Quais perspectivas para a esquerda alemã?

A trajetória recente do Die Linke demonstra que os partidos anticapitalistas devem estar atentos aos perigos da burocratização dentro das esferas parlamentares.

Loren Balhorn e Selim Nadi 4 ago 2017, 16:41

As próximas eleições na Alemanha estão marcadas para o outono. É também o momento em que pela primeira vez desde 1945 a extrema direita, representada pelo partido AFD – Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha), se estabelece como uma força política significativa. Nesse cenário, vale se interrogar sobre a esquerda alemã e, particularmente, sobre a trajetória, os fracassos e os desafios de Die Linke (A esquerda) para os próximos anos. Como veremos na entrevista a seguir, esse partido que é a principal voz da esquerda alemã contemporânea, se deparou com situações “clássicas” para aqueles que se preocupam com a construção de um partido anti-sistema. O problema da degeneração nas instâncias parlamentares, e a burocratização das instâncias partidárias são tratados nessa entrevista realizada por Selim Nadi com Loren Balhorn, militante norte-americano anticapitalista que vive em Berlim há alguns anos.

Selim Nadi – Em artigo publicado na revista Revolutionary Socialism in the 21st century, você escreveu que o partido alemão Alternative für Deutschland (AFD, extrema-direita) substituiu o Die Linke (A esquerda) no imaginário das classes médias e operária enquanto o principal partido de protesto na Alemanha . Como você explica isso?

Loren Balhorn – O que eu entendo com isso é que nas últimas eleições regionais grandes grupos (que não eram majoritários, da ordem de 10 a 25%) de sindicalistas e operários, votaram na AFD e citaram como razões principais para os seus votos, em primeiro lugar, a insatisfação política geral e, em seguida, a imigração.

Ainda que os resultados da Die Linke variem de estado para estado e que certas regiões sejam mais promissoras do que outras, o partido parece perder terreno em certas camadas da classe operária e, em relação aos eleitores insatisfeitos, particularmente nas regiões menos urbanas e economicamente marginalizadas. Este processo não é uma fatalidade e resta ver em que medida a AFD pode reproduzir o sucesso de seus homólogos europeus (a Alemanha não é, ao menos ainda, a France ou a Hungria), mas eu penso que nós podemos dizer que a era de ouro de 2004 a 2010, durante a qual o Die Linke representava a principal oposição no parlamento alemão e conseguia cativar as franjas da população politicamente marginalizadas, acabou.

Em sua criação o Die Linke podia se apoiar na politização crescente dos movimentos antibelicistas e antiausteiridade, se valendo de uma tendência de esquerda na sociedade e a transformando em uma série de vitórias eleitorais. Sete anos mais tarde, contudo, a economia se estabilizou sob o governo Merkel, os eleitores observam que as condições vêm se deteriorando nos demais países da União Europeia. Enquanto isso, o Die Linke participava da composição de parlamentos regionais, nos quais ele não foi capaz de oferecer uma diferença qualitativa ao establishment político ou uma estratégia coerente a ele. A meu ver, não é então surpreendente que nós estejamos perdendo votos e que nós consigamos apenas uma parcela do total de votos de protesto.

A instabilidade politica introduzida pelo AFD na política alemã, e o perigo real que representa o desenvolvimento de uma base organizada da extrema direita na classe trabalhadora alemã significam que o Die Linke não pode permitir contar apenas com as circunstâncias e as relações públicas estratégicas para construir a sua base. Por outro lado, ele precisa pensar mais seriamente no que significa representar os oprimidos e os explorados não apenas no parlamento, mas também no campo politico e de modo mais geral na vida pública. É, pra ser honesto, um desafio gigantesco que muitos membros do partido não pensam o bastante a respeito.

SN -Como a esquerda alemã pode mobilizar contra o crescimento do AFD? O Die Linke é capaz de oferecer uma verdadeira alternativa política? Existe na esquerda alemã, para além das manifestações das ruas, uma verdadeira reflexão política sobre a estratégia antirracista?

