O que foi a Revolução Russa?

Transcrição da conhecida conferência de Trotsky para a Associação dos Estudantes Social-democratas de Copenhague (Dinamarca), realizada em 27/nov/1932, durante o período de exílio do revolucionário russo.

Leon Trotsky 26 mar 2017, 21:34

I

Prezados ouvintes,

Permitam-me, em primeiro lugar, expressar meu sincero pesar por não poder falar a língua dinamarquesa diante de um auditório em Copenhague. Não sabemos se os ouvintes perderão algo por isso. No que concerne ao conferencista, a ignorância do idioma dinamarquês o impede de estar em contato direto com a vida e a literatura escandinavas. Se supõe que isto causa um grande inconveniente! O idioma alemão, ao qual recorro para uma incumbência como essa, é poderoso e rico. Porém, o meu alemão é bastante limitado. Além disso, quando se trata de questões complicadas, não é possível explicar com a mesma liberdade que se tem quando se fala a própria língua. Portanto, peço antecipadamente desculpas ao auditório.

Estive pela primeira vez em Copenhague para participar do Congresso Socialista Internacional e guardei grata recordação de vossa cidade. Mas isso foi há um quarto de século. Nos rios Ore-Sund e Fiords, a água renovou-se muitas vezes. E não apenas a água. A Guerra rompeu a coluna vertebral do velho continente europeu. Os rios e os mares da Europa arrastaram muito sangue. A humanidade, em particular a sua porção europeia, enfrentou duras provas. Tornou-se mais sombria, mais brutal. Todas as formas de luta tomaram aspectos mais duros. O mundo entrou numa época de grandes mudanças. Suas exteriorizações extremas são a guerra e a revolução.

Antes de abordar o tema da minha conferência – a Revolução Russa – julgo meu dever expressar os meus agradecimentos aos organizadores deste ato, a Associação dos Estudantes Social-democratas de Copenhague. Faço-o na qualidade de adversário político. É verdade que esta conferência trata de questões histórico-científicas. Porém, é impossível falar de uma revolução, como a que criou a República dos Sovietes, sem tomar uma posição política. Na qualidade de conferencista, minha bandeira continua a mesma sob a qual participei da Revolução de Outubro.

Até a Guerra, o Partido Bolchevique pertenceu à social-democracia internacional. Em 4 de agosto de 1914, quando a social-democracia alemã votou a favor dos créditos de guerra, rompeu-se de uma vez por todas essa unidade, e abriu-se a era da luta incessante e intransigente do bolchevismo contra a Segunda Internacional. Isso significa que os organizadores desta reunião cometeram um erro ao convidar-me como conferencista? Em todo caso, o auditório somente poderá julgar depois de pronunciada a palestra. Justificando a aceitação de tão amável convite, permitam-me recordar que, durante os 35 anos de minha vida política, o tema da Revolução Russa sempre foi o eixo prático e teórico de minhas preocupações e de meus atos. Portanto, creio que isto me dá algum direito de esperar ajudar não somente meus companheiros de ideias, como também meus adversários – pelo menos de partido – a compreender muitos aspectos da Revolução que até hoje escapam aos seus olhos. Em outras palavras, o objetivo de minha conferência é ajudar a compreender. Não me proponho a propagar e nem a clamar pela revolução. Só quero explicá-la.

Não sei se no Olimpo escandinavo havia também uma deusa da rebelião. Duvido. De qualquer forma, não solicitaremos hoje os seus favores. Colocaremos nossa conferência sob o signo de Snotra, a velha deusa do conhecimento. Apesar de seu caráter dramático, como acontecimento vital, trataremos de estudar a revolução com a impassibilidade do anatomista. Se por causa disso o conferencista se tornar mais secos, os ouvintes, espero, saberão justificá-lo.

Para começar, enunciemos alguns princípios sociológicos elementares que são, sem dúvida, familiares a todos vocês, mas que devemos recordar ao tomar contato com um fenômeno tão complexo como uma revolução.

A sociedade humana é o resultado histórico da luta pela existência e da segurança na preservação das gerações. O caráter da economia determina o caráter da sociedade. Os meios de produção determinam o caráter da economia.

A cada grande época, no desenvolvimento das forças produtivas, corresponde um determinado regime social. Até o momento presente, todos os regimes sociais asseguraram enormes vantagens às classes dominantes.

É evidente que os regimes sociais não são eternos. Nascem e, historicamente, transformam-se em obstáculos ao progresso ulterior. “Tudo que nasce é digno de perecer”.

Porém, nunca uma classe dominante abdicou, voluntária e pacificamente, ao poder. Nas questões de vida e morte, os argumentos fundados na razão nunca substituíram os argumentos da força. É triste reconhecê-lo. Mas é assim. Não fomos nós que fizemos este mundo. Só podemos tomá-lo tal como é.

A revolução significa mudança do regime social. Ela transmite o poder das mãos de uma classe, que se esgotou, às mãos de outra classe em ascensão. A insurreição constitui o momento mais crítico e mais agudo na luta de duas classes pelo poder. A sublevação não pode conduzir à vitória real da revolução e à implantação de um novo regime senão apoiada sobre uma classe progressista capaz de agrupar em torno de si a imensa maioria do povo. Diferentemente dos processos da natureza, a revolução realiza-se por intermédio dos homens. Contudo, na revolução os homens também atuam sob a influência de condições sociais que eles próprios não elegem livremente, mas que herdam do passado e lhes assinala imperiosamente o caminho. Precisamente por esse motivo, e só por isso, a revolução tem suas próprias leis. Porém, a consciência humana não se limita a refletir passivamente as condições objetivas. E, em certos momentos, a reação adquire um caráter de massa, tenso, apaixonado. Derrubam-se então as barreiras do direito e do poder. A intervenção ativa das massas nos acontecimentos constitui o elemento indispensável de uma revolução. A sublevação das massas deve conduzir à derrubada do poder de uma classe e ao estabelecimento da dominação de outra. Somente assim teremos uma revolução consumada. A sublevação das massas não é um empreendimento isolado que se pode provocar por capricho. Representa um elemento objetivamente condicionado ao desenvolvimento da revolução, que, por sua vez, é um processo condicionado ao desenvolvimento da sociedade. Entretanto, isso não significa que uma vez existentes as condições objetivas de sublevação, se deva esperar passivamente, com a boca aberta. Nos acontecimentos humanos também há, como disse Shakespeare, fluxos e refluxos, que, numa ascendente, conduzem ao êxito: “There is a tide in the affairs of men, which taken at the flood, leads on to fortune”. Para varrer o regime que sobrevive, a classe avançada deve compreender que soou a hora e propor-­se à tarefa da conquista do poder. Aqui se abre o campo da ação revolucionária consciente, em que a previsão e o cálculo se unem à vontade e à bravura. Dito de outra forma, aqui se abre o campo para a ação do partido.

