possuem uma relação dialética entre si e com a totalidade, isto é, com a própria estrutura social. Assim, o que os marxistas tentam alertar a todo o momento é que as lutas setoriais não são um fim em si mesmos: são parte de um todo. Por mais profundas e apaixonantes que sejam as reivindicações particulares que carregam, se encaradas de forma fragmentada, elas impedem que no fundo sejam vitoriosas. Sem a relação entre o particular e o todo, a política fica resumida ao local, ao presente imediato. Não avança.

Nosso desafio é evidenciar cada vez mais essa conexão: como a luta pelo fim do sistema exige a defesa de valores libertários e democráticos, ao mesmo tempo em que a luta contra as formas de desigualdade, opressão, discriminação só se torna possível hoje se entendemos a relação íntima que guardam com a reprodução do capitalismo. Nesse sentido, a visão marxista permite, pela compreensão dialética, mostrar como totalidade e partes não constituem antíteses, existindo uma relação recíproca entre luta totalizante anticapitalista e lutas democráticas, ainda mais no contexto de retirada de direitos sociais próprio aos cenários de crise econômica. Nosso desafio é mostrar como para termos nossos plenos direitos, não só individuais, mas sociais, precisamos avançar num programa radical de transformação da sociedade. Pois a resposta política para cada luta setorial passa pela construção e defesa de um novo tipo de sociedade, e vice-versa.

Desse modo, o que a perspectiva marxista defende não é a ideia de unificação como uma mera neutralização ou anulação das diferenças, mas a percepção de que as lutas parciais guardam suas particularidades ao mesmo tempo que convergem entre si. Quando unificadas, isto é, quando percebem suas afinidades secretas, desenvolvem seu forte potencial transformador, a partir do qual torna-se possível apontar horizontes, saídas coletivas para questões particulares. Com efeito, não se trata de apenas atribuir à luta localizada o valor alegórico de representar a luta geral, mas antes, coordenar mutuamente os dois níveis políticos – o todo e o particular. Deve-se sempre ter em vista dois focos, maneira pela qual se entende que a luta particular possui um sentido próprio em si mesma, sendo ao mesmo tempo uma expressão da totalidade, essencial para a transformação revolucionária da sociedade. Sem essa visão simultânea, as dimensões se separam e a política se torna, por um lado, uma luta facilmente burocratizada pelo Estado e em torno dele, e, por outro, uma série reduzida e interminável de pequenas lutas, facilmente absorvidas pelos ideias pós-modernas.

A concepção marxista de transformação da realidade é, portanto, em si mesma essa dupla obrigação de unir o “aqui e agora” da situação imediata com a perspectiva totalizante e utópica de uma nova sociedade. Nessa perspectiva, uma determinada demanda sempre deve se expressar de alguma forma como a imagem de uma sociedade totalmente transformada.

Como ressaltamos anteriormente, entretanto, tal perspectiva revolucionária e totalizante esbarra inevitavelmente nas próprias barreiras da sociedade capitalista contemporânea. A realidade concreta nada mais é do que a unidade da diversidade, mas ela é atualmente desmanchada pela própria lógica capitalista da fragmentação. Tendo isso em vista, torna-se clara que os desafios políticos que travamos hoje nos movimentos sociais tem relação antes de mais nada com a própria condição ideológica de do capitalismo contemporâneo. O desenvolvimento do capitalismo de fato levou as sociedades a processarem um nível de complexidade que coloca barreiras à tarefa dos marxistas de mostrar o caminho à totalidade, de apresentaremos o projeto do partido como ferramenta de relação entre as partes e o todo.

Por isso, a tarefa de conectar as diversas lutas que se apresentam desconectadas, mostrando a relação íntima que elas guardam umas com as outras, é hoje um desafio redobrado, que deve ser realizada junto com a construção urgente de alternativas políticas de esquerda, de um terceiro campo que dê respostas a atual crise que vivemos. Por isso, a importância de se construir uma estratégia anticapitalista, não se deixando cair em uma visão romântica e idealizada dos ativismos.

As lutas libertárias protagonizadas por mulheres, negros/as e LGBTS hoje, por exemplo, não podem se encerrar apenas na disputa comportamental, pois elas têm um potencial maior a ser explorado. Segundo Marx, para o indivíduo se tornar realmente livre, este deve tomar poder sobre suas condições de existência, o que passa por um processo de tomada de consciência. A consciência é um produto social e, dessa forma, apenas a partir da transformação da sociedade é possível pensar na transformação dos indivíduos. Com efeito, a tomada de consciência significa o rompimento com a ordem social, por uma nova produção da vida, na qual cada indivíduo possa encontrar meios de desenvolver suas capacidades em todos os sentidos. Assim, nossa tarefa é saber combinar a luta pela liberdade individual com uma estratégia revolucionária que pretenda libertar homens e mulheres de toda exploração e toda forma de opressão.


1 Outro nome dado pelos ideólogos conservadores para esse evento foi o “fim das ideologias”, um acontecimento anunciado pela primeira vez nos anos 1950 em meio a Guerra Fria, posteriormente desmentido pela efervescência política dos anos 1960, para vir a realizar-se nos anos 1980 com a repercussão do chamado “fim da História”. Ideologia, nesse sentido, era um codinome para marxismo, socialismo ou qualquer tentativa revolucionária de criar uma sociedade radicalmente diferente.
2 BENSÄID, Daniel. Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo presente. São Paulo: Boitempo, 2008.
3 FRASER, Nancy. “Da distribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de campo, São Paulo, n. 14/15, p. 231-239, 2006.
4 Um dos alvos de crítica, nesse sentido, foi a relação de causalidade entre economia e cultura aplicada na ideologia producionista do stalinismo, isto é, de que a mudança infraestrutural das forças de produção – a nacionalização e a eliminação das relações de propriedade privada, bem como a industrialização e a modernização – seria suficiente para transformar de maneira mais ou menos rápida a superestrutura da sociedade.
5 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.
6 JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. São Paulo: Ática, 1992, p. 231.
7 JAMESON, Fredric. “Periodizando os anos 60”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Pós-modernismo e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
8 JAMESON, Fredric. Marxismo e forma. São Paulo: Hucitec, 1985, pp. 39-40.
9 Tal compreensão está baseada no entendimento de que cada transformação do modo de produção tem como equivalente o surgimento de dominantes culturais, isto é, formas “de codificação ideológica específica de cada modo de produção”. Assim, segundo essa ideia, todos os modos de produção são acompanhados por “revoluções culturais” específicas: no comunismo primitivo ou sociedade tribal (horda), a narrativa mítica; nas sociedades hierárquicas de parentesco (genói), o parentesco; no despotismo oriental (modo asiático de produção), a religião e o sagrado; na sociedade oligárquica escravagista (pólis), a “política”; no feudalismo, as relações de dominação pessoal; no capitalismo, o fetichismo da mercadoria; no comunismo, as formas originais de associação coletiva ou comunal. Cf. JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. São Paulo: Ática, 1992, p. 82-92.
10 JAMESON, Fredric. Marxismo e forma. São Paulo: Hucitec, 1985, p. 236.


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