Naomi Klein, ao ataque contra Trump
Nesta entrevista, a intelectual estadunidense Naomi Klein discute o governo Trump e a atual situação política nos EUA.
Há dez anos em A Doutrina do Choque você demonstrava como um capitalismo do desastre aproveita grandes traumatismos para fazer que apliquem reformas econômicas ou sociais, apresentadas como tantas terapias de choques. Com Isso muda tudo, você analisa por que a mudança climática supõe a última crise até a data em ser objeto deste gênero de exploração. Em seu novo ensaio, Não Basta dizer não, desvela a estratégia de Donald Trump. O presidente norte-americano é produto da doutrina do choque ou é ele mesmo um produtor de “choques”?
Seu método consiste em produzir comoção várias vezes ao dia, via Twitter ou outros canais. Todo o mundo aguarda o novo “choque”, a última declaração provocadora. E isso lhe serve a seu programa econômica, o qual, graças a estas distrações, progride entre bastidores, de forma bastante mais discreta. Está rodeado de vários dirigentes de Goldman Sachs e, numa perspectiva mais ampla, é a eles aos quais tem se subdelegado sua política econômica. Não se dissociou em nenhum caso de seus próprios interesses de empresário privado. O mesmo vale para o grupo de pressão dos combustíveis fósseis, muito arraigado no entorno presidencial; este grupo de pressão controla a Scott Pruitt, a quem Trump colocou à frente da Agência nacional de Proteção Ambiental [EPA] e que acaba de abandonar o projeto de energia verde que constituía o principal aporte de Obama aos acordos de Paris sobre o clima. E isso se junta, porque toda a atenção da mídia se concentra no circo trumpiano.
Mas Trump é igualmente um produto da doutrina do “choque” desde os anos 70. Seu primeiro grande golpe de promotor imobiliário, quando se desligou do amparo de seu pai, consistiu em adquirir um hotel em condições extraordinariamente vantajosas, praticamente isentas de impostos, pois a cidade estava a bordo da quebra, um pouco como hoje Porto Rico, e em mãos de gestores privados antes de que representantes democraticamente eleitos. É um perfeito exemplo de exploração da crise em benefício das elites.
Como definir a marca Trump?
A novidade de Trump é que representa um modelo empresarial que existe só há duas décadas. Outros dirigentes já haviam tomado emprestadas estratégias de marca na empresa, como Tony Blair, ao rebatizar o Partido Trabalhista como “New Labour” ou ao lançar o lema “Cool Brittania”. Mas o fato de que um presidente se transforme em marca que se lança ao mercado e confunda esta marca com a política presidencial, isso é algo inédito.
Em outro tempo, as empresas se apresentavam como fabricantes de produtos ou provedoras de serviços, e eram esses produtos ou esses serviços o que vendiam enquanto criavam uma identidade de marca para distinguir-se da concorrência. Escrevendo Sem Logo, há vinte anos, descobri um novo gênero de empresas que vendiam, não já um produto ou um serviço, mas uma identidade, um modo de vida. Para esta nova tribo comercial, a produção era o marketing mesmo, e a identidade da marca se fundia na cultura por referência ao esporte ou à música, inclusive à revolução. Nike foi uma empresa pioneira a este respeito: não tinha sequer vontade de possuir suas próprias fábricas. É o que chamei “marcas vazias”. Essas empresas estavam ao mesmo tempo por toda a parte e em nenhuma parte, indiferentes a sua mão de obra, e terceirizavam sistematicamente sua produção. Nike vende a ideia de transcendência por meio do esporte, Starbucks, a de uma comunidade; Apple, a ideia de revolução. Trump aplicou este processo: se lançou ao setor imobiliário graças a sua fortuna familiar, mas deixou muito rapidamente de construir e de vender imóveis para vender seu nome e sua imagem de marca, associados a um modo de vida, a outros promotores que carregavam com todos os riscos concretos e financeiros ligados à construção imobiliária. Trump encarna a fusão entre o homem e a grande empresa, megamarca de um só personagem, cuja mulher e cujos filhos são marcas derivadas.
Quais são os valores associados à marca Trump?