Trata-se, obviamente, da questão de um milhão de euros para a esquerda alemã hoje, e eu não acho que eu possa te dar uma resposta satisfatória. A maior parte de minha experiência prática quanto à organização antirracista data dos meus anos de estudos nos Estados Unidos, então quando eu olho a situação alemã eu sempre tendo a compreendê-la a partir de um prisma particular. Mas eu creio que existe um certo número do problemas sobre os quais trabalhar:

Em primeiro lugar, a esquerda alemã está dividida em torno da questão de saber qual é, exatamente, o problema. Para grande parte da esquerda radical, a Alemanha é uma sociedade racista particular que, por sua própria natureza, rejeita e ameaça os “outros”. De modo análogo aos anarcoliberais americanos que creditam a vitória eleitoral de Trump exclusivamente aos brancos racistas, esse tipo de narrativa confere um conforto moral aos radicais apaixonados, mas não se baseia, felizmente, na realidade e não é, portanto, muito útil para nos ajudar a desenvolver uma estratégia. Nós precisamos entender que o racismo não surge no vácuo, ao contrário, ele cresce em um contexto socioeconômico dinâmico e complexo, sobre o qual precisamos nos debruçar da mesma maneira que fazemos com o racismo se nós quisermos sair do lamaçal social sobre o qual ele floresce. No mais, precisamos desenvolver uma ideia realista de quem são os nossos inimigos, quem são nossos amigos e quem não escolheu o seu campo e, consequentemente, desenvolver nossa comunicação e estratégia a partir daí. Em nenhum caso nós podemos fechar os olhos para a opressão, mas nós também não deveríamos patologizá-la como sendo um característica imanente de certos grupos sociais, ou até mesmo de um país inteiro. Uma esquerda que se furta de ganhar a maioria da população para uma plataforma antirracista não deseja realmente ganhar. Felizmente, eu tenho a impressão que essas posições esquerdistas se tornam cada vez mais impopulares e que, mesmo dentro do Die Linke, são cada vez menos comuns. Existe sem nenhuma dúvida uma consciência real, dentro do partido, de que o populismo de direita é um perigo crescente que se valoriza sobre o sofrimento econômico e a exclusão social, de modo a estabelecer-se sobre as bases tradicionais da esquerda. Contudo, a questão de saber o que é preciso fazer a partir dessa ideia não é tão clara. Houve exemplos importantes de organizações antirracistas, além de tentativas de organizar comunidades de base nos bairros operários. Ao mesmo tempo, algumas personalidades mais infelizes da direção do Die Linke escreveram artigos risonhos que apenas podemos descrever como obreiristas e reducionistas, para não falar das opiniões de Sahra Wagenknecht (uma das principais lideranças do partido no parlamento alemão) sobre o tema. No mais, um governo liderado pelo Die Linke no estado da Turíngia está participando e colaborando com as deportações federais, justificando-se a partir de argumentos como a inviabilidade política e das restrições da democracia parlamentar.

É fácil, para mim, estar tranquilo aqui e dizer que o Die Linke deve combinar o antirracismo com as lutas sociais, qualquer um poderia dizer isso. Ainda que correta, esta afirmação permanece vazia de sentido e sem proposições concretas, em particular por que eu já critiquei as campanhas que existem em outros países. Mas no momento em que olhamos as tentativas de organizações nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, eu tenho a impressão de que, comparativamente, a distância entre a esquerda e os imigrantes e as demais comunidades de não brancos é maior na Alemanha. Isso tem a ver com diversos aspectos históricos, culturais e outros fatores que escapam ao objetivo dessa entrevista (e os quais, de todo modo, não tenho certeza de que eu possa responder), mas questionar esta lacuna me parece ser um obstáculo importante. Houve exemplos importantes de cooperação de comunidades, em Berlim e em outras cidades, nas lutas ligadas aos aluguéis e outras questões, e eu penso que este tipo de iniciativa é muito promissor para quem quer construir uma esquerda integrada social e culturalmente. Mas essas iniciativas permanecem, ainda, em estado embrionário.

Ainda que haja imigrantes dentro do partido e na esquerda, de maneira global nós permanecemos muito brancos para um país que tem tal quantidade de imigrantes: grandes comunidades turcas e árabes estabelecidas, por exemplo. A gente pode, além disso, dizer a mesma coisa a respeito da sociedade alemã como um todo, cuja a imagem segue sendo majoritariamente branca, apesar de décadas de imigração em massa. Eu creio que uma esquerda que saiba como ultrapassar essa barreira- não através de um golpe de mágica, mas por meio de um longo processo – estará em posição de vantagem para enfrentar o crescimento da extrema-direita. Uma esquerda que combine uma verdadeira organização antirracista orgânica com um programa econômico popular para neutralizar a direita e melhorar os padrões de vida para todos, sejam eles brancos ou não brancos. Os melhores momentos da história da esquerda socialista foram durante a época em que ela era um movimento de massa, capaz de atingir aqueles mais oprimidos da sociedade através de seu programa politico e sua reputação, mas também de integrá-los (e ensinar seus membros a tratá-los como iguais) em uma luta forte e organizada por um mundo melhor. Com certeza, essa dimensão não pode ser apenas uma vaga palavra-de-ordem em 2017.

