Coréia do Norte: depois do sexto ensaio nuclear

Um detalhamento dos fatos da escalada de tensões na península coreana ao longo das últimas semanas que pôs novamente o mundo na eminência de uma guerra nuclear.

Brice Pedroletti 8 set 2017, 13:41

Na Coréia do Norte, a apresentadora Ri Chun-hee, oficialmente aposentada, volta apenas às telas nas grandes ocasiões: domingo, 3 de setembro, ela apareceu na televisão para ler um comunicado do Instituto de Armamento Nuclear anunciando o “sucesso perfeito” do sexto ensaio nuclear de seu país, realizado no meio da tarde, fruto dos esforços dos cientistas “fiéis ao plano do Partido dos Trabalhadores da Coreia de construir uma força nuclear estratégica”.

Resultado técnico

Pyongyang afirma ter testado uma “bomba de hidrogênio capaz de equipar um míssil balístico intercontinental IBCM”. Dificil de confirmar se a sua potência seria, segundo os experts de diferentes países, de cinco a seis vezes superior àquela do ensaio anterior, realizado em 9 de setembro de 2016. Algumas horas mais cedo, a imprensa oficial tinha publicado fotos do dirigente Kim Jong-un inspecionando o que foi apresentado como uma bomba H em miniaturizada, uma etapa crucial para incorporar a arma aos mísseis.

O instituto independente norueguês Norsar avalia em 120 kilotonnes a potência da bomba testada o último fim-de-semana. O último teste poderia, segundo o site especializado 38 North, da universidade americana John Hopkins, “implicar uma forma de reação misturando ficção e fusão, mas não necessariamente uma máquina de dois estágios”, como normalmente é o caso para uma bomba H termonuclear.

O teste testemunha progressos inegáveis de um país engajado em atividades nucleares desde a criação em 1953 pelo dirigente de então, Kim Il-sung (1921-1994), de um instituto especializado. Em 1959, Pyongyang assinou um acordo de cooperação com a União Soviética que previa a construção de um reator experimental em Yongbyon, no meio do caminho entre Pyongyang e a fronteira chinesa, e a formação de cientistas.

Ao longo do trabalho nuclear civil e militar o plutônio é produzido. Ele teria sido utilizado nos dois primeiros testes nucleares de 2006 e de 2009. Pyongyang teria 33 kilos segundo o Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional (ISIS), e possuiria até 30 armas nucelares. Para dominar o enriquecimento de urânio, a Coréia do Norte teria igualmente cooperado com o Paquistão. Técnicos norte-coreanos teriam sido formados nesse tipo de tecnologia nos laboratórios de Abdul Qadeer Khan, o “pai” da bomba paquistanesa.

“Para os dirigentes norte-coreanos, o programa de armamento nuclear não é um fim em si mesmo, mas sim uma das múltiplas estratégias para realizar o seu objetivo maior, que é a sobrevida do regime”, escreve Andreï Lankov, da Universidade Kookmin de Seul, no The Real North Korea (Oxford University Press, 2013).

Os lançamentos sucessivos, em 4 e 28 de julho, de dois misseis a uma altitude que demonstra que em um ângulo plano eles tem a capacidade de alcançar os Estados Unidos, constituíam já um sucesso tecnológico. A etapa da miniaturização, se confirmada, e a potência da arma, aproximam Pyongiang de uma força de dissuasão efetiva.

Esses ensaios são ao mesmo tempo etapas técnicas necessárias como também demonstrações de potência diplomática e interior. Os dirigentes em Pyongyang explicam à sua população que se ela deve sofrer sanções, é para construir a defesa nacional face à hostilidade americana. Os sucessos são assim apresentados como vitórias diretas de Kim Jong-un, 33 anos, que sucedeu seu pai depois de sua morte em 2011.

Impasse diplomático

Unanimemente condenado pela comunidade internacional, esse novo ensaio foi julgado como “profundamente desestabilizador” pelo secretário geral da ONU, Antonio Guerres. Ele coloca em evidência a impotência da ONU. O Conselho de Segurança deveria se reunir em urgência na segunda. “É necessário reagir rapidamente a esta nova violação do direito internacional, do regime de não proliferação e das resoluções do Conselho de Segurança”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron em um comunicado.

O objetivo é aumentar a pressão sobre Pyongyang para constranger o regime a rever a relação de custo benefício de suas ambições nucleares e, como é lembrado em Paris, Berlim e em outras capitais ocidentais, “reestabelecer a via do diálogo e proceder ao desmantelamento completo, verificável e irreversível de seus programas nucleares e balísticos”. Muitos observadores consideram esse objetivo (sobre o qual os ocidentais se agarram para salvar o Tratado de não proliferação) irrealista, já que o regime julga que uma força de dissuasão com credibilidade é a chave de sua sobrevida. Washington prepara assim um novo endurecimento de medidas mirando a Coréia do Norte.