O partido revolucionário condensa o que há de mais seleto na classe avançada. Sem um partido capaz de orientar-­se nessas circunstâncias, de apreciar a marcha e o ritmo dos acontecimentos e de conquistar a tempo a confiança das massas, a vitória da revolução proletária é impossível. Tal é a relação dos fatores objetivos e dos fatores subjetivos da revolução e da insurreição. Como bem sabem, nas discussões, os adversários – em particular na teologia – têm o costume de desacreditar frequentemente a verdade científica elevando-­a ao absurdo. Isto se chama, ainda em lógica, reductio ad absurdum. Nós vamos tratar a seguir da via oposta, isto é, tomaremos como ponto de partida um absurdo a fim de nos aproximarmos com maior segurança da verdade. Realmente não temos direito de nos lamentarmos por falta de absurdos. Tomemos um dos mais recentes e mais grosseiros. O escritor italiano Malaparte, algo como um teórico fascista – também existe este produto – publicou há pouco tempo um livro sobre a técnica do golpe de estado. O autor consagra um número não desprezível de páginas de sua “investigação” à insurreição de outubro. Ao contrário da “estratégia” de Lênin, que permanece unida às relações sociais e políticas da Rússia de 1917, “a tática de Trotsky não está – segundo os termos de Malaparte – ligada por nada às condições gerais do País”. Tal é a ideia principal da obra. Nas páginas de seu livro, Malaparte obriga Lênin e Trotsky a entabular diálogos, nos quais os interlocutores dão prova de tão pouca profundidade de espírito como a natureza pôs à disposição do referido autor. Às objeções de Lênin sobre as premissas sociais e políticas da insurreição, Malaparte atribui a Trotsky, literalmente, a seguinte resposta: “Vossa estratégia exige demasiadas condições favoráveis e a insurreição não tem necessidade de nada. Basta­-se por si mesma”. Entenderam bem? “A insurreição não tem necessidade de nada”. Tal é, precisamente, caros ouvintes, o absurdo que deve servir para nos aproximarmos da verdade. O autor repete com muita persistência que, em outubro, não foi a estratégia de Lênin e sim a tática de Trotsky que triunfou. Esta tática, conforme suas palavras, ameaça, ainda agora, a tranquilidade dos Estados europeus. “A estratégia de Lênin” – cito textualmente – “não constitui nenhum perigo imediato para os governos da Europa. A tática de Trotsky constitui um perigo atual e, portanto, permanente”. Mais concretamente: “Coloque Poincaré no lugar de Kerensky e o golpe de estado Bolchevique de 1917 triunfaria da mesma forma”. É difícil crer que semelhante livro seja traduzido a diversos idiomas e acolhido seriamente. Em vão tentaríamos saber por que a estratégia de Lênin, dependendo das condições históricas, é necessária se a “tática de Trotsky” permite resolver o mesmo problema em todas as situações. E por que as revoluções são tão raras, se para seu sucesso basta um par de receitas técnicas?

O diálogo entre Lênin e Trotsky apresentado pelo escritor fascista é, tanto no espirito quanto na forma, uma invenção inepta do princípio ao fim. Muitas invenções desse quilate circulam pelo mundo. Por exemplo, acaba de aparecer em Madrid, com meu nome, um livro: Vida de Lênin, pelo qual sou tão responsável como pelas receitas técnicas de Malaparte. O semanário “Estampa” publicou capítulos inteiros deste pretenso livro de Trotsky sobre Lênin, que contêm ultrajes abomináveis à memória do homem que eu estimava e que estimo incomparavelmente, mais que qualquer outro entre os meus contemporâneos. Abandonemos, entretanto, os falsários à sua sorte. O velho Wilhelm Liebknecht, pai do combatente e herói imortal, Karl Liebknecht, costumava dizer: “O revolucionário deve prevenir-­se com uma pele grossa.” O doutor Stockmann, mais expressivo ainda, recomendava a todos os que se dispõem a enfrentar a opinião pública a não vestir calças novas. Sigamos estes bons conselhos e passemos à ordem do dia.

Quais as perguntas que a Revolução de Outubro sugere a todo homem? Primeira: por que obteve êxito esta revolução? Ou, mais concretamente, por que a revolução proletária triunfou num dos países mais atrasados da Europa? Segunda questão: o que trouxe a Revolução de Outubro? E por último: concretizou­se o que dela se esperava?

Pode-­se responder à primeira pergunta – sobre as causas – de modo mais ou menos completo. Tentei fazê-­lo o mais explicitamente possível na minha História da Revolução Russa. Aqui, não posso fazer outra coisa senão formular as conclusões mais importantes. O fato de ter o proletariado chegado pela primeira vez ao poder num país tão atrasado, como a Rússia, só à primeira vista pode parecer misterioso. Na realidade, resulta de uma lógica rigorosa. Era possível prever. E se previu. Mais ainda, diante dessa perspectiva, os revolucionários marxistas elaboraram a sua estratégia muito antes dos acontecimentos decisivos. A primeira explicação e a mais geral é que a Rússia é um país atrasado. Mas, ao mesmo tempo, a Rússia não é mais que uma parte da economia mundial, um elemento do sistema capitalista mundial. E Lênin resolveu o enigma da revolução russa com a seguinte fórmula lapidar: a cadeia rompeu-­se pelo elo mais fraco. Uma situação clara: a grande guerra, produto das contradições do imperialismo mundial, arrastou em seu torvelinho países que se achavam em diferentes etapas de desenvolvimento e impôs a todos as mesmas exigências. Resulta, pois, que os encargos da guerra se tornariam particularmente mais insuportáveis para os países mais atrasados. A Rússia foi o primeiro que se viu obrigado a ceder terreno. Mas, para sair da guerra, o povo precisava abater as classes dominantes. Assim foi como a cadeia se quebrou. A guerra não é uma catástrofe determinada por fatores alheios, como um terremoto. Para com o velho Clausewitz, é a continuação da política por outros meios. Durante a guerra, as tendências principais do sistema imperialista de tempos de “paz” apenas se exteriorizaram de modo mais agudo. Quanto mais elevadas sejam as forças gerais de produção; quanto mais tensa seja a concorrência mundial; quanto mais acirrem os antagonismos; quanto mais desenfreada seja a corrida armamentista, tanto mais penosa se torna a situação para os participantes mais fracos. Precisamente esta é a causa pela qual os países mais atrasados ocupam o primeiro lugar na série dos desmoronamentos. A cadeia do capitalismo tende sempre a partir­-se pelos elos mais fracos. Se por causa de certas circunstâncias extraordinárias ou extraordinariamente desfavoráveis – por exemplo, uma vitoriosa intervenção militar do exterior, devido a faltas irreparáveis do próprio governo soviético –, se restabelecesse o capitalismo sobre o imenso território soviético, sua insuficiência histórica aprontaria, rapidamente, sua nova queda, vítima das mesmas contradições que provocaram a explosão em 1917. Nenhuma receita tática poderia dar vida à Revolução de Outubro se a Rússia não a levasse em suas próprias entranhas. O partido revolucionário não pode desempenhar outro papel senão o de parteiro que se vê obrigado a recorrer à operação cesariana. Poderiam objetar-­me: “suas considerações gerais podem explicar, suficientemente, por que razão a velha Rússia (este país onde o capitalismo atrasado, junto a uma classe camponesa miserável, estava coroado por uma nobreza parasitária e exaurido por uma monarquia putrefata) teria que naufragar. Mas, na imagem da cadeia e do elo mais fraco falta ainda a chave do enigma: como, num país atrasado, poderia triunfar a revolução socialista?” Porque a história conhece muitos exemplos de decadência de países e de culturas que, após a derrocada simultânea das velhas classes, não puderam achar nenhuma forma progressista para ressurgir. A derrocada da velha Rússia deveria, ao que tudo indica, transformar o país numa colônia capitalista e não numa república socialista. Esta objeção é viciosa. Eu diria: desprovida de proporção interna. De um lado, decorre de uma concepção exagerada quanto ao atraso da Rússia. De outro, de uma falsa concepção teórica no que diz respeito ao fenômeno do atraso geral.

