A bola como bandeira

Por ocasião da final do Mundial de Clubes, a ser disputada hoje entre Grêmio e Real Madrid, publicamos crônica do escritor uruguaio sobre futebol e nacionalismos.

Eduardo Galeano 16 dez 2017, 14:37

No verão de 1916, em plena guerra mundial, um capitão inglês se lançou ao ataque chutando uma bola. O capitão Nevill saltou do parapeito que o protegia, e correndo atrás da bola encabeçou o assalto contra as trincheiras alemãs. Seu regimento, que vacilava, acabou indo atrás. O capitão foi morto por um tiro de canhão, mas a Inglaterra conquistou aquela terra de ninguém e pôde celebrar a batalha como a primeira vitória do futebol inglês na frente de guerra.

Muitos anos depois, já nos finais do século, o dono do Milan ganhou as eleições italianas com um lema, Forza Itália!, que vinha das arquibancadas dos estádios. Silvio Berlusconi prometeu que salvaria a Itália como havia salvo o Milan, a superequipe campeã de tudo, e os eleitores esqueceram que algumas de suas empresas estavam à beira da ruína.

O futebol e a pátria estão sempre unidos; e com freqüência os políticos e os ditadores especulam com esses vínculos de identidade. A esquadra italiana ganhou os mundiais de 34 e 38 em nome da pátria e de Mussolini, e seus jogadores começavam e terminavam cada partida dando vivas à Itália e saudando o público com a palma da mão estendida.

Também para os nazistas, o futebol era uma questão de estado. Um monumento lembra, na Ucrânia, os jogadores do Dínamo de Kiev de 1942. Em plena ocupação alemã, eles cometeram a loucura de derrotar uma seleção de Hitler no estádio local. Tinham sido avisados: Se ganharem, morrem.

Entraram resignados a perder, tremendo de medo e de fome, mas não puderam agüentar a vontade de ser dignos. Os onze foram fuzilados vestidos com as camisas, no alto de um barranco, quando terminou a partida. Futebol e pátria, futebol e povo: em 1934, enquanto a Bolívia e o Paraguai se aniquilavam mutuamente na Guerra do Chaco, disputando um deserto pedaço de mapa, a Cruz Vermelha paraguaia organizou uma equipe de futebol, que jogou em várias cidades da Argentina e do Uruguai, e juntou dinheiro suficiente para atender os feridos de ambos os lados no campo de batalha.

Três anos depois; durante a guerra da Espanha, duas equipes peregrinas foram símbolos da resistência democrática. Enquanto o general Franco, aliado a Hitler e Mussolini, bombardeava a república espanhola, uma seleção basca percorria a Europa e o Barcelona disputava partidas nos Estados Unidos e no México. O governo basco enviou a equipe Euskadi à França e a outros países, com a missão de fazer propaganda e coletar fundos para a defesa. Simultaneamente, o Barcelona embarcou para a América. Era o ano de 1937, e o presidente do Barcelona já havia tombado sob as balas franquistas. As duas equipes encarnaram, nos campos de futebol e também fora deles, a democracia acossada. Só quatro jogadores catalães voltaram à Espanha durante a guerra. Dos bascos, apenas um. Quando a República foi vencida, a FIFA declarou rebeldes os jogadores exilados, e os ameaçou com a cassação definitiva, mas alguns conseguiram incorporar-se ao futebol latino-americano. Com vários bascos formou-se, no México, o clube Espanha, que foi imbatível em seus primeiros tempos. O centroavante da equipe Euskadi, Isidro Lángara, debutou no futebol argentino em 1939. Em sua primeira partida, fez quatro gols. Foi pelo San Lorenzo, onde também brilhou Angel Zubieta, que havia jogado no meio de campo do Euzkadi. Depois, no México, Lángara encabeçou a lista de artilheiros de 1945 no campeonato local.

O time modelo da Espanha de Franco, o Real Madri, reinou no mundo entre 1956 e 1960. Esta equipe deslumbrante ganhou quatro campeonatos da Liga espanhola, cinco Copas da Europa e uma intercontinental. O Real Madri andava por toda parte e sempre deixava todo mundo de boca aberta. A ditadura de Franco tinha encontrado uma insuperável embaixada ambulante. Os gols que a rádio transmitia eram toques de clarim triunfais mais eficazes que o hino Cara ao Sol. Em 1959, um dos chefes do regime, José Solís, pronunciou um discurso de gratidão diante dos jogadores, “porque gente que antes nos odiava, agora nos compreende graças a vocês”.

Como o Cid Campeador, o Real Madri reunia as virtudes da raça, embora se parecesse mais com a Legião Estrangeira. Nele brilhavam um francês, Kopa, dois argentinos, Di Stéfano e Rial, o uruguaio Santamaría e o húngaro Puskas. Perene Puskas era chamado de Canhãozinho, pelas virtudes demolidoras de sua perna esquerda, que também sabia ser uma luva.

Outros húngaros, Ladislao Kubala, Zolkan Czibor e Sandor Kocsis, brilharam no Barcelona daqueles anos. Em 1954 foi colocada a primeira pedra do Camp Nou, o grande estádio que nasceu de Kubala: o público que ia vê- lo jogar, passes milimétricos, arremates certeiros, não cabia no estádio anterior. Czibor, enquanto isso, tirava chispas das chuteiras. O outro húngaro do Barcelona, Kocsis, era um grande cabeceador. Era chamado de Cabeça de ouro, e um mar de lenços comemorava seus gols. Dizem que Kocsis foi a melhor cabeça da Europa, depois de Churchill.

Em 1950, Kubala havia integrado um time húngaro no exílio, o que lhe valeu uma suspensão de dois anos, decretada pela FIFA. Depois, a FIFA puniu com mais de um ano de suspensão Puskas, Czibor, Kocsis e outros húngaros que tinham jogado em outro time do exílio a partir do final de 1956, quando a invasão soviética esmagou a insurreição popular.

Em 1958, em plena guerra da independência, a Argélia formou uma seleção de futebol que pela primeira vez vestiu as cores pátrias. Integravam seu plantel Makhloufi, Ben Tifour e outros argelinos que jogavam profissionalmente no futebol francês. Bloqueada pela potência colonial, a Argélia só conseguiu jogar com o Marrocos, país que por tal pecado foi desfiliado da FIFA durante alguns anos, e além disso disputou umas poucas partidas sem transcendência, organizadas pelos sindicatos esportivos de certos países árabes do leste da Europa. A FIFA fechou todas as portas à seleção argelina e o futebol francês castigou esses jogadores decretando sua morte civil. Presos por contrato, nunca mais poderiam voltar à atividade profissional. Mas depois que a Argélia conquistou a independência, o futebol francês não teve outro remédio senão tornar a chamar de volta os jogadores que suas arquibancadas convocavam.


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