A imagem que vende Trump é a da impunidade graças ao dinheiro, uma liberdade e um poder inacessíveis à gente do comum. Este sonho capitalista se acompanha do último signo de poder em nosso mundo: estar rodeado de mulheres. E assim resulta que faz alarde de seus amantes, que deixa cair rumores nas revistas de escândalos nova-iorquinas sobre seus problemas conjugais e suas infidelidades. Sua mensagem eleitoral era: viva a mesma vida de sonhos que eu. Criou uma universidade particular, que prometia, pagamento adiantado, ensinar seus métodos e poder acessar seu mundo. Seus cassinos ofereciam a mesma promessa. Mas esta experiência culminou, certamente, com seu programa de telerrealidade, The Celebrity Apprentice, que exibia sua fortuna, seu poder e seu luxo, prometendo isso ao único ganhador do jogo. Promoveu a riqueza por si mesmo, a ideia de ser ganhador num mundo de perdedores, um predador ideal. E para ele, o significado do poder é poder abusar das mulheres. Trump opera só a seu bel-prazer: agarra a tudo o que passa, desonra, humilha o que quer quando quer: é o predador em chefe.
A ascensão de Trump acompanha o triunfo do neoliberalismo desde os anos de Reagan, os anos 80. Nesse contexto de precarização e de desclassamento é no qual pôde vender esse sonho de libertar-se de toda regra, de viver em sua própria realidade, de negar inclusive as constrições do mundo real ou da ciência.
Daí seu fascínio pelo “catch” e pelos combates trucados. Transpôs o princípio do jogo a sua campanha eleitoral. Prometeu a seu eleitorado de classes médias inferior a mesma revanche que aos candidatos de seu game televisionado: o poder de humilhar aos perdedores… os imigrantes, os negros, as mulheres…
É Trump uma síntese perfeita do que você denunciou em seus três livros precedentes?
Efetivamente, Sem Logo descrevia a forma na qual as supermarcas invadem o espaço público: Trump representa a parte superior desta tendência ocupando o Salão Oval. A ideia de impunidade pelo poder definiu sempre, por outro lado, a política exterior norte-americana: o excepcionalismo norte-americano, o rechaço a prestar contas ante o Tribunal Penal Internacional e as demais instituições da ONU. Quanto à doutrina do “choque”, Trump explora crise para exacerbar as divisões econômicas em benefício de uma elite minoritária e riquíssima. Encanta-lhe desestabilizar o povo e distrair sua atenção do que verdadeiramente está em jogo por meio da trivialidade: é ao mesmo tempo a doutrina do “choque” e a doutrina do cheap [barato]! Seus ultrajes são tão viciantes como a comida-lixo… Mas de golpe, não se destaca que reduz os impostas das empresas ou a imposição imobiliária, o que beneficiará diretamente a sua família e aos milionários que compõem seu gabinete, esses “professores do desastre” que construíram principalmente seus impérios sobre a expropriação das pequenas propriedade na raiz da crise financeira, enormemente imputável ela própria a Goldman Sachs, que se beneficiou dela depois. É um escândalo bastante pior que os excessos histriônicos de Trump, e a perfeita ilustração de um “capitalismo do desastre” ou da catástrofe. Do mesmo modo que isso é que a indústria petrolífera mantenha uma crise crônica da qual tira partido: Exxon pratica a desinformação sobre a mudança climática aproveitando o degelo da calota polar para efetuar novas prospecções. Deitaram por terra todas as regulamentações de controle energético e ecológico. Bem, a modificação de nosso sistema de produção energético e de transporte supõe taxas fiscais que não quer a direita.
Fala você de três “d”: destruição, desregulação, desconstrução
Ao escrever A doutrina do choque, teria que haver insistido, para começar, na forma na qual o neoliberalismo explora a xenofobia e o rechaço dos imigrantes. É tão certo de Trump como de Marine Le Pen ou dos partidários do Brexit. Não se pode compreender o auge do neoliberalismo sem sublinhar quanto exacerbou as fraturas raciais para dividir os trabalhadores. Desde Reagan, mas também com Clinton, se acusou aos imigrantes e as minorias étnicas de abusar das ajudas sociais, de viver às custas da sociedade.
Reagan dizia que “o Estado não é a solução para nossos problemas: o Estado é o problema”, Trump é seu herdeiro ou produto de uma nova cultura empresarial que fetichiza os “disruptores”, os inovadores que fazem fortuna ignorando as leis de forma flagrante?