SN -Você poderia falar um pouco mais a respeito da posição de Sahra Wagenknecht a respeito dos refugiados? Você acha que essa opinião pode ser entendida como algo novo na esquerda alemã? Trata-se de um epifenômeno ou de uma opinião difundida dentro do partido?

O meu amigo Leandros Fischer se debruçou sobre essa questão de maneira minuciosa e convincente em um artigo na revista Jacobin há algumas semanas atrás. Eu me limitaria, então, a revisitar o seu artigo já que eu não acho que posso fazer justiça a sua excelente argumentação. Em relação a sua segunda pergunta, eu diria que é complicado. Os comentários de Wagenknecht em relação à imigração certamente não ressoam na opinião individual da maioria dos membros do partido. Contudo, eu imagino que eles tenham certa penetração em alguns partidários do Die Linke que trabalham nos setores mais tradicionais da indústria e nas zonas rurais. O principal problema é que muitos membros de esquerda do Die Linke perceberam Wagenknecht como um baluarte contra a ala direitista do partido que se configura em torno de Gregor Gysu etc. O seu cavalo de paus jogou luz aos limites fundamentais da estratégia de longo prazo da ala esquerda do partido e, sinceramente, isso me assusta mais do que a perspectiva de euforia protecionista que pode conduzir o partido no futuro.

SN -Como você avalia o lugar do partido na correlação de forças na Alemanha, quer seja no nível parlamentar quer seja a nível extraparlamentar?

A nível nacional, o Die Linke segue sendo marginalizado pela esfera política dominante, se “normalizando” através da participação em inúmeros governos regionais da antiga Alemanha Oriental. A sua insignificância parcial a nível federal permite aos partidos dominantes cooptar nossas reivindicações mais populares imitando as nossas personalidades públicas e nossas reivindicações. Enquanto isso os governos regionais permitiram ao partido aparecer como um ator parlamentar normal, mais respeitável e que tivesse menos apelo junto aos eleitores desencantados.

Isso foi, gradualmente, adocicando a imagem radical do partido e consumindo sua capacidade de atingir a atenção para questões políticas escandalosas e populares mais negligenciadas, como a do salário mínimo O declínio de grande parte dos movimentos sociais (antiguerra, etc) fez o Die Linke perder sua base natural e reduzir a visibilidade do partido e da esquerda em geral. Eu não acho que a deriva do partido em direção ao establishment seja uma fatalidade (ao menos por enquanto), então nós vamos ver o que acontecerá no futuro.

Contudo, é preciso sublinhar a enorme diferença, material e prática, que faz o partido para a esquerda radical como um todo. Além de poder tornar públicas nossas ideias, um fato sem precedentes na Alemanha, o partido trouxe recursos pra esquerda em termos de espaços organizacionais, empregos nos aparelhos do partido, e a partir dos mandatos parlamentares. Trouxe também importantes aliados no parlamento e na mídia, além da produção acadêmica crítica e pesquisas de esquerda por meio da fundação Rosa Luxemburgo. Essas são importantes etapas qualitativas que favorecem a esquerda radical e que não devem ser ignoradas, quais sejam seus defeitos ou limites.

Ainda que a esquerda radical (em grupos como o Interventionistiche Linke e outras tendências pós-autonomistas) recrute um número importante de jovens militantes e faça parte da organização de diversas manifestações de massa no país, a existência do Die Linke fornece a eles novas perspectivas de ação e de visibilidade política. No mais, o Die Linke é capaz de atingir setores mais amplos da sociedade alemã do que os grupos a sua esquerda, que seguem sendo muito marginais.

Eu tenho a impressão de que as oportunidades de interação e de troca são muitas vezes ignoradas dos dois lados. Eles trabalham juntos na época das campanhas e durante as manifestações, mas não há nada que se assemelhe a um intercâmbio de estratégias ou de teorias entre os dois campos. Como eu acho que deveriam fazer as forças sociais sérias e cooperativas que trabalham em vista do mesmo objetivo. É ainda mais lamentável se levarmos em conta o fato de que a maior parte dos membros do Die Linke e a maior parte dos militantes autônomos compartilham, sem dúvida, um grande número de ideias políticas.