Os seres vivos – entre eles, naturalmente, o homem – atravessam estágios de desenvolvimento semelhantes com relação à idade. Numa criança normal de cinco anos, encontra-­se certa correspondência entre peso, tamanho e órgãos internos. Mas, isto não ocorre com a consciência humana. Em oposição à anatomia e à fisiologia, a psicologia, tanto a do indivíduo como a da coletividade, distingue-­se por uma extraordinária capacidade de assimilação, flexibilidade e elasticidade: nisto mesmo reside também a vantagem aristocrática do homem sobre seu parente zoológico mais próximo da espécie dos macacos. Como condição necessária ao progresso histórico, a consciência capaz de assimilar confere aos “organismos” chamados sociais, ao contrário dos organismos reais, isto é, biológicos, uma extraordinária variabilidade de estrutura interna. No desenvolvimento das nações e dos Estados, dos capitalistas em particular, não existe nem similitude nem uniformidade. Diferentes graus de cultura, até mesmo os polos opostos, aproximam-­se e combinam-­se com muita frequência na vida de um país. Não esqueçamos, queridos ouvintes, que o atraso histórico é uma noção relativa. Se existem países atrasados e avançados, há também uma ação recíproca entre eles. Há a opressão dos países avançados sobre os retardatários, bem como a necessidade para os países atrasados de alcançar aqueles mais adiantados, adquirir­-lhes a técnica, a ciência, etc. Assim surgiu um tipo combinado de desenvolvimento: os caracteres mais atrasados absorvem a última palavra da técnica e do pensamento mundiais. Enfim, os países historicamente atrasados são por vezes obrigados a ultrapassar os demais. A consciência coletiva vê a possibilidade de lograr, em certas condições, sobre a arena social, o resultado que, em psicologia individual, se chama “compensação”. Pode-­se afirmar, nesse sentido, que a Revolução de Outubro foi para os povos da Rússia um meio heroico de superar sua própria inferioridade econômica e cultural.

Passemos dessas generalizações histórico-políticas, que talvez soem um tanto abstratas, para focalizar a mesma questão de modo concreto, isto é, através de fatos econômicos vivos. O atraso da Rússia do século XX se expressa, mais claramente, da seguinte maneira: a indústria ocupa, nesse país, um lugar mínimo em comparação com o campo. Isto significa, no conjunto, uma baixa produtividade do trabalho nacional. Basta dizer que, às vésperas da Guerra, quando a Rússia czarista alcançara o cume de sua prosperidade, a renda nacional era de oito a dez vezes inferior à dos Estados Unidos. Isto expressa, numericamente, a “amplitude” do atraso, se é que podemos nos servir da palavra amplitude no que se refere a atraso. Ao mesmo tempo, a lei do desenvolvimento combinado manifesta-­se a cada passo, no domínio econômico, tanto nos fenômenos simples como nos complexos. Quase sem rotas nacionais, a Rússia viu­-se obrigada a construir vias férreas. Sem haver passado pelo artesanato e pela manufatura europeias, a Rússia saltou diretamente para a produção mecanizada. Saltar as etapas intermediárias, tal é o caminho dos países atrasados. Enquanto a economia camponesa permanecia frequentemente ao nível do século XVII, a indústria russa achava-­se no mesmo nível dos países avançados e por vezes os sobrepunha em muitos aspectos, se não em capacidade, pelo menos no seu tipo.

Assinalo que as empresas gigantes, com mais de mil operários, ocupavam, nos Estados Unidos, menos de 18% da totalidade dos operários industriais, enquanto na Rússia a proporção era de 41%. Este fato não confirma a concepção trivial do atraso econômico da Rússia. Mas, por outro lado, também não nega o atraso geral. As duas concepções completam-­se dialeticamente. A estrutura de classe do país também apresentava o mesmo caráter contraditório. O capital financeiro da Europa industrializava a economia russa num ritmo acelerado. A burguesia industrial logo adquiria o caráter do grande capitalismo, inimigo do povo. Além do mais, os acionistas estrangeiros viviam fora do país, enquanto, por outro lado, os operários eram autenticamente russos. A burguesia russa, numericamente débil e sem nenhuma raiz nacional, confrontava um proletariado relativamente forte e com fortes e profundas raízes no povo. Para o caráter revolucionário do proletariado, contribuiu o fato de que a Rússia, precisamente como país atrasado e forçado a abrigar os adversários, não chegou a elaborar um conservadorismo social e político próprio. A Inglaterra, como a nação mais conservadora da Europa e ainda do mundo inteiro, o mais velho país capitalista, me dá razão. Seria possível considerar a Rússia como um país desprovido de conservadorismo. O proletariado russo, jovem, resoluto, não constituía, contudo, mais que uma pequena minoria da nação. As reservas de sua potência revolucionária encontrava-­se fora de seu próprio seio: no campesinato, que vivia numa semisservidão, e nas nacionalidades oprimidas.

A questão agrária formava a base da revolução. A antiga servidão, que mantinha a autocracia, resultava duplamente insuportável nas condições da nova exploração capitalista. A comunidade agrária era composta de 140 milhões de deciatinas[1]. A 30 mil grandes latifundiários, possuidores cada um de em média de 2.000 deciatinas, corresponderia um total de 70 milhões de deciatinas, isto é, a mesma propriedade de cerca de 10 milhões de famílias camponesas, ou seja, 50 milhões de pessoas. Esta estatística da terra constituía um programa acabado da insurreição camponesa. Um nobre, Borbokin, escrevia em 1917 a Rodzianko, Presidente da Última Duma do Estado: “Eu sou um proprietário, latifundiário e não me ocorre pensar nem por um momento que tenha de perder minha terra, muito menos para um fim inacreditável: para fazer uma experiência socialista”. Mas as revoluções sempre têm como objetivo a mesma tarefa: realizar o que não entra na cabeça das classes dominantes.

