Os debaixo se levantam, é tempo de organizar a indignação!

A análise da realidade sociopolítica de São Caetano (SP) desmente a noção de que a cidade tem uma população “acomodada” de perfil conservador.

Pedro Mendonça 30 jan 2018, 14:27

Dentro do campo da esquerda1 sulsancaetanense há um argumento predominante: a cidade tem um perfil altamente conservador e possuí uma população muito “acomodada”. Se, de fato, algumas evidências podem ser levantadas para validar essa hipótese, como: ser a única cidade que jamais elegeu um prefeito petista no ABC; ter tido nas últimas eleições votações expressivas para o PSDB, por exemplo, a última eleição presidencial; ter os principais sindicatos hegemonizados pela direita; e ter uma expressiva presença de setores médios morando por aqui, a realidade concreta das ruas e das lutas desautoriza essa análise simplória.

Esse argumento sempre me pareceu muito mais um senso-comum de pouca justificação real- que serve para amenizar as vacilações e erros da própria esquerda local e especialmente de seus dirigentes- do que uma análise de causas e efeitos políticos. Ou seja, é óbvio que há particularidades que a esquerda local tem que encarar, assim como há em qualquer localidade, todavia, um dos principais responsáveis pela incapacidade da esquerda sulsancaetanense emplacar uma alternativa real de disputa de poder com força de massas foi o próprio modo de atuação de suas organizações. Nos termos gramscianos: sempre faltou a esquerda local a capacidade de conduzir um projeto hegemônico de mudança da cidade. E como em política não há espaço vazio, as práticas do clientelismo e da velha política da direita dominaram a institucionalidade e até as relações na sociedade civil.

O PT, maior partido de esquerda no último período, é o principal responsável por essa falta de alternativa à esquerda na cidade. Isso porque, a direção majoritária do partido cometeu sucessivos erros e traições, inclusive éticas, com a população. Impossível não lembrar do ex-vereador petista, hoje no PDT, Edgar Nobrega com negociatas escusas com o líder da direita Tite Campanella para vencer uma eleição interna do PT. Mais ainda, o PT sulsancaetanense- assim como em diversas cidades do Brasil- aceitou ser sócio menor do que há de mais parasitário na política nacional: o PMDB. Participou de maneira velada da gestão Paulo Pinheiro, inclusive, ocupando cargos comissionados. Mais além foi o PCdoB que participou da coligação pinheirista e que após eleger Éder Xavier foi “traído”, eu diria: quem anda com porcos farelos come.

Resultado desse projeto eleitoreiro, em que se vale tudo para eleger um vereador ou ganhar cargos comissionados que alimentem a burocracia partidária, é a completa ausência de inserção orgânica na sociedade, seja na base mais precarizada da cidade seja nos setores médios. Qual foi o peso das forças de esquerda nos servidores públicos, no sindicalismo na GM ou na questão da moradia no bairro Prosperidade e em outros pontos de vulnerabilidade social? Esse é um erro que aconteceu e acontece, inclusive, em setores da nova esquerda como, por exemplo, do PSOL que ainda não consegue dar conta de organizar a indignação dos debaixo e muitas vezes cai no eleitoralismo. A coligação com a Rede nas últimas eleições para conseguir na “marra” um vereador é sintomática.

Um Novo Ciclo de Lutas

Se debater com a tese do conservadorismo e da imobilidade da cidade era tarefa árdua até alguns anos atrás, no último período a realidade atropelou esse argumento. Um novo ciclo de lutas foi aberto na cidade com o protagonismo dos(as) estudantes, dos (as) servidores e agora, no exato momento em que escrevo, há um levante popular contra a ilegal e abusiva taxa do lixo.

Poderia chover no molhado e centrar esforços no nosso expressivo e até mesmo surpreendente resultado eleitoral em 2016. A conquista de 468 votos com uma campanha que custou cerca de 1.000 reais por si só seria um indicativo de um importante espaço à esquerda a se ocupar. Porém, frente ao ciclo de lutas que estamos vivendo, o termômetro eleitoral é totalmente insuficiente para dar conta dos desafios e possibilidades que podemos enfrentar.