Trump é ambas as coisas ao mesmo tempo. A herança de Reagan consiste em considerar os diretores executivos como força vital dos Estados Unidos, em apagar as fronteiras entre o mundo dos negócios e o mundo político. Reagan não inventou este processo, mas o acelerou. Trump acrescentou a este desafio ao intervencionismo do Estado, e inclusive à sociedade civil, uma verdadeira diabolização dos poderes público, explorando o desgosto às vezes legítimo do eleitorado face à corrupção da esfera política.
Por outro lado, compartilha com os “disruptores”, o culto da inovação brutal, com o desprezo a toda regra e uma indiferença total a toda objeção ou acusação. Seu postulado é que, chegado a um certo grau de riqueza, pode-se eludir toda pergunta sobre a forma ilegal em que chegou a obtê-la. É a mesma impunidade que reivindicam Google, Facebook ou Uber.
O fenômeno Trump é a encarnação desse lugar comum segundo o qual os milionários seriam os únicos capazes de resolver nossos problemas?
Queria, sobretudo, dissipar um mito, o que imputa toda a responsabilidade aos republicanos, como se houvesse duas Américas do Norte estanques. Pois os democratas também contribuíram para pôr em marcha este sistema. Embora Trump explore de modo efetivo o racismo, a misoginia e a homofobia, nunca teria chegado ao poder sem a deriva dos meios de comunicação, incluindo os progressistas, rumo à informação espetáculo, e sua forma de tratar a campanha eleitoral como um programa de telerrealidade. Ele entrou em cena, mas não construiu esta cena. Simplesmente, é melhor ator para este gênero de papel que os políticos tradicionais. O espetáculo sensacionalista é seu universo.
E este mito do milionário filantropo, que sugere que os problemas políticos mais candentes (os do meio ambiente ou da educação, por exemplo) poderiam arrumar-se graças às esmolas de alguns oligarcas mais ricos que muitos estados, existe também entre progressistas. A Fundação Clinton é bom exemplo disso. Em lugar de recorrer a instituições transparentes e democráticas, apela-se à benevolência destes milionários, e se sub-contrata com eles a resolução destes problemas, ainda que não tenham nenhuma experiência nesses terrenos. Sua fortuna faz às vezes de competência. São supostos progressistas como os Clinton, Bill Gates, Richard Branson ou Michael Bloomberg os que prepararam o terreno para Trump.
Mas do lado inverso, as campanhas de Bernie Sanders e Jeremy Corbyn demonstram que é possível ter um impacto político real, se o fundo, o conteúdo do programa responde às necessidades das pessoas em termos de saúde, moradia, educação e transportes… Neste sentido, considero Corbyn como a “anti-marca” por excelência. É sua espetacular ausência de credibilidade [eleitoral] a que vale a confiança e o fervor dos jovens, e o que paradoxalmente lhe confere uma aura de estrela do “rock” entre eles. Os exemplos de Sanders e Corbyn confirmam que se pode fazer ainda política sem aderir a este perigoso modelo da marca oca, adotado tanto pela esquerda como pela direita, por Trudeau como por Macron, a golpe de lemas vazios.
Para você, Trump pôde manter um clima de crise essencialmente graças a sua retórica de excessos. A que catástrofe ou série de catástrofes nos arriscamos? Choques bélicos, choques econômicos ou choques climáticos?
Todos estes riscos me inquietam. As primeiras comoções que se produziram sob a presidência de Trump estão ligados ao clima: os incêndios florestais da Califórnia duraram todo o verão, mas nunca haviam prosseguido assim no outono, e seguem piorando. E a seguir os furacões, imensos territórios do continente americano, como Porto Rico, têm que se reconstruir; bem, a estruturação desses mercados de obras públicas constitui uma aposta crucial. A reconstrução de Houston foi confiada ao antigo presidente da Shell… A doutrina do “choque” aplicada a Porto Rico está destinada a permitir a privatização da eletricidade e da rede vial, invocando a dívida pública local. Mas constata-se uma resistência, tanto sobre o terreno como por parte dos porto-riquenhos assentados nos Estados Unidos. Esta crise ilustra a articulação entre o perigo climático, a herança do neoliberalismo e a do colonialismo, pois Porto Rico segue sendo no fundo uma colônia desprovida de direitos, sobretudo os eleitorais. A gestão da crise foi confiada a uma equipe privada, não-eleita. Eu pertenço a um grupo que milita por uma reconstrução justa de Porto Rico, pela anulação da dívida e uma participação democrática nas decisões que tenha que tomar. Uma implicação da população que contribuiria para criar empregos, sobretudo por meio de uma política agrária, uma menor dependência das energias fósseis, a fim de favorecer a autossuficiência energética.
