Fazendo “Vidas Negras Importam” nas nossas escolas

De que forma podemos combater o racismo, que coloca fim à milhares de vidas negras todos os anos no Brasil e no mundo?

Rethinking Schools 1 nov 2017, 15:45

“Como você mata o Sr. Phil e nada acontece?”. De acordo com o pai Zuki Ellis, esta é a questão que os estudantes da Escola J. J. Hill Montessori Magnet em St. Paul estavam perguntando apenas alguns dias antes de começar o verão. Em 16 de junho, o policial de Minnesota que fatalmente atirou em Philando Castile, ou o Sr. Phil, como os estudantes o conheciam, foi absolvido de todas as acusações. Castille trabalhou como supervisor de cafeteria na J.J. Hill. Ele servia de modelo para centenas de crianças, memorizou os nomes e as alergias de todos os 500 alunos, e cumprimenva-os com “high-fives” enquanto esperavam na fila para o café da manhã.

À medida que as notícias do veredicto se espalharam, Ellis e outros pais falaram com o Huffington Post sobre o trauma que seus alunos estavam experimentando. Um pai que também ensina na escola, John Horton, disse: “A morte de Castille, muitas vezes, surge na aula. As crianças estabeleceram conexões com Castile ao aprender sobre questões de direitos civis. Eles tentaram dar sentido à morte de Castille em relação a um contexto maior de injustiça. Mas para muitos. . . ainda parecia sem sentido”. Horton continuou dizendo que a luta das crianças para entender o mundo refletia sobre os adultos na escola, que também “ainda tentavam superar” e processar o que aconteceu.

Muitos professores, pais e estudantes em todo o país podem estar se sentindo de maneira semelhante, na medida em que voltam a entrar nas escolas neste outono. À medida que o ano letivo terminou e o verão começou, história após história deixou claro que, nesta sociedade, as vidas negras não importam. No final de maio, um supremacista branco esfaqueou o estudante da Universidade de Maryland, Richard Collins III, em uma parada de ônibus do campus, poucos dias antes dele se formar. Poucas semanas depois, em Portland, duas garotas de colegial foram alvo depois da escola em um trem por um supremacista branco que colocou uma faca em três adultos intervenientes, matando dois. Em Seattle, Charleena Lyles, mãe de escola pública, grávida e mãe de quatro filhos, foi abatida pela polícia depois que ela os chamou por ajuda. E, no final do verão, supremacistas brancos desceram ostensivamente no campus da Universidade da Virgínia para protestar contra a remoção de uma estátua do general confederado Robert E. Lee. No dia seguinte, reunidos por um grande número de contra-manifestantes, esses racistas de extrema-direita responderam com violência. Vários bateram viciosamente no contra-manifestante Deandre Harris – que trabalhou como assistente de instrução em uma sala de aula de educação especial – enquanto outro conduziu um carro em direção à manifestantes anti-racistas, matando Heather Heyer, de 32 anos, e ferindo cerca de outros doze.

A retórica racista da administração Trump forneceu licença para policiais e supremacistas brancos para escalar seus ataques contra pessoas negras e outras comunidades de cor. Como resultado, muitos estudantes em todo o país provavelmente retornarão para a sala de aula nesse outono carregando a dor e a confusão suportada pelos eventos racistas do verão.

Infelizmente, do currículo para as políticas de disciplina, muitas escolas reforçam mensagens racistas e o desrespeito sistêmico pelas vidas dos negros. Do livro didático de Connecticut que dizia que os donos de escravos tratavam pessoas escravizadas como “membros da família”, à menina negra na Carolina do Sul que foi jogada para o outro lado da sala por um policial da escola por se recusar a guardar seu celular, às duas mulheres jovens em Boston que foram expulsas de suas equipes esportivas, banidas do baile de formatura, recebendo detenção por usar seus cabelos trançados, os estudantes tornam-se muitas vezes mais traumatizados por um sistema educacional que reproduz as desigualdades da sociedade.

Enquanto isso, os milionários e bilionários que impulsionam o movimento corporativo da reforma escolar afirmam que a disciplina “sem desculpas” e a preparação interminável para testes irá fechar a lacuna de desempenho entre estudantes negros e brancos. No entanto, essas reformas não levaram os estudantes negros a nenhum progresso significativo. Na verdade, este regime de teste-e-punição forçou o fechamento e a privatização das escolas públicas nas comunidades negras.

Ao invés disso, precisamos exigir investimento nas escolas e nas comunidades que elas servem, juntamente com uma pedagogia e currículo anti-racista, pró-justiça.

