Arco Mineiro na Venezuela viola soberania, democracia e direitos

O Decreto de Maduro é um verdadeiro atropelo à Constituição venezuelana, abrindo a porta para que multinacionais explorem centenas de milhões de toneladas de minerais.

Leonardo Wexell Severo 27 set 2017, 14:12

Governo Maduro rasga a Constituição de Chávez

O Decreto de Maduro “amputa” uma área de 112 mil km², uma superfície maior que a Bulgária, Cuba e Portugal, abrindo a porta para que 150 multinacionais de 35 países explorem centenas de milhões de toneladas de minerais, como bauxite, ouro, cobre e diamantes, por até 40 anos, comprometendo também as principais fontes de água doce que abastecem as centrais hidrolétricas – geradoras de 70% da energia do país. O atropelo à Constituição da República Bolivariana da Venezuela (CRBV) anula também os direitos de reunião, do trabalho, sindicais e de associação dos moradores da zona, equivalente a 12% do território nacional. Membros da Plataforma pela Anulação do Arco Mineiro do Orinoco e da Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição, ex-ministros e parlamentares chavistas, juristas, intelectuais, movimentos sociais e indígenas defendem a imediata revogação do disparate que entrega os recursos naturais da nação para a exploração por outras nações ou por outras entidades internacionais, “feito sem qualquer estudo de impacto ambiental ou consulta às comunidades afetadas”. “A partir do colapso do modelo rentista, é urgente deter a crise e procurar saídas viáveis ao atoleiro em que se encontra o país”, sublinham.

Após intensa mobilização comandada pelo presidente Hugo Chávez, um referendo popular aprovou em 1999 a atual Constituição da República Bolivariana da Venezuela (CRBV), marco anti-imperialista que colocou o país como referência de soberania, democracia e de direitos humanos, sociais e do trabalho para os povos do mundo.

Na contramão dos ensinamentos e compromissos nacionalistas de Chávez – e atropelando a Constituição Bolivariana -, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, promulgou a 24 de fevereiro de 2016 o decreto nº 2.248, criando a “Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional Arco Mineiro do Orinoco (AMO)” e, mais recentemente, patrocinou um arremedo de Assembleia Nacional Constituinte, agitando ainda mais o país.

Com o objetivo de ter acesso “emergencial” a divisas, e sob a alegação de que visava superar o “modelo rentista” completamente dependente do petróleo, Maduro deu sinal verde para 150 multinacionais de 35 países explorarem, em larga escala – e até por quatro décadas! -, jazidas de ouro, diamantes, coltan (ouro azul), cobre, ferro e bauxite, entre outros minerais estratégicos.

Apesar da pomposidade do nome da “Zona” e da necessidade real de conseguir os recursos – uma vez que o país está mergulhado na depressão, devido à criminosa sabotagem imperialista e à inação do próprio governo – a opção representa, evidentemente, uma submissão aos amos estrangeiros.

Com extensão territorial de 111.843,70 km², uma superfície maior do que Portugal (92.212 km²), Cuba (109.212 km²) e Panamá (79.569 km²), o AMO corresponde a 12,2% do território venezuelano e servirá à exploração de centenas de milhões de toneladas de minério, num empreendimento em que o Estado participará com 55% das ações e as transnacionais com os outros 45%.

Tal percentual superior de ações nas mãos do governo poderia gerar alguma ilusão sobre quem vai determinar a direção do empreendimento. Mas a forma não consegue mascarar o conteúdo, altamente danoso, pois o facto é que com “o pagamento do seu subsolo às transnacionais, está a gerar-se outro rentismo”, avalia o ex-deputado constituinte Freddy Gutiérrez, advogado geral da União, que foi da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). Para o advogado, “é absolutamente absurdo pensar que a Venezuela, que neste momento não tem fluxo de caixa, entesouramento, tenha força diante de uma multinacional com dólares, libras esterlinas ou francos suíços”. Assim, logicamente, “o domínio associativo será da transnacional, com o seu capital, e que, por isso, vai contar com desonerações alfandegárias e no pagamento de tributos. A elas, inclusive, vai ser dado um regime trabalhista distinto”.