Enquanto a constelação política e econômica na Alemanha permanecer imutável, eu acho que essa dinâmica vai continuar. De todo modo, eu creio que o movimento pró-refugiados pode servir como uma espécie de coringa. Até aqui, não houve qualquer coisa parecida com uma auto-organização de massa daqueles que demandam abrigos na Alemanha. Eu imagino que isso se deva ao fato de que as condições para os refugiados são tão horríveis na maior parte dos países europeus que muitos nem mesmo ousam se engajar em atividades que lhes podem oferecer riscos. Mas, cedo ou tarde, ao menos que as condições não melhorem drasticamente, a gente começar a olhar essa questão com mais carinho. E a maneira que os diferentes partidos de esquerda reagirão a isso poderá trazer consequências importantes em relação ao próprio desenvolvimento desses partidos e à capacidade deles de crescer em meio a um ambiente de mudança política.

SN -Quais são os limites encontrados pelo Die Linke para modificar a correlação de forças na Alemanha?

O Die Linke sofre, sobretudo, do fato que falta a ele uma base real de militantes entre a juventude, nos meios progressistas alemães e no movimento operário – ainda que haja contrastes nas evoluções que mostre exemplos mais positivos neste último caso. Isso limita o partido ao trabalho parlamentar e às aparições simbólicas nas manifestações, mas, no geral, o grosso do trabalho de base não é feito pelo partido e sim por outros, e uma grande parte dos jovens que se engajam terminam por aderir à esquerda radical ao invés do Die Linke. Ganhar essas camadas para o partido tem-se mostrado muito mais difícil do que o previsto. Isso impediu o partido de adquirir uma influência maior na sociedade, assim como aquela que das antigas formações de extrema-esquerda na Alemanha e em outros países. Eu tenho simpatia à ideia de que os movimentos sociais devem necessariamente ser autônomos de todo e qualquer partido político, mas a aversão aos partidos políticos dentro da esquerda alemã (que é, sem sombra de dúvidas, produto da história particular que temos no país) certamente impediu o Die Linke de se tornar uma força social mais coerente e palpável.

Incapaz de promover um trabalho orgânico de base, o foco político do partido desembocou inevitavelmente na atividade parlamentar. Houve momentos, no passado, em que o Die Linke conseguiu utilizar essa plataforma para galvanizar manifestações de massa e provocar controvérsias politicas, mas, curiosamente, no geral o establishment conseguiu marginalizar e domesticar o partido no parlamento. Enquanto isso, o partido permanece tributário deste instrumento e é refém dos caprichos da política parlamentar alemã.

SN -Como você descreveria a evolução do Die Linke desde sua fundação?

Para compreendermos a situação a que chegou o Die Linke hoje precisamos voltar aos seus primeiros anos e aos seus primeiros grandes sucessos eleitorais, como o resultado de 11,9% em 2009, ou a onda de eleições regionais que levaram o partido aos parlamentos regionais na região oeste do país pela primeira vez, entre 2006 e 2010. Essas vitórias eram, sem dúvida, esperadas, mas como o partido não estava preparado, sob o efeito da excitação ele enviou grande parte de seus militantes e quadros ao parlamento. À época, os dois principais motes do Die Linke eram “As riquezas para todos” e “Mais a esquerda é forte, mais o país torna-se socialmente justo”, nenhuma dessas duas palavras de ordem tinham qualquer laço com algo plausível.

Em seguida, a classe dominante alemã conseguiu estabilizar a economia após a crise, evitando a todo custo os padrões de austeridade draconiana que ela impôs à Grécia ou a seus vizinhos do sul europeu. Merkel introduziu ainda um salário mínimo enquanto falava de aumento das despesas sociais. Do dia pra noite, as condições dos trabalhadores alemães não pareciam tão terríveis como antes e o centro politico conseguiu transmitir estabilidade. A tendência de esquerda do fim dos anos 2000 começava a declinar, e Merkel se tornou extremamente popular – por razões que permanecem obscuras para mim. Enquanto um não alemão, eu espero que os políticos tenham uma personalidade, carisma ou qualquer outra coisa que os faça triunfarem. Deste ponto de vista, esse país é absolutamente peculiar.