E se o assalto às nossas escolas públicas por reformadores corporativos não fosse suficiente, a assembleia do estado em Nova Jersey aprovou um projeto de lei no verão que exigiria que as escolas ensinem as crianças como interagir com a polícia “de uma maneira marcada pela cooperação e respeito mútuos”. De uma maneira similar a como o teste de nível culpa os alunos e os professores pelos problemas enfrentados pelas escolas públicas, esta nova lei estabelece um precedente perigoso para quem será responsabilizado por confrontos mortais com a polícia. Ao invés de fazer qualquer esforço para responsabilizar a polícia pelo assassinato regular de pessoas negras e pardas em todo o país, os legisladores de Nova Jersey optaram por culpar as crianças e seus professores por não “interagirem” adequadamente com a polícia.

À luz de tudo isso, como fazemos das nossas salas de aula e escolas um lugar onde nossos estudantes de cor se sintam seguros, valorizados e empoderados? O que podemos fazer diferente ou fazer para que cada vez mais as vidas negras estejam em nossos currículos, locais de trabalho e relacionamentos? O que podemos fazer como professores para lutar e nos organizar por uma sociedade mais justa? Como desafiamos nossos sindicatos e nossos distritos a lutar por justiça racial? E como ajudamos a apoiar estudantes para serem líderes na luta contra o racismo?

Por um lado, precisamos garantir que nosso currículo ensine e valorize as vidas negras e as lutas anti-racistas. A educadora Kara Hinderlie faz isso ensinando seus alunos do jardim de infância e da 1ª série o conceito simples de que “Black is beautiful” [p. 20]. No ensino médio, a professora de biologia Gretchen Kraig-Turner usa a história de Henrietta Lacks para discutir a bioética com os alunos e explorar a discriminação que os negros enfrentaram e continuam a enfrentar no sistema de saúde [p. 34]. Em estudos sociais, Adam Sanchez e Jesse Hagopian criticam o atual retrato dos livros didáticos do Partido dos Panteras Negras e envolvem estudantes para aprender como o partido se organizou contra a brutalidade da polícia e muito mais [p. 26]. Do abolicionismo aos direitos civis, a luta pela Liberdade Negra tem sido um catalisador para os movimentos que transformaram este país para melhor. Portanto, trazer o currículo anti-racista em nossas salas de aula se trata tanto de ajudar os estudantes negros a se sentir valorizados e conectados à sua aprendizagem, quanto a todos nós aprendermos com as lutas centrais por justiça, quando a injustiça está regularmente estampada na primeira página dos noticiários. À medida que a frase atual do movimento é “todas as vidas importarão, quando as vidas negras importarem”.

Nós também precisamos nos certificar de que nossas escolas apoiem, incentivem e escutem funcionários negros e pardos. Também devemos desenvolver redes multi-escolas ou distritais onde os professores de cor possam se reunir para discutir os problemas que enfrentam nas escolas. As páginas do Rethinking Schools são outro lugar onde esses tópicos podem ser discutidos. Em “A quem eu pertenço?” [p. 40], Natalie Labossiere explora algumas das dificuldades específicas dos professores de cor quando trabalham em escolas predominantemente brancas. As desigualdades históricas e as políticas racistas passadas criaram um sistema escolar onde o corpo docente de uma escola é tipicamente mais branco e mais rico do que os alunos que eles ensinam. Em uma profissão onde a maioria dos professores vão embora em dentro de cinco anos, é especialmente importante forçarmos os distritos escolares a recrutar, contratar e apoiar mais professores de cor.

E, o mais importante, precisamos transformar nossas escolas em locais de resistência a um sistema que desvaloriza vidas negras. Ajudar os alunos a iniciar o Black Lives Matter e outros clubes anti-racistas, fóruns estudantis e comunitários, discutir com outros professores como se juntar ao movimento e participarem de ações coletivas juntos, são ingredientes necessários para a resistência e a transformação. Jesse Hagopian e Wayne Au, em “Como uma escola primária provocou um movimento em toda a cidade para fazer o Vida dos Estudantes Negros Importa” [p. 11], mostra como os professores conseguiram desencadear uma ação do Black Lives Matter no distrito, desafiando seu sindicato e distrito a assumir uma posição que reverberou em todo o país. Estes são o tipo de ações ousadas que precisamos desesperadamente.

Michael Brown, Philando Castile e Charleena Lyles foram todos vítimas de violência policial – mas também eram estudantes de escola pública, trabalhadores e pais. Se as escolas devem ser sempre “espaços seguros”, precisamos construir nossa capacidade de defender uns aos outros. Seja da polícia, dos supremacistas brancos, dos agentes da ICE ou de desastres climáticos, isso exigirá trabalho de justiça social dentro e fora da sala de aula. À medida que retornamos às nossas escolas neste outono, precisamos nos rededicar a construir um sistema educacional e uma sociedade que valorize as vidas negras.

Extraído de https://mronline.org/2017/09/29/making-black-lives-matter-in-our-schools/. Tradução de Giovanna Marcelino.


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