Amputação

O mais grave, no entanto, assinala Gutiérrez, é que “o Arco Mineiro representa um país dentro de outro país”. “Não foi isso que pensamos como constituintes. Não pode haver uma república dentro de outra república. Entendemos que a República Bolivariana da Venezuela é única e indivisível e este decreto é uma amputação de um espaço fantástico, extraordinário do nosso país”, condenou o ex-deputado.

Muito diferente do embuste de Maduro, a Constituição Bolivariana é clara: “a celebração dos contratos de interesse público nacional irá requerer a aprovação da Assembleia Nacional nos casos que determine a lei”. Por isso, estabelece nos seus artigos 150 e 187 que “não poderá ser celebrado contrato algum de interesse público municipal, estadual ou nacional com Estados ou entidades oficiais estrangeiras ou com sociedades não domiciliadas na Venezuela, nem transferir-se a eles sem a aprovação da Assembleia Nacional”. O decreto também faz tábua rasa do artigo 129 da atual Constituição, que determina que “todas as atividades suscetíveis de gerar danos aos ecossistemas devem ser previamente acompanhadas de estudo de impacto ambiental e sociocultural”.

Diante do sem número de abusos e agressões, lideranças chavistas históricas entregaram um documento na Sala Político-Administrativa do Tribunal Supremo de Justiça, solicitando a anulação do decreto. Condenando a “inconstitucionalidade e ilegalidade” da medida governamental, vários ex-ministros de Chávez assinaram o documento, como Ana Luisa Osório (Meio Ambiente), Héctor Navarro (Energia Elétrica), Gustavo Márquez Marín (Indústria e Comércio/Integração e Comércio Exterior), Ramón Rosales Linares (Produção), general Clíver Alcalá (Defesa) e os renomados ativistas pelos direitos humanos e ambientais, Juan García Viloria, dirigente da Maré Socialista; César Romero, Santiago Arconada; Leonardo Simón Domínguez e Edgardo Lander.

No documento, as lideranças explicitam que “o ato administrativo ditado pelo presidente violenta não só direitos fundamentais contemplados na Constituição Bolivariana de 1999, mas também dispositivos normativos nacionais e internacionais, tanto em matéria de ordenamento territorial, proteção de povos indígenas, ambiente, direitos do trabalho e princípios tributários, assim como procedimentos técnico-legais para a criação da Zona que ali se estabelece e delimita”.

“Todos nós, que entramos com a ação ou fomos ministros do presidente Chávez ou colaboradores próximos dele, estamos a fazer uma demarcação ética. Estamos a demarcar-nos, neste caso, do presidente Maduro, porque vai contra o que o presidente Chávez nos deixou”, resumiu Ramón Rosales.

Também membro da Plataforma pela Anulação do Decreto do Arco Mineiro, frente que congrega os mais amplos setores, Gustavo Márquez Marin avalia que, além de não contribuir em nada para a superação da atual crise económica no curto prazo, o AMO gerará profundas e graves distorções, uma vez que “simplesmente reproduz o mesmo modelo extrativista associado ao rentismo”. “Esses recursos não serão o resultado da atividade produtiva do país, da geração para agregar valor, do desenvolvimento de cadeias produtivas, porque mantêm o esquema primário-exportador, igual ao que já temos com o petróleo e o ferro, que continuam a ser exportados em bruto”, analisou Marin.