No outono de 1917, quase todo o país era um vasto campo de levantes camponeses. De 621 distritos da velha Rússia, 482, isto é, 77%, estavam conflagrados pelo movimento. A luz do incêndio iluminava a sublevação nas cidades. Porém – poderiam objetar –, a guerra camponesa contra os latifundiários é um dos elementos clássicos da revolução burguesa e não da revolução proletária. Eu respondo: completamente justo. Assim aconteceu no passado. Mas, agora, a impotência do capitalismo para viver num país atrasado revela-­se no fato de que a sublevação camponesa não empurrou para a frente a burguesia russa, senão, pelo contrário, a colocou no campo da reação. Para não fracassar, não restava ao campesinato outro caminho senão a aliança com o proletariado industrial. Lênin genialmente previu essa ligação revolucionária entre as classes oprimidas, e a preparou há muito tempo. Se a burguesia pudesse resolver a questão agrária francamente e com toda a segurança, o proletariado não poderia conquistar o poder em 1917. Chegando demasiadamente tarde, mergulhada precocemente na decrepitude, a burguesia russa, egoísta e covarde, não teve a ousadia de levantar a mão contra a propriedade feudal. E assim deixou o poder ao proletariado e, ao mesmo tempo, o direito de dispor da sorte da sociedade burguesa. Para que o Estado Soviético fosse realidade, era sobretudo necessária a ação combinada destes fatores de naturezas históricas distintas: a guerra camponesa, um movimento característico da aurora do movimento burguês; e a sublevação proletária, que anuncia o crepúsculo do capitalismo. Aí reside o caráter combinado da revolução russa. Bastava que o urso camponês se levantasse sobre as patas traseiras para mostrar o terrível de sua fúria. Mas o urso camponês carecia de capacidade para dar à sua revolta uma expressão consciente: tem sempre a necessidade de um guia. Pela primeira vez na história do movimento social, o campesinato sublevado encontrou um dirigente leal: o proletariado. Quatro milhões de operários da indústria e dos transportes lideraram cem milhões de camponeses. Tal foi a relação natural e inevitável entro o proletariado e a classe camponesa na revolução.

A segunda reserva revolucionária do proletariado era constituída pelas nacionalidades oprimidas, ainda assim integradas em sua maioria por camponeses. O caráter extensivo do desenvolvimento do Estado, que se esparramava desde o centro de Moscou até a periferia, está intimamente ligado ao atraso histórico do país. Ao Leste, subordinava as populações mais atrasadas para melhor afogar, com seu apoio, as nacionalidades mais desenvolvidas do Oeste. Aos setenta milhões de grão­-russos, que formam a massa principal da população, somam-­se, dessa forma, noventa milhões de “alógenos”. Formou-­se assim o Império, em cuja composição a nação dominante possuía cerca de 43% da população, sendo os 57% restantes formados por uma mescla de nacionalidades, culturas e regimes distintos. Na Rússia, a opressão nacional era incomparavelmente mais brutal que nos Estados vizinhos, dominando, em verdade, não apenas os que estavam do outro lado da fronteira ocidental, mas também da oriental. Tal estado de coisas emprestava ao problema nacional enorme força explosiva. A burguesia liberal russa não queria, nem na questão nacional, nem na questão agrária, ir além de certas reformas para atenuar o regime de opressão e violência. No curso dos oito meses de sua existência, os governos “democratas” de Miliukov e Kerenski, que exprimiam os interesses da burguesia e da burocracia grão-russa, dedicaram-­se a ensinar-­lhes a seguinte lição: “não obterão o que procuram até que o arranquem pela força”. Há muito tempo, Lênin já considerava a inevitabilidade do movimento nacional centrífugo. O Partido Bolchevique lutou, durante anos, pelo direito de autodeterminação das nacionalidades, isto é, pelo direito à completa separação estatal. Foi precisamente por causa desta correta posição na questão nacional que o proletariado russo pôde ganhar, pouco a pouco, a confiança das populações oprimidas. O movimento de libertação nacional e o movimento camponês voltaram-­se, forçosamente, contra a democracia oficial, fortaleceram o proletariado e lançaram-­se na correnteza da insurreição de outubro.

Assim, levanta-­se gradativamente, o véu do enigma da insurreição proletária num país historicamente atrasado. Muito tempo antes dos acontecimentos, os revolucionários marxistas previram a marcha da revolução e a função histórica do jovem proletariado russo. Permitam­-me aqui reproduzir um extrato de minha própria obra sobre a Revolução de 1905:

“Num país economicamente atrasado, o proletariado pode chegar ao poder antes que um país adiantado. A revolução russa cria (…) condições, mediante as quais o poder pode passar (como a vitória da revolução deve passar) ao proletariado antes que a política do liberalismo burguês tenha possibilidade de soltar seu gênio estadista. O destino dos interesses revolucionários mais elementares dos camponeses (…) está fortemente ligado ao destino de toda a revolução, ao destino do proletariado. Uma vez chegado ao poder, o proletariado aparecerá aos camponeses como libertador de sua classe. O proletariado entra no governo como representante revolucionário da nação, como condutor reconhecido do povo na luta contra o absolutismo e a barbárie da servidão. O regime proletário deverá desde o princípio pronunciar­-se sobre a questão agrária, que está ligada à sorte do avanço popular da Rússia”.

Permitam-me evocar esta citação como testemunha de que a teoria da Revolução de Outubro, apresentada hoje por mim, não é um improviso rápido, contraído a posteriori, sob a pressão dos acontecimento. Não. Pelo contrário, foi formulada sob a forma de prognóstico político muito antes da Revolução de Outubro. Os senhores hão de convir que a teoria em geral não tem valor senão na medida em que ajuda a prever o curso do desenvolvimento e influencia os seus objetivos. Nisto mesmo consiste, falando em termos gerais, a importância inestimável do marxismo como arma de orientação social e histórica. Lamento que os estreitos limites desta exposição me impeçam de estender o texto citado de maneira mais ampla e, por isso, terei que me conformar com um curto resumo de tudo o que escrevi em 1905.

Em relação às suas tarefas imediatas, a revolução é uma revolução burguesa. No entanto, a burguesia russa é antirrevolucionária. Por conseguinte, a vitória da revolução só é possível como vitória do proletariado. O proletariado vitorioso não se deterá no programa da democracia burguesa e passará imediatamente ao programa do socialismo. A revolução russa será a primeira etapa da revolução socialista mundial. Tal era a teoria da revolução permanente, elaborada por mim em 1905 e, mais tarde, exposta a crítica mais exacerbada sob o apelido de “trotskismo”. Isto não é mais que uma parte desta teoria.

A outra parte, agora particularmente atual, expressa: As atuais forças de produção há muito extravasaram as barreiras nacionais. A sociedade socialista é irrealizável nos limites nacionais. Por mais importantes que sejam os êxitos econômicos de um Estado operário isolado, o programa do “socialismo num só país”, é um utopia pequeno-burguesa. Só uma federação europeia e, posteriormente, mundial de repúblicas socialistas pode abrir o caminho a uma sociedade socialista harmônica.

Hoje, depois da prova dos acontecimentos, tenho menos razão do que nunca para ratificar esta teoria.

Depois de tudo que disse, merece que se leve em conta os escritor fascista Malaparte? Este que me atribui uma tática independente da estratégia, resultante de certas técnicas aplicáveis em todo momento? Tais receitas fornecidas pelo infeliz teórico do golpe de Estado permite distingui­-lo facilmente do prático vitorioso do golpe de Estado. E ninguém correrá o risco de confundir Malaparte com Bonaparte.

