Deter a ofensiva patronal de Temer e erguer uma alternativa para a classe trabalhadora brasileira!
Em sua mediocridade, própria a um articulador dos interesses do grande capital, Temer assume a impopular tarefa ditada pelas exigências da acumulação capitalista.
Michel Temer se coloca na história do Brasil como o homem providencial da burguesia nacional e transnacional associada, nos marcos da crise global do capitalismo. Em sua mediocridade, própria a um velho articulador corrupto dos interesses do grande capital, Temer assume na conjuntura a impopular tarefa ditada pelas exigências da acumulação capitalista combinada com aquela ligada à autodefesa das máfias parlamentares e governamentais contra as ações da Justiça. Mediocridade e alheamento ao sentimento popular são, para a tarefa posta, trunfos decisivos. A acumulação espoliativa do capitalismo neoliberal em crise, que articula o saque aos recursos naturais e às finanças públicas com o desmantelamento dos direitos e garantias populares mais fundamentais, encontrou no governo ilegítimo de Temer um operador à altura do caráter ético-político de suas exigências.
A contemporânea degeneração rentista do capitalismo, como bem analisada pelo economista Michael Hudson, está na base da crise capitalista mundial que eclodiu em 2007-2008, que ainda não apresenta sinais de superação. O superendividamento imposto pelo parasitismo rentista (cada vez mais dominante) aos governos, famílias e empresas por praticamente todo o mundo funciona – de múltiplas maneiras – como um peso sobre a atividade produtiva e a “economia real”, bloqueando seu desenvolvimento. Como a acumulação financeira precisa encontrar lastro na produção concreta de mais-valia, se articula com uma cada vez mais intensa superexploração do trabalho global, sobretudo – mas não apenas – na periferia e semiperiferia capitalista. Vivemos no Brasil, sob Temer, o agressivo ajuste das relações de classe ao novo patamar de superexploração do trabalho exigido pela oligarquia financeira global e nacional combinadas.
O aprofundamento acelerado da integração da grande burguesia brasileira ao capitalismo internacional, nesses últimos 15 anos, reafirmou a tendência iniciada nos anos 90 e levou-a às últimas consequências. Com a alavancagem neodesenvolvimentista do grande capital nacional promovida pelo Estado brasileiro e suas agências, o estrato superior da classe dominante transnacionalizou seus negócios de modo inédito em nossa história, entrelaçando ainda mais seus interesses e necessidades àquelas do capital internacional. Dependendo mais das condições gerais da acumulação capitalista global do que do “desenvolvimento nacional” brasileiro. Por aí compreendemos a adesão da grande burguesia a um modelo de “desenvolvimento” baseado na desnacionalização e desindustrialização profundas de nossa economia. O peso da indústria no PIB brasileiro é hoje de cerca de 11%, equivalente ao índice registrado na década de 1940! Todo o esforço de industrialização do país realizado ao longo da segunda metade do século XX – cujo ápice foi uma participação da indústria no PIB de mais de 20%, nos anos 80 – se perdeu, em um processo conduzido por uma burguesia explicitamente destituída de qualquer caráter nacional.
Desde Mariátegui, Ruy Mauro Marini e Florestan sabemos da incapacidade da burguesia brasileira e latinoamericana para liderar qualquer projeto democrático de desenvolvimento econômico e social autônomo, não apenas por sua integração subordinada e dependente às estruturas do mercado e do capitalismo mundial, como também por sua desconfiança e hostilidade às massas populares, fundada num supremacismo branco renitente e que lhe é constitutivo: ambos elementos herdados das estruturas coloniais de nossa formação social que não foram – e não seriam mesmo – revolucionadas sob o poder dessa burguesia. No entanto, o que vivemos agora é um salto adiante na afirmação do caráter antinacional e antissocial dessa classe dominante, que é também em forte passo para trás
O congelamento dos investimentos públicos na área social por 20 anos, o desmonte da legislação trabalhista e da previdência, nos marcos de uma economia fundada na liderança do parasitismo financeiro e da exportação agro mineral, formam o quadro do que os capitalistas têm a oferecer ao povo brasileiro nessa quadra histórica. A intensificação radical da superexploração do trabalho combinada com o desmantelamento da já precária rede de proteção social do povo trabalhador expressa um profundo retrocesso civilizatório, mais um elemento de barbárie constitutivo da guerra de classe que a burguesia desata contra os de baixo. A explosão da miséria e da criminalidade violenta explicitam o esgarçamento do tecido social que está diante de nós. Estamos sob o poder daqueles que produziram e querem reafirmar nossa condição de país com maior desigualdade de renda do mundo, como demonstrado na recente pesquisa internacional liderada por Thomas Piketty.