Companheiro do então tenente-coronel Hugo Chávez no levante do Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR 200) contra o governo neoliberal de Carlos Andrés Perez, o general Clíver Alcalá Cordones foi comandante da Região Estratégica de Defesa Integral (REDI) Guayana. Clíver é irmão do general reformado Carlos Alcalá, ex-comandante do Exército, atualmente autarca de Vargas pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), e manifesta-se totalmente contra o projeto. “É a vida dos venezuelanos que está em perigo. A ambição por uma riqueza vai destroçar-nos de forma abismal. O presidente deve retificar a assinatura destes documentos e deve haver uma discussão prévia antes disso, porque estará a comprometer-se o futuro do país se se continua a avançar nesta loucura. É preciso pensar nas comunidades indígenas que não foram consultadas. Exigimos os nossos direitos e que o Estado explique esse tipo de contratos”, assinalou.

Em relação ao 5 de agosto de 2016, data em que foram assinados contratos com empresas que vão explorar os recursos naturais do AMO, o general reformado sentenciou: “este opróbrio, esta vergonha, é o ato mais desonrado dos últimos 200 anos, embora o presidente se tenha referido ao mesmo como o ato mais importante para o país”. “Com uma figura que chamam de memorando de entendimento, escondem um contrato de interesse público em que se violam todas as normas. Falam que 60% dos recursos vão para as missões, a fim de cativar o povo no assalto que estão a fazer através destes contratos”, sublinhou.

A ex-ministra do Poder Popular para as Comunas e Proteção Social, Oly Millan Campos, crê que “para além de uma simples assinatura de contratos, o assunto medular é que, enquanto se tem um discurso muito socialista e revolucionário, se materializam relações que, como uma trama, vão criando e fortalecendo vínculos entre o capital internacional, grupos económicos tradicionais e as elites de poder que controlam o Estado venezuelano”.

Dirigente do Partido Comunista da Venezuela (PCV), Pedro Eusse acredita que “o rentismo não significa nenhuma perspectiva de desenvolvimento com soberania”, e sublinha que “favorecer transnacionais em detrimento do ecossistema não é progressista nem revolucionário”. “A política de extrativismo mineiro tem um impacto negativo no território e nos povos que habitam a zona”, frisou.

Apesar dos gravíssimos impactos que o Arco Mineiro trará, “até hoje é impossível ter acesso à informação sobre a assinatura dos compromissos e os contratos de exploração, pois não está publicada em nenhum portal estatal ou meio de comunicação, são de total desconhecimento público as condições e detalhes destas negociações”. O alerta do Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (Provea), do Grupo de Trabalho de Assuntos Indígenas (GTAI) da Universidade dos Andes e do Laboratório da Paz (LabPaz) é voz corrente e generalizada no país. As entidades frisam que “também se desconhecem os parâmetros, quem é a equipa de investigadores e sob que critérios e normas se estão a realizar os estudos”.

Gold Reserve

O único contrato exposto à opinião pública, recorda a jornalista Scarlet Clement, foi o firmado com a canadense Gold Reserve, que regressou ao país após a sua concessão ser suspensa em 2009 por Chávez. Posteriormente, em 2016, a companhia assinou um memorando de entendimento com o Executivo, que lhe concedeu US$ 769,6 milhões a título de “indemnização pela estatização das suas operações” e lhe garantiu o estabelecimento de uma empresa mista para retomar as ações.

Responsável de executar, sob a sua gestão, a retirada da concessão da Gold Reserve, Ana Luisa Osório identifica no regresso da transnacional um descompromisso com o futuro do país, num tipo de exploração que somente “afiança a lógica rentista”.

“Este é um acordo que reverte toda a política da Revolução Bolivariana antineoliberal, porque, de facto, está a assumir as condições que aplica o Fundo Monetário Internacional (FMI) aos países em matéria de promoção de investimentos”, protestou o ex-ministro Márquez Marin, explicando que o tratado “está por debaixo da Constituição, porque é herdado e vem desde 1998, é completamente inconstitucional”.

Feliz da vida, o diretor executivo da Gold Reserve, Rockne Timm, prevê que a companhia brevemente esteja a processar 140 mil toneladas de minerais por dia.