A tomada dianteira de Kim Jong-un inquieta doravante também os protetores tradicionais de Pyongyang: Pequim e Moscou. Vladimir Putin clamou para “não ceder às emoções”, sublinhando que o teste norte-coreano “foge” de todas as resoluções internacionais e “cria uma ameaça real à paz e à estabilidade regional”. Em 5 de agosto, Moscou e Pequim tinham votado a resolução 2371 reforçando as sanções econômicas contra Pyongyang.

Por sete vezes desde 2006 e o primeiro ensaio nuclear norte-coreano, o Conselho de Segurança votou resoluções prevendo sanções ainda mais severas. Contudo, essa política não surtiu efeito de modo a fazer se curvar um regime decidido em se valer a todo custo da arma atômica. Largamente subestimado durante esses dez últimos anos, o programa nuclear norte-coreano não era uma prioridade para a comunidade internacional.

As sanções votadas pela ONU no começo de agosto são as mais severas já impostas a esse país e visam privá-lo de rendas cruciais advindas de suas exportações de chumbo, de ferro e de ouros mineiras, assim como de sua pesca. Elas poderiam, segundo os experts americanos, privar o regime de um bilhão de dólares de receita anual, sob a condição de que elas sejam realmente aplicadas. A Coreia do Norte manteve redes comerciais no sudeste asiático e também na África e na América Latina.

Agora que o programa nuclear representa uma prioridade existencial para o regime, o seu endurecimento não mudaria o dada situação. A menos que elas se apliquem aos abastecimentos petroleiros. Mas até o momento Pequim segue se opondo, acreditando que isso resultaria em um afrontamento do regime.

Uma dor de cabeça para Trump

O presidente dos Estados Unidos reagiu com virulência em sua conta do Twitter, domingo, em três mensagens através das quais ele denunciou as “palavras” e as ações de um “Estado bandido”, que “continua a ser hostil e perigoso aos Estados Unidos”. Ele também comentou que o jogo da Chiana, aliada de Pyongyan, “que tenta ajudar mas com pouco sucesso”. “Eles compreendem apenas uma coisa!”, adicionou Trump se referindo aos responsáveis norte-coreanos, em uma evocação aberta por uma opção militar.

Mais tarde, ao longo do dia, o presidente americano afirmou que ele visava interromper “todas as trocas comerciais” com os países que fizessem negócios com Pyongyang sem citar diretamente a China, destinatária de 90% das exportações norte-coreanas, mas também a primeira parceira comercial dos Estados Unidos.

A Coreia do Norte se tornou uma dor de cabeça para Trump. A ruptura com a “paciência estratégica” realmente empregada por Barack Obama durante seus dois mandatos foi certamente acompanhada de um endurecimento do tom em Washington. Mas não produziu mais resultados, como provou os 21 testes de mísseis realizados pela Coréia do Norte desde o começo do ano.

Em 8 de agosto, Trump se lanço em uma escalada retórica prometendo “fogo e fúria” ao regime de Kim Jong-un. “As soluções militares estão no lugar, trancadas e carregadas, no caso da Coréia do Norte agir imprudentemente. Esperamos que Kim Jong-u se engaje em uma outra via!”, adicionava ele em 11 de agosto, antes de advertir o responsável norte-coreano que tinha evocado os lançamentos de misseis balísticos na proximidade da ilha americana de Guam. Trump estimou em 28 de agosto que “conversar não é a solução”, antes do secretário de defesa, James Mattis, temperar: “Nós não somos nunca ficamos sem soluções diplomáticas”.

Antes de sua saída da Casa Branca, em 18 de agosto, o conselheiro estratégico do presidente, o ultranacionalista Stepehn Bannon, tinha julgado que “não há solução militar” para a Coréia do Norte: “Deixemos pra lá. Enquanto ninguém tiver resolvido a equação que me demonstra que dez milhões de sul-coreanos não sejam mortos nos trinta minutos seguintes, mortos pelas armas convencionais, eu não entendo no que estamos falando, não há solução militar, eles nos têm nas mãos”.

Frustração chinesa

Esse sexto ensaio é também um insulto pessoal ao presidente chines já que ele aconteceu no domingo, pouco antes que Xi Jinping proferiu seu discurso de abertura do encontro dos Brics em Xiamen, grande cidade chinesa da costa sudeste. Esse vizinho embaraçoso já tinha lançado três misseis em setembro de 2016 durante o encontro do G20 em Hangzhou (na região leste). Os dois países seguem ligados por um tratado “de amizade”, que implica uma defesa mútua, mas a Coréia do Norte parece ter um prazer maligno em exasperar seu único “aliado”.

