Oprah Winfrey: uma das melhores pensadoras neoliberais do mundo

Oprah é atraente porque suas histórias escondem o papel das estruturas políticas, econômicas e sociais em nossas vidas. Elas fazem o sonho americano parecer possível.

Nicole Aschoff 15 jan 2018, 12:01

Na sabedoria de Oprah Winfrey, uma história particular é contada repetidamente. Quando Oprah tinha 17 anos, ganhou o Concurso de Miss Prevenção de Incêndios em Nashville, Tennessee. Até aquele ano, toda vencedora tinha uma cabeleira vermelha, mas a vitória de Oprah comprovaria uma mudança no jogo.

O concurso foi o primeiro dos muitos sucessos para Oprah. Ela venceu inúmeros Emmys, foi nomeada para um Oscar e aparece em listas como as 100 pessoas mais influentes da revista Time. Em 2013, foi premiada com a Medalha Presidencial da Liberdade. Ela fundou o Clube de Livros da Oprah, que muitas vezes é creditado com a revitalização do interesse dos americanos em ler. Sua generosidade e espírito filantrópico são lendários.

Oprah tem legiões de fãs obsessivos e dedicados que a escrevam cartas e a seguem em banheiros públicos. Oprah se aquece no seu amor: “Eu sei que as pessoas realmente, realmente, realmente me amam, me amam”. E ela os ama de volta. Faz parte de sua “chamada superior”. Ela acredita que ela foi colocada nesta Terra para levantar as pessoas, para ajudá-las e “viver sua vida melhor”. Ela encoraja as pessoas a se amarem, acreditarem em si mesmas e seguirem seus sonhos.

Oprah é uma de um novo grupo de contadores de história de elite que apresentam soluções práticas para os problemas da sociedade que podem ser encontrados dentro da lógica das estruturas lucrativas de produção e consumo existentes. Eles promovem soluções baseadas no mercado para os problemas de poder corporativo, tecnologia, divisões de gênero, degradação ambiental, alienação e desigualdade.

A popularidade de Oprah decorre em parte de sua mensagem de empatia, apoio e amor numa sociedade cada vez mais estressante e alienante. Três décadas de empresas reestruturando suas operações eliminando empregos (através de desgaste, tecnologia e terceirização) e desmantelando tanto o trabalho organizado como o Estado de bem-estar social deixaram os trabalhadores numa situação extremamente precária.

Hoje, os novos empregos da classe trabalhadora são principalmente empregos de serviço com baixos salários, e os privilégios que uma vez acompanharam os trabalhadores de colarinho branco desapareceram. O trabalho contingente flexível e orientado a projetos se tornou a norma, permitindo a empresas que aumentem seus requisitos para todos os trabalhadores exceto aqueles no topo. Enquanto isso, os custos de educação, moradia, assistência à infância e saúde aumentaram enormemente, tornando ainda mais difícil para indivíduos e famílias os superarem, nem pensar em prosperarem.

Nesse clima de estresse e incerteza, Oprah nos conta histórias da sua vida para nos ajudar a entender nossos sentimentos, lidar com dificuldades e melhorar nossas vidas. Ela apresenta sua jornada pessoal e a metamorfose da pobre garotinha no Mississippi rural para a profeta bilionária como um modelo para superar a adversidade e encontrar “uma vida doce”.

O relato biográfico de Oprah foi gerenciado, revisado e maltratado no olhar público por 30 anos. Ela usou sua precoce inteligência e talento para canalizar a dor do abuso e da pobreza para construir um império. Ela chegou à televisão aos 19 e já tinha seu próprio programa em uma década.

O movimento feminista da década de 1970 abriu a porta para a esfera doméstica e privada, e o programa entrou uma década depois, lançando novas bases como um espaço público para discutir problemas pessoais afetando americanos, especialmente mulheres. Oprah abordou tópicos (divórcio, depressão, alcoolismo, abuso infantil, adultério, incesto) que nunca foram discutidos antes com tanta franqueza e empatia na televisão.

A evolução do programa ao longo das décadas refletiu a evolução da própria vida de Oprah. Nos seus primeiros anos, seguiu um “modelo de recuperação” no qual convidados e expectadores foram encorajados a superar seus problemas através da construção de auto-estima e de aprender a se amar.

Mas, à medida que imitações do programa e críticas da “conversa fiada” aumentaram no início da década de 1990, Oprah mudou o formato do programa. Em 1994, declarou que acabou com a “vitimização” e com a negatividade: “É hora de passar do ‘Nós somos disfuncionais’ para ‘O que vamos fazer sobre isso?'” Oprah creditou sua decisão para a sua própria evolução pessoal: “As pessoas devem crescer e mudar” ou “elas vão murchar” e “suas almas vão encolher”.