“O que aconteceu com a soberania? O que aconteceu com o anti-imperialismo?”, questionou o sociólogo Edgardo Lander. Professor aposentado da Universidade Central da Venezuela (UCV) e membro da Plataforma em Defesa da Constituição, Lander ironiza: “num ambiente de tão generalizada corrupção, existirão alguns incentivos adicionais para que os altos funcionários deste governo, autodenominado como revolucionário, considerassem conveniente a assinatura deste convénio?”.

O decreto atenta contra a própria trajetória ambientalista da República Bolivariana. A Venezuela foi o segundo país a criar um Ministério do Meio Ambiente no mundo e o primeiro das Américas. O Ministério existiu até setembro de 2014, quando foi extinto e fundido com outro. Após 37 anos, Maduro simplesmente eliminou o órgão estatal com competência exclusiva na matéria.

E os atentados continuam. Reitor da Universidade Indígena de Tauca, o reconhecido antropólogo Esteban Emilio Monsonyi recordou: “somos o primeiro país com um megaprojeto mineiro, sem nenhum tipo de consulta aos seus cidadãos nem às suas comunidades indígenas”. Após advertir que a continuidade do plano mineiro com “empresas de má fama” representará “afastamento, marginalização e asfixia social” de etnias como Yekwana, Pemón e Kariña, Monsony foi “democraticamente” removido do cargo.

O professor da Universidade de Tauca Santiago Arconada descreve o plano como “uma punhalada” na vida e nos cofres públicos, uma vez que o decreto possibilita que as empresas de exploração mineira comercializem um percentual de ouro no estrangeiro, sem terem sequer de passar pelo Banco Central da Venezuela (BCV). Já o Diário Oficial de 30 de junho de 2015 aponta que “as pessoas, sociedades ou formas de associação que desenvolvem atividades de exploração de ouro em áreas destinadas a atividades mineiras no país deverão vender ao BCV todo o material aurífero obtido”. Novamente, a realidade desmonta a fantasia pseudo-revolucionária madurista.

A Plataforma pela Anulação do Arco Mineiro do Orinoco defende a anulação do decreto 2248, pois “implica fracionamento da soberania e restrição de direitos políticos e sociais contemplados na Constituição”. Ao mesmo tempo, sustenta, o AMO “põe em risco populações indígenas, a fonte hídrica mais importante do país, o fornecimento de 70% da eletricidade a nível nacional e toda a biodiversidade que contempla a região da Guyana, devido à ampla destruição social, cultural e natural que implicam as dinâmicas extrativistas das empresas de exploração mineira”.

Na avaliação dos membros desta Plataforma, a entrega das estratégicas riquezas minerais ao capital estrangeiro só agravará o “flagelo que atualmente envolve, direta e indiretamente, centenas de milhares de pessoas” submetidas “a um regime paraestatal administrado por gangues”. “Esta dinâmica tem trazido sintomas graves de decomposição social (massacres, fossas comuns), numa devastação criminosa e numa contaminação acelerada dos principais rios do Sul, epidemias nacionais de paludismo e difteria e condições de trabalho escravo para as dezenas de milhares que trabalham nas minas em pequena escala”. Além disso, assinala, a capitulação aos ditames externos em nada contribuirá para enfrentar “o colapso do modelo rentista que atravessa a Venezuela, para deter a crise e procurar saídas viáveis ao pântano em que se encontra o país”.

Justificar a capitulação

O ministro do Poder Popular de Petróleo e Mineração e presidente da Petróleos de Venezuela (PDVSA), Eulogio Del Pino, justifica a capitulação dizendo que, com o AMO, o país poderá elevar a sua produção de ouro das atuais 20 toneladas (TN) anuais para 100 TN, quantia limite de produção mundial alcançada pela África do Sul. “Estamos a falar de uma exploração potencial de 70 anos, o que significa aproximadamente US$ 280 mil milhões”. O ministro projeta que, com um reservatório de 361 TN, praticamente três vezes mais do que o segundo colocado na América Latina, o México, com 121,4 TN, a Venezuela tem todas as condições de, finalizado o processo de certificação e quantificação, aumentar as suas reservas atingindo mais de 7 mil TN e alcançar o segundo lugar mundial.