O Die Linke tinha prometido a sua base que bons resultados eleitorais se traduziriam em uma pressão crescente em favor da mudança social através de uma voz de esquerda forte no parlamento. Contudo, poucos políticos do Die Linke foram capazes de utilizar essa plataforma de maneira eficaz – no fim, trabalhar com transparência é um desafio imenso – e caíram no esquecimento. A imprensa sempre se sentiu contente em nos ignorar, além disso, como na guerra no Afeganistão e em outros temas caros ao Die Linke perdíamos popularidade na opinião publica, nós nos víamos como inúteis em certa medida.

Mais importante ainda, nesse meio tempo os militantes locais, que eram normalmente o motor das estruturas locais do partido, estavam extremamente atrelados ao parlamento, seja enquanto parlamentares ou como membros de equipes de outros parlamentares. Isso fez com que eles perdessem de vista a construção da organização e a realização de campanhas. Assim, uma transferência massiva de energia e de recursos, das instâncias inferiores do partido em direção a sua cúpula, se consumou justamente no momento em que o partido precisava de uma base forte para evitar que o trabalho parlamentar adquirisse uma vida autônoma.

No momento em que os anos promissores de 2000 se tornaram os anos ansiosos de 2010, o Die Linke perdeu a onda de esquerda que nos tinha impulsionado desde nossa fundação. É sabido, que em períodos de austeridade, um partido reformista de esquerda não pode se valer unicamente da inércia que o impulsiona em frente no médio prazo. Mais do que isso, ele deve provar sua utilidade política de modo a permanecer necessário e ganhar novos apoios. A pretensão do partido de melhorar a justiça social através de sua única existência poderia até se mostrar correta – nós certamente empurramos o establishment à esquerda em relação a uma série de questões – mas o problema é que os eleitores tem a memória curta. Eles não percebem, por exemplo, a aprovação do salário mínimo em 2015 como um subproduto da emergência do Die Linke em meados dos anos 2000. Além disso, a maior parte das pessoas também não pensam na estratégia de longo prazo quando eles vão às urnas. Eles votam na gente se eles pensam que nós podemos mudar as coisas dentro de um sistema político que eles enxergam como corrompido e desconectado da realidade. E eles nos rejeitam se eles pensam que nós desperdiçaremos o voto deles participando de um governo neoliberal.

Certamente, os eleitores também esperam que o Die Linke componha governos se esta opção se apresente já que é assim que funciona a democracia parlamentar. Não é, portanto, fácil de simplesmente dizer “não”, como o Comitê por uma Internacional Operária gostaria de fazer crer. Contudo, o partido não encontrou um meio de articular essas contradições em sua base e de elaborar uma maneira coerente de sair desse impasse. De um lado, nós nos incorporamos a governos regionais no oeste alemão que tendem, em geral, a realizar políticas neoliberais; de outro, nós nos encontramos em uma posição de impotência nos parlamentos do oeste onde normalmente não somos reeleitos. E isso para não falar na construção de uma corrente socialista no seio do movimento operário.

Ao menos que o Die Linke consiga resolver tais contradições, mostrando-se útil não apenas como uma plataforma vacilante de uma esquerda parlamentar desorganizada e contraditória, mas como uma instituição capaz de ganhar as massas para uma visão política especifica, o partido vai continuar a ir à deriva. É certo que a sua própria existência já é um ganho importante para o nosso campo e que, todas as minhas críticas colocadas de lado, eu não quero dar a impressão de que o partido esteja morto. Ainda há alguns meios promissores dentro do partido que tem um futuro ainda a ser escrito.

De todo modo, dadas as recentes transformações na Europa e na América do Norte, eu creio que podemos dizer que a política e a estratégia tornara-se questões ainda mais sérias. É importante que a esquerda busque um equilíbrio no balanço do que significaram os últimos dez anos no que se refere à estratégia socialista. O que nós esperávamos que acontecesse, o que de fato ocorreu, e o que nós devemos repensar para mudar? Felizmente, a direção atual do Die Linke, em torno de Katja Kipping e de Bernd Riexinger, parece estar consciente deste fato e realizou, no âmbito da direção de uma formação de esquerda parlamentar, ótimas ações recentemente. As suas próprias posições limitam, evidentemente, o que eles podem dizer e o seu grau de abertura. Mas eles mostram, ao menos, que certas seções do partido tentam compreender e se postar de forma produtiva face à nova situação política. Isso me dá um pouco de esperança para o futuro.

(Entrevista realizada e publicada pelo site Contretemps. Tradução e introdução baseada no original de Pedro Micussi.) 


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