E estou aterrada pelas tensões com a Coreia do Norte. Certamente, Trump explora uma crise preexiste, mas dispõe unilateralmente do poder de desencadear uma guerra nuclear. Creio que está fascinado pela dimensão espetacular da guerra. Resistirá à tentação de explorar o arsenal militar norte-americano para um “show de shows” de violência apocalíptica?
Por último, a presença de membros de Goldman Sachs em seu entorno me faz temer uma nova crise financeira e a forma na qual esta gente poderia explorá-la.
Você milita por uma mobilização transversal devido ao que Barack Obama decepcionou no tocante às esperanças de mudança desde acima? Você tem exemplos de formas de resistência eficaz a Trump?
Intitulei meu livro de Não basta dizer não porque se nos contentamos com resistir voltaremos simplesmente ao ponto em que estávamos com Obama: um período de precariedade econômica e social, de expulsão massiva de imigrantes, de violências policiais com a população negra, de transbordamento da crise climática. Nossa tarefa é mais difícil e mais ambiciosa: associar à resistência propostas concretas para mudar as coisas. Se Trump foi eleito, não se deve somente aos votos que obteve mas também à desmobilização e ao abstencionismo. Foi Hillary Clinton, sobretudo, quem perdeu as eleições, pois uma parte de sua base eleitoral não se reconhecia em seu programa. Me infunde esperança a constelação de que um número cada vez maior de pessoas ao mesmo tempo que não e que sim, lutando palmo a palmo para preservar seu seguro médico. Vemos que surge uma onda de fundo que reclama uma cobertura médica universal, tanto em escala federal como dos estados, e dezessete senadores, neoliberais com tudo, se somaram já a esta proposta de Bernie Sanders pressionados por seu eleitorado. Do mesmo modo, os jovens imigrantes não só se resistem às medidas de expulsão de Trump mas que criticam o sistema de proteção de menores imigrantes estabelecido por Obama, argumentando que instauraria uma brecha entre os menores e seus pais, que seguiriam estando ameaçados de expulsão. Reclamam, portanto, o mesmo status para todos os imigrantes recentes.
A mobilização dos índios e dos ecologistas de Standing Rock contra o capitalismo ecocida e o supremacismo branco constitui outro exemplo a seguir. Vemos também centenas de municípios que, sob o impulso do prefeito de Pittsburgh, negam-se a retirar-se dos acordos de Paris sobre o clima e tomam iniciativas ecológicas em escala local. O problema é que todas iniciativas seguem estando demasiado separados: o meio ambiente, a justiça racial, a justiça social… Em lugar de ter uma convergência de lutas, constata-se uma privatização (muito neoliberal!) do ativismo político.
Está ligado à debilidade dos sindicatos, que se contentam com defender a seus filiados sobre uma base corporativa, em lugar de proporcionar uma infraestrutura para um reagrupamento das lutas e da contestação. É preciso criar um espaço sem barreiras onde os representantes de diversas causas possam planejar o depois de Trump sobre a base de uma visão global, holística e uma definição dos valores de uma sociedade fundados sobre a solidariedade, da ajuda mútua, o viver juntos e a preocupação pelo planeta.
Você é co-autora de The Leap Manifesto, que propunha um programa sem partido. Por quê?
Estávamos em plena campanha eleitoral canadense e constatamos que os programas dos grandes partidos dissociavam os problemas: desigualdades econômicas, problemas climáticos, direitos dos povos indígenas… E seu enfoque da crise climática seguia surdo aos alertas dos cientistas, sob a pressão do lobby das energias fósseis. Nosso grupo reunia sindicalistas, representantes de movimentos ecologistas como o Greenpeace, mas assim mesmo militantes de base que atuavam em favor do direito à moradia ou dos direitos dos imigrantes. Demos prioridade a uma discussão positiva, que vá mais além do não para propor soluções de transformação e sobretudo uma visão nova. Pois uma das armas do neoliberalismo consiste em declarar guerra à imaginação fazendo crer que não há alternativa, que alcançamos o final da história.