“Esta decisão do presidente Maduro afeta-nos porque estamos a falar de uma exploração mineira, de extrativismo, da procura de recursos com um alto custo para todos nós. Significa a destruição dos bosques, das bacias hidrográficas dos rios mais importantes da Amazónia venezuelana”, ressaltou Curripaco Gregorio Mirabal, coordenador geral da Organização Regional de Povos Indígenas do Amazonas (Orpia).

Em março do ano passado, a Organização Indígena de Oiyapam, do estado Amazonas, apresentou um diagnóstico de como diferentes etnias já estão a ser afetadas pela mineração nos seus territórios. Somado ao terrível problema da segurança, causado pelas gangues criminosas, a saúde está um caos, pois ao mesmo tempo em que não há atendimento médico, multiplicam-se os casos de gripe, paludismo, tuberculose, diarreia, vómitos, febres e amebíase, além de enfermidades contagiosas como a gonorreia. A política que está em curso, apontou a organização, é de “etnogenocídio”, uma vez que a assinatura de convénios com investidores estrangeiros para o próximo período “renega os direitos indígenas consagrados na Constituição”.

A Constituição da República Bolivariana da Venezuela (CRBV) expressa no seu artigo 127: “É um direito e um dever de cada geração proteger e manter o ambiente em benefício de si mesma e do mundo futuro. Todos têm o direito individual e coletivo de desfrutar de uma vida e de um ambiente seguro, são e ecologicamente equilibrado. O Estado protegerá o ambiente, a diversidade biológica, os recursos genéticos, os processos ecológicos, os parques nacionais e monumentos naturais e as demais áreas de especial importância ecológica”.

Autor das disposições ambientais da CRBV e ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Alexander Luzardo lembra que o estado de Bolívar, onde está localizado o AMO, tem, desde 1975, a zona protegida mais extensa da Venezuela, quase 80% da sua superfície, dada a sua ampla e incalculável biodiversidade em bosques, selvas e bacias hidrográficas.

Apesar de haver um decreto a proibir o uso do mercúrio para a mineração, advertem as entidades, nada se fala sobre como as indústrias extrativas realizarão a exploração a céu aberto. Assim, ao não se proibir o uso do cianeto como agente químico em substituição ao mercúrio, há uma grande preocupação com o ambiente e a vida não só na região, como nas áreas vizinhas. Isso porque, explicam os investigadores do Instituto de Zoologia da UCV, “todos os sedimentos e detritos químicos produzidos pela mineração vão desembocar no Oceano Atlântico e no Mar do Caribe através do Delta do Orinoco, o que trará importantes implicações para os ecossistemas marinhos e oceânicos, dentro e fora das nossas fronteiras”. Por mais absurdo que pareça, “não existem relatórios públicos estatais dos possíveis impactos do AMO na região costeira do Caribe”.

Viola o direito à associação

O artigo 25 do decreto também limita a conformação de sindicatos, associações ou qualquer tipo de organização, ao assinalar que “os sujeitos que executem ou promovam atuações materiais tendentes à obstaculização das operações totais ou parciais das atividades produtivas serão sancionados”, da mesma forma que cerceia o direito à greve, determinando que “os organismos de segurança do Estado realizarão as ações imediatas necessárias para salvaguardar o normal desenvolvimento das atividades”. “Nenhum interesse particular, gremial, sindical, de associações ou de grupos, ou suas normativas, prevalecerá sobre o interesse geral em cumprimento do objetivo conteúdo no presente decreto”, colocando o Estado por cima dos cidadãos, em clara violação aos artigos 53, 68 e 97 da CRBV. Assim, o decreto militariza os territórios indígenas e possibilita a judicialização e criminalização das organizações que realizarem atividades na zona.

