Catalunha: uma revolução democrática em marcha

Em artigo integrante de dossiê preparado pelo Portal de la Izquierda, argentino discute a trajetória histórica do movimento independentista catalão.

Alejandro Bodart 2 out 2017, 20:31

Os trabalhadores e o povo da Catalunha têm uma enorme tradição de luta. Seus campos e cidades estão atravessados de histórias heroicas durante a Guerra Civil que na década dos 30 enfrentou a República com a monarquia, à revolução com o fascismo. A combatividade foi transmitida de geração em geração até chegar a nossos dias.

Nas terras de Gaudí está se desenvolvendo uma revolução democrática. E não está só em jogo seu legítimo direito à autodeterminação e independência, mas também a subsistência ou derrubada do nefasto regime consagrado na Constituição de 78 que deu forma ao atual Estado espanhol, com sua monarquia, instituições e corporações econômicas herdadas do franquismo e sustentadas pela social-democracia e o stalinismo.

Como socialistas revolucionários nos somamos com todas as nossas forças à batalha democrática que está colocada e desde essa trincheira, junto aos setores anticapitalistas consequentes, aportaremos o que esteja a nosso alcance para que o enorme triunfo que significaria a independência catalã não se detenha nos limites de um novo Estado capitalista e siga avançando até satisfazer todas as necessidades dos trabalhadores e do povo pobre, para que a revolução democrática em curso se transforme em socialista.

O contexto histórico

Em 16 de fevereiro de 1936 triunfa na Espanha a Frente Popular 1 e se proclama a II República. Quatro meses depois, em 18 de julho, a direita fascista e monárquica dá um golpe de Estado. Começa uma feroz guerra civil que divide a Espanha em dois bandos irreconciliáveis e que durará três anos.

Frente aos fascistas que organizam suas falanges, os trabalhadores criam suas milícias, patrulhas de controle e uma rede de comitês que unem a todas as organizações operárias e populares. “Em toda a Espanha republicana se cria uma situação de duplo poder, onde, de forma desigual segundo as regiões e seu mapa político, as massas, no mesmo movimento que lhes leva ao combate, liquidam os problemas da sociedade espanhola, aportando suas soluções, acabando com as forças de repressão, corpo de polícia, exército, autoridades tradicionais – a Igreja em primeiro lugar-, se apoderam das fábricas e das terras e começam a exercer diretamente o poder através de seus comitês.” 2

Abre-se a possibilidade de dar um golpe mortal ao fascismo, realizar as tarefas democráticas pendentes e avançar o socialismo. Mas não é essa orientação da Frente Popular, que quer manter o processo nos limites de uma República burguesa.

Apesar do enorme heroísmo da classe operária e dos setores populares, a traição aberta do PCE 3 às ordens de Moscou e do PSOE 4 levam a uma derrota do processo revolucionário.
Em 1 de abril de 1939 triunfam os fascistas com Francisco Franco à cabeça. Inicia-se uma ditadura militar sanguinária que durará 40 anos.

A transição e a Constituição de 78

Em 20 de novembro de 1975, morre Franco aos 82 anos. Dois dias depois é nomeado Rei e Chefe de Estado o franquista Juan Carlos de Bourbon. Inicia-se o período conhecido como “a transição”.

No ano interior, um 25 de abril de 1974, havia se produzido em Portugal a Revolução dos Cravos, que provocou a queda da ditadura salazarista, que dominava desde 1926. O impacto deste acontecimento e da morte de Franco desencadearam em toda a Espanha um enorme ascenso operário e o despertar das nacionalidades, com os bascos à frente. Este processo começou a fazer ranger a ordem social e política que havia construído o franquismo e se não fosse novamente pela traição das direções poderia ter terminado sendo superior ao português.