Sem a insurreição armada de 25 de outubro de 1917 (7 de novembro, segundo o calendário atual), o Estado Soviético não existiria. Mas a insurreição não nasceu do céu. Para o triunfo da revolução de outubro eram necessárias uma série de premissas históricas:

1. A podridão das velhas classes dominantes, da nobreza, da monarquia, da burocracia.

2. A debilidade política da burguesia, que não tinha nenhuma raiz nas massas populares.

3. O caráter revolucionário da questão agrária.

4. O caráter revolucionário do problema das nacionalidades oprimidas.

5. O peso social do proletariado.

A estas premissas orgânicas é preciso juntar condições de conjunturas de excepcional importância:

6. A revolução de 1905 foi uma grande lição ou, segundo Lênin, “um ensaio geral” da revolução de 1917. Os sovietes, como forma de organização insubstituível de frente única proletária, apareceram pela primeira vez na Revolução de 1905.

7. A guerra imperialista aguçou todas as contradições, arrancou as massas atrasadas do seu estado de imobilidade, preparando-­as para o caráter grandioso da catástrofe.

Porém, todas estas condições, suficientes para que irrompesse a revolução, eram insuficientes para assegurar vitória do proletariado.

Faltava uma oitava condição: o Partido Bolchevique.

Se enumero esta condição em último lugar da série é só porque assim corresponde à sequência lógica e não porque atribua ao partido o lugar de menor importância. Muito pelo contrário. A burguesia liberal pôde tomar o poder, e o fez muitas vezes, como resultado de lutas nas quais não havia participado. Para isso possui instrumentos magnificamente desenvolvidos. As massas trabalhadoras encontram­-se numa outra situação. Acostumaram-­se a dar e não a tomar. Trabalham pacientemente, esperam, perdem a paciência, sublevam­-se, combatem, morrem, dão a vitória a outros, são traídas, caem no desalento, submetem-­se, voltam a trabalhar. Assim é a história das massas populares sob todos os regimes. Para tomar com segurança e firmeza o poder o proletariado tem necessidade de um partido superior a todos os demais na clareza do pensamento e na decisão revolucionária. O partido dos bolcheviques, assim designado com frequência, e com razão, como partido mais revolucionário da história da humanidade, era a condensação viva da nova história da Rússia, de tudo o que nela havia de dinâmico. Havia muito tempo que se considerava o desaparecimento da monarquia como a condição indispensável para o desenvolvimento da economia e da cultura. Faltavam as forças para levar adiante esta tarefa. À burguesia horrorizava a ideia da revolução. Os intelectuais tentaram conduzir o campesinato sobre os ombros. Incapaz de generalizar suas próprias penas e objetivos, o mujique não deu uma resposta ao apelo dos intelectuais. A intelligentsia armou-­se de dinamite. Toda uma geração se consumiu nesta luta. Em 1o de março de 1887, Alexandre Ulianov levou a cabo o último dos grandes atentados terroristas. A tentativa contra Alexandre III fracassou. Ulianov e os demais participantes foram enforcados. A tentativa de substituir a classe revolucionária por uma preparação química naufragou. A inteligência mais heroica não é nada sem as massas. Sob a impressão imediata destes fatos e de suas conclusões, cresceu e formou­-se o mais jovem dos irmãos Ulianov, Vladimir, o futuro Lênin. A figura mais grandiosa da história russa. Desde o princípio, em sua juventude, colocou-­se sob o terreno do marxismo e voltou seu olhar para o proletariado. Sem perder um instante de vista a aldeia, orientou­-se para o campesinato através dos operários. Herdando de seus precursores revolucionários a resolução, a capacidade de sacrifício, a disposição de chegar até o fim, Lênin converteu-­se, nos anos da juventude, no educador da nova geração dos intelectuais e dos operários avançados. Nas greves e nas lutas de rua, nas prisões e no exílio, os operários adquiririam o temperamento necessária. A lanterna do marxismo lhe será necessária para iluminar na escuridão da autocracia seu caminho histórico.

II

Em 1883, nasceu, na emigração, o primeiro grupo marxista. Em 1898, numa Assembleia clandestina, proclamou-­se a criação do Partido Operário Social-democrata Russo. Naquela época, todos nós chamávamos social-democratas. Em 1903, teve lugar a cisão entre bolcheviques mencheviques. Em 1912, a fração bolchevique transformou-­se definitivamente em partido autônomo. Este partido ensinou a reconhecer a mecânica das classes sociais nas lutas, nos acontecimentos grandiosos, durante 12 anos (de 1905 a 1917). Educou quadros, militantes aptos, tanto para a iniciativa como para a obediência. A disciplina da ação revolucionária apoiava-­se sobre a unidade da doutrina, as tradições de lutas comuns e a confiança numa direção provada. Tal era o partido em 1917. Enquanto “a opinião pública” oficial e as toneladas de papel de imprensa não lhe concediam importância, o partido bolchevique orientava-­se segundo o curso do movimento de massas. A formidável alavanca que esse partido manejava firmemente era introduzida nas fábricas e nos regimentos. Já as massas camponesas, dirigiam cada vez mais e com mais insistência suas atenções para ele. Se se entende por nação não as camadas privilegiadas e sim a maioria do povo, isto é, os operários e os camponeses, há que se reconhecer que o bolchevismo se transformou, no decorrer de 1917, no único partido verdadeiramente nacional.

Em setembro de 1917, Lênin, obrigado a viver na clandestinidade, deu o sinal: “A crise está madura. Aproxima-­se a hora da insurreição”. Estava certo. As classes dominantes caíram impotentes diante dos problemas da guerra, do campo e da libertação nacional. A burguesia perdeu definitivamente a cabeça. Os partidos democratas, os mencheviques e os socialistas revolucionários dissiparam o último resto da confiança das massas, sustentando a guerra imperialista por sua política de compromissos e de concessões aos proprietários burgueses e feudais. O exército, abalado em sua consciência, se negava a lutar pelos objetivos do imperialismo, que lhes eram estranhos. Sem atender as exortações “democráticas”, os camponeses expulsaram os latifundiários de seus domínios. A periferia nacional do Império, oprimida, se lançou contra a burocracia de Petrogrado. Os bolcheviques dirigiam os mais importantes conselhos de operários e soldados. Operários e soldados exigiam fatos. O abscesso estava maduro. Só faltava um corte de bisturi.

A insurreição só se tornou possível nessas condições sociais e políticas. E assim aconteceu inelutavelmente. Não se pode brincar com a insurreição. Desgraçado do cirurgião que utiliza o bisturi com negligência. A insurreição é uma arte: tem suas leis e as suas próprias regras.

O partido realizou a insurreição de outubro com um cálculo firo e uma resolução ardente. Graças a isso, pôde triunfar quase sem vítimas. Por meio dos sovietes vitoriosos, os bolcheviques puseram-­se à testa do país que abarca um sexto da superfície da terra. Suponho que a maioria dos meus ouvintes de hoje ainda não se ocupavam da política em 1917. Tanto melhor. A jovem geração tem diante de si muitas coisas interessantes, mas não fáceis. Por outro lado, os representantes da velha geração, nesta sala, recordarão muito bem como se recebeu a tomada do poder pelos bolcheviques: como um equívoco, uma curiosidade, um escândalo, ou, mais ainda, uma pesadelo que se desvaneceria à primeira claridade da alvorada. Os bolcheviques mantiveram-­se por vinte e quatro horas, uma semana, um mês, um ano. Era preciso ampliar cada vez mais o prazo. Os amos do mundo armavam­-se contra o primeiro Estado proletário: desencadeamento da guerra civil, novas e novas intervenções, bloqueio. Assim passou um ano. Passou outro. E a historia já conta quinze anos de existência do poder soviético. Sim, diria algum adversário: “a aventura de outubro mostrou-­se muito mais sólida do que pensávamos.” Talvez não fosse de todo uma “aventura”. E, não obstante, a questão conserva toda a sua força: “o que se ganhou a esse preço tão elevado? É possível dizer que se realizaram as belezas anunciadas pelos bolcheviques antes da insurreição?” Antes de responder ao suposto adversário, observemos que esta pergunta não é nova. Ao contrário, remonta aos primeiros passos da Revolução de Outubro, depois do nascimento da República dos Sovietes.