Temer, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e os poderes estaduais e municipais são campeões de impopularidade. Refletem o estado de degeneração corrupta e oligárquica a que chegou o regime político nascido da transição incompleta com a ditadura empresarial-militar, na segunda metade dos anos 80. Nascido de uma pactuação do movimento democrático com os poderes de fato do dinheiro e dos fuzis, e não de uma verdadeira revolução democrática – como na Argentina, por exemplo – o regime político da “Nova República” nasceu por aqui como uma “democracia de cooptação”, para usar a conceituação de Florestan, aberto à incorporação de novos agentes políticos , inclusive aos oriundos do movimento dos trabalhadores (como o PT), mas não à universalização efetiva dos direitos civis, políticos e sociais ao povo. Funcional durante mais de 20 anos à estabilização da dominação burguesa, esse regime que em 2013 começa a encarar uma grave crise de legitimidade, por falta de uma alternativa de poder nascida do movimento de massa, segue se equilibrando em uma fuga para frente que acentua os aspectos autoritários, oligárquicos e mafiosos que o compõem.
Não seria imaginável a capacidade desse governo e desse regime desmoralizados enfiarem goela abaixo do povo brasileiro o pacote devastador de maldades que fazem, sem a colaboração da cúpula política e sindical do lulismo: que habilmente segue na direção do movimento dos trabalhadores e também, por hesitações da esquerda anticapitalista, como principal referência política para um amplo setor das massas populares. Sendo responsável tanto pelo projeto de aprofundamento da integração da alta burguesia brasileira ao capital transnacional, como pela radicalização do controle mafioso e oligárquico sobre o Estado, exercido pela turba parlamentar e ministerial que com Temer (mas ontem com Lula e Dilma) afundam o país na lama, o lulismo segue operando como recursos político da classe dominante pelo simples fato de incorporar para si os limites políticos da dominação burguesa e de seu regime político apodrecido. Entrelaçado aos esquemas mafiosos e subordinado à lógica oligárquica inerente à dominação burguesa nas circunstâncias do capitalismo dependente brasileiro, o lulismo – pelo alto – bloqueia deliberadamente a luta do movimento de massa contra os ataques de Temer e do Congresso Nacional, levando ao desmonte de seu ânimo combativo e à sua desmoralização, requisitos necessários ao projeto lulista de encaminhar o rechaço a Temer pela via da recomposição da institucionalidade e das eleições de 2018.
A derrota da patronal reforma da previdência pela greve geral e pela luta encarniçada dos sindicatos e do movimento de massa argentinos apontam o caminho para a vitória popular. A missão da classe trabalhadora brasileira, nessa grave crise de destino em que nos encontramos, é combater e deter a barbárie dos de cima, superando o colaboracionismo lulista. Não há empate possível, ou deter a ofensiva burguesa ou o mais profundo retrocesso contra o mundo do trabalho em um século. É urgente estarmos atentos às movimentações que se dão – e se darão ainda mais – nas bases da classe trabalhadora. As reações ao retrocesso patronal se farão sentir por baixo e devemos empalmar com essas lutas. Pela base e pelos locais de trabalho, em resistência contra a precarização concreta das condições de vida, é preciso ir forjando uma nova alternativa de direção sindical e política para a classe trabalhadora brasileira: anti burocrática, radicalmente democrática e anticapitalista. À essa tarefa nos lançamos a partir da Plataforma Sindical MOVER e da CSP Conlutas. Unificar a classe contra os ataques da burguesia e, nesse processo, construir um polo político e sindical independente e revolucionário da classe trabalhadora: aí estão as tarefas centrais que nos colocamos e que entendemos estar colocadas para o conjunto da esquerda democrática e anticapitalista do país.