O presidente chinês evitou mencionar o lançamento de domingo, mas o ministério de assuntos estrangeiros deplorou a escolha da Coréia do Norte que “ignorou a oposição geral da comunidade internacional realizando um novo ensaio nuclear” e reitera, como a cada nova escalada de tensões na península, seu apelo em “resolver o problema pelo diálogo”.

Em um gesto mirando os Estados Unidos, a China tinha votado sem grande convicção, em 5 de agosto, novas sanções nas Nações Unidas contra a Coréia do Norte. Para Pequim, é um fardo em termos de política externa e interna: os testes nucleares atiçam, em razão do risco eventual de radiações, a cólera das populações que vivem nas regiões fronteiriças, já penalizadas pela falta de oportunidades econômicas e das sanções.

A detonação subterrânea provocou uma agitação de magnitude 6,3 segundo o Centro Sísmico Chinês. Os habitantes tiveram que sair de suas casas para ocupar as áreas de segurança. A agitação foi sentida até em Changchun e Shenyang, cidades do nordeste chinês.

A grande crença nessa região onde vivem mais de cem milhões de pessoas, é a de fugas radioativas, crença ainda mais amplificada pelas dúvidas dos chineses sobre a franqueza de seu próprio governo. O ministério do meio ambiente chinês se apressou desde o meio dia do domingo em realizar operações de vigilância de radiações ao longo da fronteira.

O novo ensaio nuclear norte-coreano expõe de novo Pequim a pressões por parte dos Estados Unidos e de outros países da região a recorrer a sanções ainda mais cortantes – por exemplo, privando de petróleo seu vizinho turbulento. Pequim já interrompeu suas importações de carbono, de uma série de minerais e também de frutos do mar em para estar em conformidade com as últimas resoluções. Para o pesquisador chinês Lu Chao, especialista em península coreana na Academia de Ciências Sociais de Liaoning em Shenyang, “A China vai agora encorajar Washington e Seul a não exercer ainda pressão sobre Pyongyang, para evitar que a Coréia do Norte responda de maneira ainda mais excessiva”. A Coréia do Norte, segundo ele passou, às vias de fato das tensões com Washington e de manobras conjuntas entre os Estados Unidos e a Coréia do Sul, uma análise que reflete a posição oficial chinesa. No mais, mesmo se ele cortasse completamente os abastecimentos de petróleo, ou selasse a fronteira, Pequim não esta segura em dissuadir Pyongyang.

Fechamento em Tóquio e em Seul

Esse novo teste inquieta ainda um pouco mais o Japão e a Coréia do Sul, dois aliados dos Estados Unidos, um pouco sem munição para além do ativismo diplomático. Um míssil norte-coreano sobrevoou o território japonês em 28 de gosto e o primeiro-ministro Shinzo Abe chamou no domingo a comunidade internacional em “mostrar a sua vontade de proteger a paz mundial”. Esse contexto tenso, adicionado às dúvidas que o presidente americano Donald Trump deixou planar no começo de seu mandado sobre o seu engajamento na defesa dos aliados dos Estados Unidos, alimenta a retórica de Abe sobre a necessidade de modificar a Constituição pacífica de 1947.

Na Coréia do Norte, o presidente Moon Jae-in, partidário do diálogo, se encontra acuado em uma linha mais dura que aquela que ele havia advogado em campanha. Ele evocou uma resolução da ONU podendo “isolar completamente a Coréia do Norte” e anunciou segunda-feira um reforço da bateria antimísseis norte americana Thaad em seu solo. O exército realizou ainda exercícios de lançamentos de misseis a partir dos aviões F-15K a partir de um cenário de ataques na região de testes norte-coreanos de Punggye-ri.

Ao mesmo tempo e apesar das críticas da imprensa conservadora, Seul relembrou em 4 de setembro que “as destruições por causa da guerra não devem se repetir sobre essa terra”. Apesar desse contexto desfavorável, Seul reafirma sua determinação em favor de uma “desnuclearização da península coreana pelos meios pacíficos, em colaboração com seus aliados”. Uma resposta ao tuíte de Donald Trump que, depois desse novo desafio norte-coreano, se colocou diretamente como aliado sul-coreano, julgando que o “discurso de apaziguamento com a Coréia do Norte não funcionará”.

(Artigo originalmente publicado no jornal Le Monde. Tradução de Pedro Micussi.)


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