O jornalista francês Claude Anet, que estava em Petrogrado durante a revolução, escrevia em 27 de outubro de 1917: “Os maximalistas – assim os franceses chamavam então os bolcheviques – tomaram o poder e amanheceu o grande dia. Enfim, vou ver como se realiza o ‘Éden Socialista’ que nos prometem há tantos anos… Admirável aventura! Posição privilegiada!” Que autêntico ódio se ocultava por traz dessas saudações irônicas! No dia seguinte à ocupação do Palácio do Inverno, o jornalista francês julgava­-se no direito de exigir um cartão de entrada no Paraíso. Quinze anos transcorreram desde a insurreição. Com uma falta de cerimônia ainda maior, os adversários manifestam sua alegria maligna ao comprovar que, ainda hoje, o país dos sovietes se assemelha muito pouco ao reino do bem-­estar geral. Por que, pois, a revolução? Por que as vítimas?

Caros ouvintes, creio que conheço tanto as contradições, as dificuldade, as faltas e as insuficiências do regime soviético como o que melhor as conhece. Pessoalmente, jamais tratei de dissimulá-­las, nem por palavras nem por escrito. Sempre acreditei e sigo acreditando que a política revolucionária, ao contrário da política conservadora, não pode estar baseada no engodo. “Exprimir o que é: tal deve ser o princípio essencial do Estado operário”. Não obstante, é necessário ter perspectiva, tanto na crítica quanto na atividade criadora. O subjetivismo é um péssimo conselheiro, sobretudo quando se trata de grandes questões. Os prazos devem estar em consonância com a magnanimidade das tarefas e não com os caprichos individuais. Quinze anos! O que significam para uma vida? Durante esse tempo, morreram muitos de nossa geração e outros viram embranquecer seus cabelos, e os mesmos quinze anos não representam mais que um período insignificante na vida de um povo. Um segundo no relógio da História!

O capitalismo precisou de séculos para afirmar­-se na luta contra a Idade Média, para elevar a ciência e a técnica, para construir vias férreas, para estender fios elétricos. E depois? Depois lançou a humanidade no inferno das guerras e das crises. E ao socialismo, seus adversários, isto é, os partidários do capitalismo, não lhe concedem mais que quinze anos para instaurar sobre a terra o paraíso com todo o conforto moderno. Não. Nós não assumimos tal obrigação. Não estabelecemos tais prazos. Devem-­se medir os processos das grandes transformações com uma escala adequada. E não sei se a sociedade socialista se assemelharia ao paraíso bíblico. Duvido muito. Mas, na União Soviética, ainda não existe o socialismo. Um estado de transição, coalhado de contradições, carregando pesada herança do passado, sofrendo a pressão inimiga dos Estados capitalistas – isto é o que ali predomina. A Revolução de Outubro proclamou o princípio da nova sociedade. A República dos Sovietes apenas mostrou a primeira etapa de sua realização. A primeira lâmpada de Edson foi muito imperfeita. Por traz das faltas e dos erros da primeira edificação socialista que se deve vislumbrar o futuro.

E as calamidades que se abatem sobre os seres vivos? Os resultados da revolução justificam as vítimas que ela causou? Pergunta estéril e profundamente retórica! Como se o processo da história resultasse de um balanço contábil. Com tanto mais razão, ante as dificuldades e as penas da existência humana, seria possível perguntar: para isso é que vale a pena viver? Heine escreveu a este propósito: “e o tonto espera contestação…” As meditações melancólicas não impediram o homem de fecundar e nascer. Mesmo nesta época de crise mundial sem precedentes, os suicídios felizmente constituem uma porcentagem muito baixa. Pois, os povos não tem o costume de buscar no suicídio um refúgio. Aliviam-­se das cargas insuportáveis pela revolução. Por outro lado, quem se indigna por causa das vítimas da revolução socialista? Quase sempre serão os mesmos que prepararam e glorificam as vítimas da guerra imperialista ou, pelo menos, os que se acomodaram facilmente ao conflito. Também nos poderíamos perguntar: Justifica­se a guerra? O que nos deu? O que nos ensinou?

Em seus onze volumes de difamação contra a grande Revolução Francesa, o historiador Hipólito Taine descreve, não sem sórdida alegria, os sofrimentos do povo francês nos anos da ditadura jacobina e naqueles que se seguiram a ela. Foram, sobretudo, penosos para as camadas inferiores das cidades, os plebeus que, como sans-culottes, deram à revolução o melhor de sua alma. Eles ou suas mulheres passavam noites frias nas filas para voltar no dia seguinte com as mãos vazias ao lar gelado. No décimo ano da revolução, Paris era mais pobre que antes da insurreição. Dados cuidadosamente escolhidos e artificiosamente completados servem a Taine para fundamentar seu veredicto destruidor contra revolução. “Olhem os plebeus, que queriam ser ditadores e caíram na miséria!” É difícil imaginar um moralista mais hipócrita. Em primeiro lugar, se a revolução lançou o país na miséria, a culpa recairia antes de tudo sobre as classes dirigentes, que empurravam o povo à revolução. Em segundo lugar, a grande revolução francesa não se esgotou nas filas da fome, diante das padarias. Toda a França moderna e, sob certo aspectos, toda a civilização moderna, emergiram do banho da Revolução Francesa.

No curso da guerra civil dos Estados Unidos, morreram 500 mil homens. Justificam-­se essas vítimas? Do ponto de vista do dono de escravos americano e das classes dominantes da Grã-Bretanha, não. Do ponto de vista do negro e do operário britânico, completamente. E do ponto de vista do desenvolvimento da humanidade em seu conjunto, não nos oferece a menor dúvida. Da guerra civil dos anos 1860 saíram os Estados Unidos atuais, com a sua iniciativa prática e veloz, a técnica racionalizada, o auge econômico. Sobre essas conquistas do americanismo a humanidade edificará a nova sociedade.