O facto, avalia Inti Rodríguez, defensor de direitos humanos e coordenador da área de monitorização e investigação do Provea, é que “o governo ofereceu como uma das vantagens às empresas nestes convénios a possibilidade institucional de não ter que cumprir com a Lei Orgânica do Trabalho nem com as suas normas. E vai além, porque se acrescentam prerrogativas de anular o direito à manifestação e à associação, contando com uma brigada especial de segurança militar que protegerá estes interesses”.

Projetando em “dois biliões de dólares” o potencial do Arco, o ministro do Desenvolvimento Mineiro, Roberto Mirabal Acosta, apontou a existência de cerca de 200 milhões de toneladas de bauxite e de 44 mil toneladas entre outro e diamantes. “O desenvolvimento da zona será realizado sob a figura de empresas mistas”, enfatizou o ministro, e descreveu: “agora estabelece-se que a nação obtenha um mínimo de 55% de lucros, 13% de royalties e, além disso, receba o pagamento do Imposto Sobre o Rendimento, o que totaliza mais de 70% das receitas”.

Infelizmente, isso também está muito longe de ser verdade. O artigo 21 do decreto de criação do AMO revela que a conversa é uma e a realidade é outra, uma vez que “no marco da política setorial, o executivo nacional poderá outorgar exonerações totais ou parciais do Imposto sobre o Rendimento e do Imposto ao Valor Agregado (IVA), aplicáveis às atividades conexas à atividade mineira, a fim de fomentar o impulsio e o crescimento da Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional Arco Mineiro”. Também em contraposição ao enunciado governamental, o diretor executivo da Gold Reserve assegurou que regressou ao país devido à magnitude dos benefícios outorgados à empresa, como a exoneração do pagamento do Imposto sobre o Rendimento, impostos derivados da entrada de bens tangíveis e intangíveis, impostos municipais, entre outros pelos quais o Estado nada receberá.

Neste momento, como as multinacionais que assinaram tais contratos sabem que eles se encontram num “limbo legal”, estão a pressionar e a negociar para que a inconstitucional Assembleia Nacional Constituinte procure “legalizá-los”.

Em vez de acelerar na marcha atrás, a Plataforma pela Anulação do Arco Mineiro enumera várias outras ações que poderiam ter sido tomadas para o país caminhar para a frente, entre elas o confrontar a abusiva sangria da dívida externa. “Nos últimos três anos, foram pagos mais de US$ 60 mil milhões da dívida externa, implicando numa redução de mais de 60% das importações (incluindo comida e remédios), com relação a 2012. Somado a isso, a PDVSA vendeu bónus à Goldman Sachs com 69% de desconto, recebendo US$ 865 milhões e tendo que pagar US$ 3,556 mil milhões em 2022. Noutras palavras, o governo tem vindo a endividar fraudulentamente o país à custa de os venezuelanos terem menos alimentos e medicamentos. Por isso, propomos a suspensão do pagamento da dívida durante um período determinado, e a realização de uma auditoria pública e cidadã para certificar que parte da dívida é real e que parte é ilegítima e ilegal”.

O desmoronamento do modelo rentista, avalia a Plataforma, torna “imprescindível que estes e outros pontos de importância nacional sejam debatidos de forma aberta, pública e respeitosa, com todos os setores da população venezuelana, para além das lideranças da polarização, o que é chave para avançar em saídas democráticas e pacíficas à crise”.

Diante de tantas evidências e apelos ao diálogo para que o Estado venezuelano se abstenha de reprimir as pessoas e organizações que questionam a viabilidade do Arco e dão visibilidade ao que representa um atentado à soberania, à democracia e aos direitos, qual foi a resposta de Maduro? “Quero dizer, a estes traidores que o Arco Mineiro segue”.

(Artigo originalmente publicado no site esquerda.net)


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