Em uma aparição no Larry King Live, Oprah reconheceu que ela começou a se preocupar com a mensagem do seu programa e que por isso decidiu embarcar numa nova missão “para levantar as pessoas”. Temas de espiritualidade e empoderamento deslocaram temas de patologia pessoal. Para Oprah, a transformação foi total: “Hoje eu tento fazer bem e estar bem com todos que eu encontro. Eu me certifico de usar minha vida por aqueles que podem ser de boa vontade. Sim, isso me trouxe uma grande riqueza. Mais importante, me fortificou espiritualmente e emocionalmente”.

Um fluxo de gurus de auto-ajuda passou algum tempo no palco de Oprah durante a última década e meia, todos com a mesma mensagem. Você tem escolhas na vida. Condições externas não determinam sua vida. Você o faz. Está tudo dentro de você, na sua cabeça, nos seus desejos e vontades. Pensamentos são destino, então pensar positivo vai permitir que coisas positivas aconteçam.

Quando coisas ruins acontecem conosco, é porque nós estamos as atraindo com pensamentos e comportamentos não saudáveis. “Não reclame sobre o que você não tem. Use o que você tem. Fazer menos do que o seu melhor é um pecado. Cada um de nós tem o poder da grandeza porque a grandeza é determinada pelo serviço — para você e para os outros.” Se nós ouvimos aquele “sussurro” e ajustamos nosso “GPS interno, moral e emocional”, nós também podemos aprender o segredo do sucesso.

Janice Peck, em seu trabalho como professora de jornalismo e estudos de comunicação, estudou Oprah durante anos. Ela argumenta que, para entender o fenômeno da Oprah, nós devemos retornar às ideias rodando em torno da Era Dourada. Peck vê fortes paralelos no movimento de cura mental da Era Dourada e no empreendimento em evolução de Oprah na Nova Era Dourada, a era do neoliberalismo. Ela argumenta que o empreendimento da Oprah reforça o foco neoliberal no “si mesmo”: O empreendimento de Oprah “é um conjunto de práticas ideológicas que ajuda a legitimar um mundo de crescente desigualdade e possibilidades reduzidas ao promover e incorporar uma configuração do ‘si mesmo’ compatível com esse mundo”.

Nada capta esse conjunto de práticas ideológicas melhor do que a O Magazine, cujo objetivo é “ajudar as mulheres a verem toda experiência e desafio como uma oportunidade para crescer e descobrir o seu melhor. Para convencer as mulheres que o objetivo real é tornar-se cada vez mais o que elas realmente são. Para abraçarem sua vida”. A O Magazine implicitamente, e algumas vezes explicitamente, identifica uma série de problemas no capitalismo neoliberal e sugere formas para os leitores se adaptarem para mitigarem ou superarem esses problemas.

O seu trabalho de escritório 60 horas por semana faz suas costas doerem e deixa você emocionalmente exausto e estressado? Claro que sim. Estudos mostram que “morte por trabalho de escritório” é real: pessoas que sentam na mesa todo dia são mais propensas a serem obesas, deprimidas ou simplesmente mortas por motivos não discerníveis. Mas você pode entorpecer esses efeitos e aumentar seu bem-estar com algumas dessas estratégias aprovadas pela O: se tornar mais um “pensador fora da caixa”, porque pessoas criativas são mais saudáveis. Trazer fotos, cartazes e “figurinhas bonitinhas” para decorar seu espaço de trabalho: “Você se sentirá menos emocionalmente exausto e reduzirá o burnout“. Escreva três coisas positivas que aconteceram durante seu dia de trabalho toda noite antes de sair do escritório para “reduzir o estresse e a dor física do trabalho”.

Em dezembro de 2013, O dedicou uma edição inteira para a ansiedade e a preocupação. A edição “domina o valor de uma vida de ansiedades e apreensões”, um assunto adequado dados os níveis crescentes de ansiedade em todo o espectro de idade.

Na edição, as biblioterapeutas Ella Berthoud e Susan Elderkin apresentam uma lista de livros para os ansiosos, prescrevendo-os em vez de uma “viagem à farmácia”. Se sentindo claustrofóbico porque você é muito pobre para sair da casa dos seus pais? Leia Little House on the Prairie. Se sentindo estressado porque seu projeto atual no trabalho está terminando e você não tem outro alinhado? Leia The Man Who Planted Trees. Preocupado que você não vai conseguir pagar o aluguel porque acabou de perder seu emprego? Leia The Wind-Up Bird Chronicles. “Em vez de se sentir deprimido, siga o herói Toru Okada que, enquanto desempregado, embarcou numa jornada libertadora fantástica que muda a forma como ele pensa”.