Logramos suscitar um debate, e alguns partidos retomaram nossas propostas, apesar da perplexidade da mídia frente a este programa sem partido. É preciso mudar de paradigma: substituir uma ideologia fundada na especulação financeira e consumo massivo, que considera as pessoas e o planeta como recursos inesgotáveis e descartáveis, por uma cultura que proteja as energias renováveis daqui a trinta anos, mas no intervalo é preciso construir um sistema econômico mais justo, uma gestão democrática e equitativa da energia, em lugar de deixá-la nas mãos de grandes empresas. Os fundos públicos devem ser direcionados aos povos indígenas e aos imigrantes para que possam controlar seu acesso à energia, ou para que não estejam já mais expostos à contaminação.
É o que chamamos linhas de frente. É preciso estabelecer uma política do cuidado e da reparação, da reconstrução. Há demasiadas atividades não-contaminantes que não são reconhecidas ainda como ecológicas: a puericultura, a ajuda às pessoas mais idosas, ou inclusive a criação artística. Faz falta que estas atividades sejam reconhecidas como tais e, no caso das primeiras, estejam melhor pagas, em lugar de que caiam sob um sistema de exploração. É preciso desenvolver uma economia de progresso para financiar tudo isso, tendo por princípio que os que contaminam são os que pagam, para evitar toda a desigualdade ecológica. Pois se os trabalhadores se mostram hostis à ecologia é porque seus benefícios são capturados pelos ricos , que nem sequer a financiam. E nosso manifesto inspirou outros em escala local, nos estados ou nos municípios, no Canadá e depois nos Estados Unidos, em Los Ángeles, por exemplo, onde estas iniciativas, sobretudo as ecológicas, são algo candente.
Pode nos falar dos avanços do “People’s Summit de junho de 2017, no qual você participou?
Esta cúpula foi organizada pela National Nurses United, o sindicato das enfermeiras. Trata-se do maior dos sindicatos norte-americanos, do qual 150 000 filiadas são mulheres de cor, sobretudo imigrantes. Entabulamos formas de colaboração frutíferas com os movimentos Black Lives Matter, Fight for $ 15 (que exige o aumento do salário mínimo) e dezenas de organizações a mais. As enfermeiras se expressam ao mesmo que pessoas que prestam ajuda, defendem também os direitos de seus pacientes, amiúde privados de cobertura médica. E ligam a saúde à preservação do meio ambiente. Lutam, portanto, ao mesmo tempo contra a supressão do Obamacare, contra a proliferação de oleodutos e minas de carvão, contra a expulsão das enfermeiras porto-riquenhas, com uma energia incrível. Afirmam o valor de toda a vida. Um movimento gerido por um grupo assim, e não pelos sindicatos das indústrias tradicionais, aporta uma dinâmica nova.
Portanto, você é otimista?
A verdade é que não. Mas me nego a me comprazer no pessimismo, o que nós jogamos é demasiado importante para sermos derrotistas. Em lugar de ficarmos lamentando sobre nós mesmos, toda pessoa que disponha de uma tribuna e de possibilidades materiais, sociais e culturais para se expressar tem o dever de fazê-lo para redesenhar o mapa político. Deposito muitas esperanças nas novas gerações, nesses jovens partidários de Sanders e de Corbyn, que já não creem mais nos contos de fadas do neoliberalismo. Sua imaginação é maior que a nossa, e sua cólera, mais forte. Impressiona-me muito seu compromisso, sua vontade de transplantar seu ativismo do terreno da sociedade civil para a arena política, no seio dos partidos e do processo eleitoral.
É um momento crucial de mobilização: todo mundo às barricadas! Nos faz falta uma contra-estratégia de choque. Reencontrar o fervor utópico que animou os grandes movimentos sociais. Atuar partido da base para melhorar radicalmente a vida das pessoas. Rebaixar a cólera para ir adiante coletivamente. Negar-se a entrar no jogo do antagonismo e do ódio que tentam nos impor, mas propondo uma visão afirmativa e positiva.
Fonte: L´Obs, nº 2764, 26 de octubre-1 de noviembre de 2017