Novamente o PSOE e a UGT 5 e o PC e as CCOO 6jogaram-se com tudo para desarticular o movimento, salvando o rei e a ditadura de uma derrota revolucionária. Pactuaram com o debilitado regime franquista nas primeiras eleições gerais depois de 44 anos, que se levaram a cabo em 15 de junho de 1977, e uma nova Constituição, que se promulgo em dezembro de 1978. Esta reinstala formalmente a monarquia, assegurando a continuidade de Juan Carlos. Mantém sem mudanças o Exército, a Polícia e a justiça franquistas, e os enormes privilégios da hierarquia católica e dos setes bancos que sustentaram o regime. Dá impunidade aos autores dos crimes da ditadura, que até hoje seguem sem castigo, e aos responsáveis do roubo descarado dos bens do Estado. O nacionalismo burguês basco e catalão foi parte deste grande acordo e renunciaram expressamente ao direito de autodeterminação de suas nacionalidades em troca de administrar uma autonomia retalhada.

Com Catalunha independente, contra o Estado espanhol

O triunfo dos independentistas catalães neste 1 de outubro poderia significar um golpe de nocaute à trama reacionária de 78. O regime vem se deteriorando desde que a crise mundial de 2008 chegou na Espanha e evidenciou que todas as instituições estão a serviço dos bancos e contra o povo trabalhador.

A abdicação do rei Juan Carlos de Bourbon em favor de seu filho Felipe VI em 2014 foi uma tentativa quase desesperada para salvar não só a instituição monárquica, mas ao conjunto dos acordos da ‘transição’. A crise econômica que a Espanha arrasta há anos, a irrupção política dos indignados e o deslizamento à esquerda de uma franja de massas, a impossibilidade de formar um governo de maiorias pela débacle do bipartidarismo PP 7– PSOE, cria um cenário pelo qual pode se impulsionar uma refundação do país impensada até há pouco.

A classe operária espanhola não tem nada que perder e tudo por ganhar se derrubada a maquinaria com a qual burguesia vem sustentando sua dominação nos últimos 80 anos.

Como todo processo vivo, o catalão está cheio de contradições. As forças que o comandam têm limitações de classe. Refletem setores burgueses e pequeno-burgueses nacionalistas e se até agora não traíram as aspirações democráticas da maioria da população foi pelo impulso da mobilização. Quiseram que tudo terminasse com uma negociação mais vantajosa com a Espanha, mas se viram obrigados a levantar a bandeira da independência que alguns deles mesmos entregaram faz 40 anos. Se não têm alternativa, vão se colocar à frente de um novo Estado e de uma nova República para evitar que se avance em mudanças econômicas e sociais que questionem o sistema capitalista que defendem.

A classe operária vem participando ativamente da mobilização mas, por responsabilidade de seus dirigentes, não o faz de maneira organizada mas individual.

De nossa parte, trabalharemos junto aos cada vez mais numerosos contingentes de trabalhadores e jovens anticapitalistas para que o processo não se detenha. Assim como defendemos incondicionalmente o direito à autodeterminação e à independência, também apoiaremos a exigência de que a Assembleia Constituinte que já foi convocada se concretize e seja livre/soberana para discutir e tomar medidas que terminem com a precariedade laboral e a desocupação repartindo as horas de trabalho existentes, se garanta saúde, educação e moradia para todos com base no não-pagamento da dívida externa, se nacionalize a banca e se tomem todas as medidas que garantam que todo trabalhador tenha um vida digna.

(Artigo originalmente publicado no dossiê especial sobre a independência catalã organizado pelo Portal de la Izquierda.)


Notas do autor

Integrado por Izquierda Republicana, PSOE, PCE, POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista) e Esquerra Republicana de Catalunya. A CNT, anarquista, não apoio a abstenção e o apoiou de forma tácita.

2 Trotsky y la guerra civil española, Pierre Broué.

3 Partido Comunista Espanhol, stalinista.

4 Partido Socialista Operário Espanhol, social-democrata.

5 União Geral dos Trabalhadores, central sindical social-democrata.

6 Comisiones Obreras, central sindical comunista.

7 Partido Popular, direitista.


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