A Revolução de Outubro penetrou mais profundamente que todas as precedentes no âmago da sociedade, nas relações de propriedade. Assim, precisará de prazos tanto maiores para que se manifestem as forças criadoras em todos os domínios da vida. Mas, a orientação geral é clara desde já: a República do Sovietes não tem por que abaixar a cabeça nem empregar a linguagem da desculpa diante dos seus acusadores capitalistas. Para apreciar o novo regime do ponto de vista do desenvolvimento humano, deve-se focalizar, acima de tudo, esta questão: de que maneira se exterioriza o progresso social e como é possível medi-­lo? O critério mais objetivo, mais profundo e mais indiscutível é: o progresso pode ser medido pelo crescimento da produtividade do trabalho social. Sob este ângulo, a experiência já deu a estimativa da Revolução de Outubro. Pela primeira vez na história, o princípio de organização socialista demonstrou sua capacidade, fornecendo resultados de produção jamais obtidos num curto período. Em cifras globais, a curva do desenvolvimento industrial da Rússia se expressa desta forma: ponhamos para o ano de 1913, o último ano anterior à Guerra, o número 100. O ano 1920, fim da guerra civil, é o ponto mais baixo da indústria: 25 somente, isto é, um quarto da produção de antes da Guerra. Em 1929, aproximadamente 200. Em 1932, 300, ou seja, o triplo do que havia nas vésperas da guerra. O quadro aparecerá ainda mais claro à luz dos índices internacionais. De 1925 a 1932, a produção industrial da Alemanha diminuiu aproximadamente em um e meio. Na América alcançou aproximadamente o dobro. Na União Soviética, subiu a mais do quádruplo. As cifras não podem ser mais eloquentes.

De maneira nenhuma penso negar ou dissimular os dados sombrios da economia soviética. Os resultados dos índices industriais estão extraordinariamente influenciados pelo desenvolvimento desfavorável da economia agrária, quer dizer, do domínio onde ainda não entraram os métodos socialistas, mas em que foi arrastado, ao mesmo tempo, a via da coletivização, sem preparação suficiente, mais burocrática do que técnica e econômica. Esta é uma grande questão que não obstante, ultrapassa os limites da minha conferência.

As cifras apresentadas requerem ainda uma reserva essencial: os êxitos indiscutíveis e brilhantes da industrialização soviética exigem uma verificação econômica ulterior do ponto de vista da harmonia recíproca dos diferentes elementos da economia, de seu equilíbrio dinâmico e, por conseguinte, de sua capacidade de rendimento. Aqui são inevitáveis grandes dificuldades e também retrocessos. O socialismo não surge em sua forma acabada do Plano Quinquenal, como Minerva da cabeça de Júpiter ou Vênus da espuma do mar. Estamos diante de décadas de trabalho obstinado, de faltas, de correções e de reconstrução. Por outro lado, não esqueçamos que a edificação socialista não pode alcançar seu coroamento senão sobre o plano internacional. O balanço econômico mais desfavorável dos resultados obtidos até o presente não poderia revelar outra coisa senão a inexatidão dos cálculos preliminares, as faltas do plano e os erros da direção. Mas, em nenhum caso, contradizer o fato estabelecido empiricamente, a saber, a possibilidade de elevar o trabalho coletivo a uma altura jamais conhecida com a ajuda dos métodos socialistas. Esta conquista, de uma importância histórica mundial, ninguém nos poderá arrebatar.

Depois do que disse, quase não vale a pena perder tempo para contestar as lamentações segundo as quais a Revolução de Outubro conduziu a Rússia ao ocaso da cultura. Tal é a voz das classes dominantes e dos salões inquietos. A “cultura” aristocrático-burguesa que foi derrubada pela revolução proletária não era mais que um complemento da barbárie. Tanto que foi inacessível ao povo russo que pouco aportou ao tesouro da humanidade. Mas também no que concerne a esta cultura, tão chorada pela emigração branca, é necessário precisar a questão: em que sentido foi destruída? Num só sentido: o monopólio de uma pequena minoria sobre os bens da cultura desapareceu. No que era realmente cultural permanece intacto. Os “hunos” bolcheviques não pisotearam nem as conquistas do pensamento nem as obras de arte. Pelo contrário, restauraram, cuidadosamente, os monumentos da criação humana e lhes deram ordem exemplar. A cultura da monarquia, da nobreza e da burguesia, converteu-­se presentemente na cultura dos museus históricos. O povo visita com fervor esses museus, mas neles não vive. Aprende, constrói. O fato de que a Revolução de Outubro ensinou ao povo russo, aos numerosos povos da Rússia czarista, a ler e a escrever tem incomparavelmente mais importância do que toda a cultura em conserva da Rússia de outrora. A revolução russa criou a base de uma nova cultura, destinada não aos eleitos, mas a todos. As massas do mundo inteiro o sentem: daí a sua simpatia pela União Soviética, tão ardente como era antes o seu ódio contra a Rússia czarista.

Caros ouvintes, os senhores sabem que a linguagem humana representa um instrumento insubstituível, não somente porque designa as coisas e os fatos, mas também porque os estima. Descartando o acidental, o episódico, o artificial, absorve o real, o característico. Notem com que sensibilidade as línguas das nações civilizadas distinguiram duas épocas no desenvolvimento da Rússia. A cultura aristocrática trouxe ao mundo barbarismos tais como o czar, o cossaco, o progrom, o nagaia. Conhecem estas palavras e sabem seu significado. Outubro aportou a todas as línguas do mundo palavras tais como bolchevique, sovietes, colcós, gosplan, piatlitka. Aqui a linguística prática emite seu julgamento histórico.

Toda revolução forma e tempera o caráter do povo: esta é o seu significado mais profundo e que mais dificilmente foi submetido a uma nova prova imediata. A imagem do povo russo como um povo lento, passivo, melancólico, místico, está há muito difundida e isto não se deve a uma casualidade. Tem suas raízes no passado. Mas, no Ocidente, ainda não se levaram suficientemente em consideração as modificações profundas que a Revolução de Outubro introduziu no caráter do povo russo. E poderia se esperar outra coisa? Todo homem que tenha uma experiência de vida pode se lembrar da imagem de um adolescente qualquer por ele conhecido que – de impressionável, lírico, sentimental… – se transforma, mais tarde, de um só golpe, sob a ação de forte choque moral, num homem forte, bem temperado até o ponto de ficar completamente irreconhecível. No desenvolvimento de uma nação, a revolução realiza transformações análogas. A insurreição de fevereiro contra a autocracia; a luta contra a nobreza, contra a guerra imperialista pela paz, pela terra, pela igualdade nacional; a insurreição de outubro, a derrubada da burguesia e dos partidos com tendências a sustentá-­la; três anos de guerra civil sobre uma frente de 8.000 quilômetros; os anos de bloqueio, de miséria, de fome, de epidemias; os anos de tensa edificação econômica; as novas dificuldades e privações – tudo isso integra uma escola rude, no entanto boa. Um pesado martelo fará do vidro pó. Mas em troca forja o aço. O martelo da revolução forja o aço do caráter do povo.

“Quem haveria de crer?” Já se deveria crer. Pouco depois da insurreição, um dos generais czaristas, Zaleski, se escandaliza que “um porteiro ou um guarda se convertesse de pronto num presidente de tribunal; um enfermeiro, em diretor de hospital; um barbeiro, em personalidade importante; um sargento, em comandante supremo; um diarista em prefeito; um carpinteiro, em diretor de empresa”.