Oprah reconhece a onipresença da ansiedade e da alienação na nossa sociedade. Mas em vez de examinar a base econômica ou política para esses sentimentos, ela nos aconselha a aproximar nosso olhar e nos reconfigurar para nos tornarmos mais adaptáveis aos caprichos e aos estresses do mundo neoliberal.

Oprah é atraente precisamente porque suas histórias escondem o papel das estruturas políticas, econômicas e sociais. Ao fazer isso, elas fazem o Sonho Americano parecer possível. Se corrigirmos a nós mesmos, nós podemos alcançar nossos objetivos. Para algumas pessoas, o sonho americano é alcançável, mas para entender as chances para todos, nós precisamos olhar desapaixonadamente para os fatores que moldam o sucesso.

A atual encarnação da narrativa do sonho americano sustenta que, se você adquirir capital cultural (habilidades e educação) e capital social (conexões, acesso a redes) suficientes, você poderá transformar esse capital tanto em capital econômico (dinheiro) como felicidade. Capital cultural e capital social são vistos como disponíveis para se pegar (particularmente com avanços tecnológicos da Internet), então os únicos ingredientes adicionais necessários são coragem, paixão e persistência — todos atributos que alegadamente vem de dentro de nós.

O sonho americano baseia-se no pressuposto de que, se você trabalhar duro, a oportunidade econômica vai se apresentar e a estabilidade financeira vai seguir, mas o papel do capital cultural e social em pavimentar o caminho para a riqueza e a realização, ou bloqueá-lo, pode ser tão importante quanto o capital econômico. Algumas pessoas conseguem traduzir suas habilidades, conhecimento e conexões em oportunidade econômica e estabilidade financeira e algumas não — ou porque suas habilidades, sabedoria e conexões não parecem funcionar tão bem, ou porque elas não conseguem adquirí-las em primeiro lugar porque são muito pobres.

Hoje, a centralidade do capital social e cultural é obscurecida (às vezes deliberadamente), como demonstrado na mensagem implícita e explícita de Oprah e seus colegas ideológicos. Em suas histórias e em muitas outras como elas, capital cultural e social são fáceis de adquirir. Eles dizem para nos educarmos. Muito pobre? Faça um curso online. Vá para a Khan Academy. Então eles nos dizem para conhecer pessoas, construir nossa rede. Não tem membros da família conectados? Entre no LinkedIn.

É simples. Qualquer um pode se tornar qualquer coisa. Não há distinção entre a qualidade e a produtividade do capital social de cultural de diferentes pessoas. Estamos todos construindo nossas habilidades. Estamos todos fazendo networking.

Isso é uma ficção. Se todas ou a maioria das formas de capital social e cultural fossem igualmente valiosas e acessíveis, nós deveríamos ver os efeitos disso no aumento da mobilidade ascendente e de riqueza criada por novas pessoas em cada geração em vez de passadas e expandidas de uma geração para a outra. Os dados não demonstram essa mobilidade ascendente.

Os EUA, numa amostra de 13 países ricos, são os que têm mais desigualdade e menos mobilidade nos ganhos entre gerações. A riqueza não é ganhada fresca em cada nova geração por corajosos empreendedores. É transmitida, preservada e expandida através de leis fiscais generosas e a transmissão assídua de capital social e cultural.

A forma como Oprah nos diz para superar tudo e realizar nossos sonhos é sempre nos adaptando ao mundo em mudança, não mudando o mundo em que vivemos. Exigimos pouco ou nada do sistema, do aparato coletivo das pessoas poderosas e instituições. Nós só exigimos de nós mesmos.

Nós somos os sujeitos neoliberais perfeitos, despolitizados e complacentes.

E ainda não somos. A popularidade das estratégias para aliviar a alienação recai sobre o nosso desejo profundo e coletivo de significado e criatividade. O crítico literário e teórico político Fredric Jameson diria que as histórias de Oprah, e outras como elas, são capazes de “gerenciar nossos desejos” apenas porque elas atraem fantasias profundas sobre como queremos viver nossas vidas. Isso é, afinal, o que a narrativa do sonho americano é sobre — não necessariamente uma descrição da vida vivida, mas uma visão de como a vida deveria ser vivida.

Quando as histórias que gerenciam nossos desejos rompem suas promessas repetidas vezes, as histórias em si se transformam em combustível para a mudança e abrem espaço para histórias novas e radicais. Essas novas histórias devem apresentar demandas coletivas que proporcionem uma perspectiva crítica sobre os limites reais ao sucesso na nossa sociedade e promovam uma visão da vida que satisfaça de fato o desejo de auto-realização.

Trecho de New Prophets of Capital (Verso Books) publicado pelo Guardian e traduzido pela Revista Movimento.


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Pedro Micussi