Símbolo Yashin
O goleiro que foi metáfora de toda uma época foi escolhido para ilustrar o poster oficial da Copa de 2018 na Rússia.
O goleiro que foi metáfora de toda uma época: a última linha de defesa, o custódio final dessa fronteira que a ninguém permitiria macular, a pátria soviética tão resguardada como os três postes sob os quais ele ficava.
O aparato propagandístico da URSS havia conseguido que cada gol repelido pelas colossais mãos de LevIvanovich Yashin fosse visto como um triunfo primeiro sobre o fascismo e depois sobre o capitalismo.
No entanto, antes inclusive de que a futura “Aranha Negra” nascesse e deleitasse a todos com suas defesas, o vratar (goleiro em russo) já servia como lembrança de que a proteção do vasto território nacional não era labor exclusivo de militares, mas de todo civil. Numa novela do fina dos anos vinte, Yuri Olesha apresenta uma partida entre o egoísmo ocidental e o sentido comunal soviético; aí, o guarda-metas Volodya Makarov emerge como herói. Pouco depois, um filme de Semión Timoshenko reitera o simbolismo desse goleiro que será a última barreira para evitar um ataque estrangeiro; nela, Anton Kandidov contém a equipe dos Búfalos Negros (alegoria do fascismo) e inspira um poema muito utilizado durante a Segunda Guerra Mundial, por cierto, conhecida na URSS como Grande Guerra Patriótica: “Ei você, goleiro, prepare-se para a batalha! Você é o vigilante da cruz fronteiriça. Só imagina que atrás de você, a fronteira deve ficar a salvo”.
Em parte por isso, ainda que evidentemente também por suas milagrosas intervenções e imponente presença, por seus 150 penais defendidos e sua inovação ao atuar mais adiantado, por seu trago de vodka antes de cada partida e sua condecoração com a Ordem de Lenin, Yashin foi muito, muitíssimo mais que um futebolista. Como complemento para forjar um culto a sua imagem, jogava para o Dynamo de Moscou, a equipe operada pela KGB diretamente da Lubianka.
Muito longe do Kremlin, vários lutaram por sua posse: na Espanha franquista se difundia o rumor de que era um menino basco sequestrado pelos comunistas durante a Guerra Civil; na Alemanha da pós-guerra se insistia que havia nascido na extinta Prússia Oriental (então já território russo e polonês), motivo pelo qual sua seleção tinha que ser a teutônica; entre os judeus russos o murmúrio de que era dessa religião e de que se ocupava de evitar deportações massivas de judeus para a Sibéria (o único argumento deles era o nome: como Trotsky, ele sim judeu e de sobrenome Bronstein, Lev ou Leon).
Se algo faltava para Yashin tornar-se um ícone, nesse país que tanto ressentia a falta deles desde que a Revolução Bolchevique proibiu a religião, foi o único goleiro que recebeu a Bola de Ouro como melhor jogador de futebol do ano em 1963. Na conquista do planeta, bem podiam parar Yuri Gagarin e ele, indiscutíveis pioneiros, o que propiciou a frase que disse ou lhe foi atribuída: “a sensação de ver Gagarin no espaço só é comparável ao meu deleite por defender uma penalidade”.
Esses dois elementos conforam o pôster da Rússia 2018: conquista espacial e Yashin como última linha de defesa…, só que tantíssimas décadas depois: híbrido de orgulho, nostalgia e regressão.
29 de novembro de 2017
Fonte: http://www.24-horas.mx/simbolo-yashin/