“Quem haveria de crer?” Já se deveria crer. Embora não se acreditasse, os sargentos já derrotavam os generais; o prefeito, antes diarista, rompia a resistência da velha burocracia; o carpinteiro, agora diretor, reconstruía a indústria. “Quem haveria de crer?” Que tratem agora de crer…

Para explicar a paciência que as massas populares da União Soviética demonstraram nos anos da revolução, muitos observadores estrangeiros recorrem, já por hábito, à passividade do caráter russo. Grosseiro anacronismo! As massas revolucionárias suportam as privações pacientemente, mas não passivamente. Elas constroem com suas próprias mãos um futuro melhor. E querem criá-­lo a qualquer preço. Que o inimigo de classe trate somente de impor a essas massas pacientes sua vontade, de fora. Não, mais vale que não tente!

Para terminar, tratemos de fixar o lugar da Revolução de Outubro, não somente na história da Rússia, como também na história do mundo. Durante o ano de 1917, no intervalo de oito meses, duas curvas históricas convergem. A revolução de fevereiro – este eco tardio das grandes lutas que se travaram nos séculos passados sobre o território dos Países Baixos, Inglaterra, França e quase toda a Europa continental – une­-se à série de revoluções burguesas. A Revolução de Outubro proclama e abre a era da dominação do proletariado. O capitalismo mundial sofre no território russo a primeira grande derrota. A cadeia partiu-­se pelo elo mais fraco. Mas foi a cadeia e não somente o elo que se quebrou.

O capitalismo, como sistema mundial, apenas sobrevive historicamente. Terminou de cumprir sua missão: a elevação do nível de poder e da riqueza humana. A humanidade não pode estancar no degrau alcançado. Só um poderoso impulso das forças de produção e uma organização justa, planificada, em outras palavras, socialista de produção e de distribuição, pode assegurar aos homens – a todos os homens – o nível de vida digno de conferir­-lhes o sentimento inefável de liberdade a frente da sua própria economia. De liberdade em duas ordens de relações: primeiramente, o homem não se verá obrigado a consagrar sua vida inteira ao trabalho físico; em segundo lugar, já não dependerá das leis do mercado, isto é, da forças cegas e obscuras que operam fora de sua vontade. O homem edificará livremente sua economia, quer dizer, ajustada a um plano, com o compasso na mão. Trata-­se agora de radiografar a anatomia da sociedade, de descobrir todos os seus segredos e submeter todas as suas funções à razão e à vontade do homem coletivo. Neste sentido, o socialismo gera uma nova etapa no crescimento histórico da humanidade. Aos nossos antepassados, armados pela primeira vez com um machado de pedra, toda a natureza se apresenta como a conjuração de um poder misterioso e hostil. Mais tarde, às ciências naturais, em estreita colaboração com a tecnologia prática, iluminaram a natureza, até suas mais profundas entranhas. Por meio da energia elétrica, o físico elabora seu juízo sobre núcleo atômico. Não está longe a hora em que ­ como no jogo ­ a ciência resolverá a quimera da alquimia, transformando o esterco em ouro e o ouro em esterco. Lá, onde os demônios e as fúrias da natureza se desatavam, reina agora cada vez com mais a energia e a vontade do homem.

Mas, enquanto lutava furiosamente com a natureza, o homem criou as cegas relações com os demais, assim como as abelhas e as formigas. Com atraso e por demais indeciso, deparou com os problemas da sociedade humana. Começou pela religião para depois passar para a política. A Reforma trouxe o primeiro êxito do individualismo e do nacionalismo burguês, no domínio onde imperava uma tradição morta. O pensamento crítico passou da igreja ao Estado. Nascida na luta contra o absolutismo e as condições medievais, a doutrina da soberania popular e dos direitos do homem e do cidadão ampliou-­se e fortaleceu­se. Assim se formou o sistema do parlamentarismo. O pensamento crítico penetrou no domínio da administração do Estado. O racionalismo político da democracia significou a mais alta conquista da burguesia revolucionária.

Entre a natureza e Estado se interpôs a economia. A técnica libertou o homem da tirania dos velhos elementos – a terra, a água, o fogo, o ar – para submetê-­los em seguida à sua própria tirania. A atual crise mundial comprova de maneira particularmente trágica como este dominador altivo e audaz da natureza permanece escravo dos poderes cegos de sua própria economia. A tarefa histórica de nossa época consiste em substituir o jogo anárquico do mercado por um plano nacional, e disciplinar as forças de produção, em obrigá-­las a operar em harmonia, servindo docilmente às necessidades do homem. Somente sobre esta base social o homem poderá repousar suas costas fatigadas. Não os eleitos, mas todos e todas, tornando­-se cidadãos com plenos poderes do domínio do pensamento. No entanto, ainda não é esta a meta do caminho. Não. Isto não é mais que o princípio. O homem se considera o coroamento da criação. Tem para isso, sim, certos direitos. Mas quem se atreve a afirmar que o homem atual seja o último representante, o mais elevado da espécie homo sapiens? Ninguém. Tanto fisicamente quanto espiritualmente, está muito longe da perfeição este aborto biológico, do pensamento enfermo e que não criou nenhum novo equilíbrio orgânico.

A verdade é que a humanidade produziu mais uma vez gigantes do pensamento e da ação que superam os seus contemporâneos como picos numa cadeia de montanhas. O gênero humano tem perfeito direito de orgulhar-­se dos seus Aristóteles, Shakespeare, Darwin, Beethoven, Goethe, Marx, Edison, Lênin. Mas estes homens são tão raros? Antes de tudo porque saíram, quase sem exceção, das classes médias e elevadas. Salvo raras exceções, os gênios perdem-­se afogados nas entranhas oprimidas do povo, antes de encontrar possibilidade de brotar. Mas também porque o processo de geração de desenvolvimento e de educação do homem permanece, em sua essência, como obra da sorte, não elaborado pela teoria nem pela prática, não submetido à consciência e à vontade.

A antropologia, a biologia, a fisiologia, e a psicologia reuniram verdadeiras montanhas de materiais para erigir ante o homem, em toda sua amplitude, as tarefas de seu próprio aperfeiçoamento corporal e espiritual e de seu desenvolvimento ulterior. Pela mão genial de Sigmund Freud, a psicanálise levantou a tampa do poço que, poeticamente, se chama a “alma” do homem. E que revelou? Nosso pensamento consciente não constitui mais que uma pequena parte do trabalho das obscuras forças psíquicas. Sábios descem aos fundos dos oceanos e fotografam a fauna misteriosa das águas. Para que o pensamento humano desça às profundezas de seu próprio oceano psíquico, deve iluminar as forças motrizes, misteriosas, da alma e submetê-­las à razão e à vontade. Quando acabarem as forças anárquicas de sua própria sociedade, o homem irá integrar-se nos laboratórios, nas retortas do químico. Pela primeira vez, a humanidade irá considerar a si mesma como matéria-prima e, no melhor dos casos, como semi­fabricação física e psíquica. O socialismo significará um salto do reino da necessidade ao reino da liberdade, no sentido de que o homem de hoje, esmagado sob o peso de contradições e sem harmonia, abrirá o caminho a uma nova espécie mais feliz.

(Edição e revisão de Gustavo Rego a partir de material disponível em Marxists.org.)


1 Antiga medida agrária russa, equivale a aproximadamente um hectare.


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