Nas novas lutas na cidade, a tarefa de ser a vanguarda contra os ataques do governo ficou à cargo dos(das) estudantes universitários contra o corte de bolsas já no final de 2016. Demos uma importante batalha contra os atrasos na gestão Paulo Pinheiro (inclusive com vitórias importantes) e seguimos durante os primeiros meses de 2017 contra os cortes das bolsas da gestão Auricchio. Três momentos foram marcantes dessa luta, notadamente:

  1.  A manifestação na gestão Paulo Pinheiro que resultou na reunião com o Secretário de Comunicação da Prefeitura. Nesse momento a disposição de luta dos estudantes e de seus familiares ficou clara e após alguns dias as bolsas atrasadas foram pagas.
  2.  A truculência da GCM contra manifestações visuais feitas em um programa “Bairro a Bairro” da gestão Auricchio. Logo nos primeiros meses o tucano deixou claro como trataria os que batessem de frente com ele.
  3.  A grande manifestação de diversas instituições e programas de bolsa (AEC, FAPSS, FASCS e USCS) com mais de 100 estudantes que travou a Av. Goiás e mostrou a força da juventude.

Logo após os estudantes e em muitos momentos ocorrendo pari passu, o centro dinâmico de mobilizações foi deslocado para os servidores públicos. A revolta começa por parte dos trabalhadores do Viva Arte que ocupam e paralisam a Sessão da Câmara para ter seus salários atrasados pagos. Mais uma vez, o poder local mostrou sua truculência: o presidente da Câmara Pio Miello (PMDB) chamou a GCM para impedir a manifestação. Sintomático dizer que Pio é um ex quadro petista que migrou para o PMDB em 2016, sinal do que foi exposto na primeira parte deste texto.

Em seguida, os educadores mostraram sua força contra o arrocho salarial e o corte no convênio médico; e em um dos atos mais simbólicos e radicalizados marcharam da Câmara, após uma negativa de suas demandas por parte dos vereadores, até o Teatro Santos Dummont onde ocuparam o palco e impediram uma agenda do prefeito Auricchio. Importante notar que nesse momento a solidariedade entre os estudantes universitários e os educadores municipais estavam estreitando-se e construíram juntos essa importante mobilização. Apontaram um importante caminho: a unidade dos debaixo contra os ataques dos coronéis locais. Mais ainda, os educadores além das manifestações construíram uma Associação por entender a insuficiência da burocracia sindical totalmente aparelhada pela Prefeitura frente as demandas da categoria, um passo para garantir uma ferramenta mais duradoura de luta.

Nós da Juventude por + Direitos fizemos parte de todos esses processos, o que demonstra o nosso empenho e um grande acerto em apostar nas lutas sócias como ferramenta de mudança da realidade. Por isso, mesmo com nossos erros e limitações que não são poucos, é preciso dizer que fazemos parte da vanguarda desse novo ciclo, principalmente com o Morasul.

O Morasul é responsável por abrir uma perspectiva de luta social no setor mais precarizado da classe trabalhadora sulsancaetanense. Se é fato que as lutas dos estudantes e dos servidores foram exemplos a serem seguidos, também é fato que são, predominantemente, vinculadas aos setores médios da cidade. A organização dos trabalhadores do bairro Prosperidade no segundo semestre de 2017 pelo Morasul tem características distintas e nos fez dar um salto qualitativo. As assembleias que chegaram a ter mais de 70 pessoas e conquistaram reuniões com o Secretário de Obras e Habitação mostraram que podemos mais, bem como, a corajosa manifestação com 50 moradores que marchou da Praça da Riqueza até a Câmara Municipal. É nisso que temos que apostar: aumentar nossa inserção de maneira pedagógica na Prosperidade e em outros bairros e radicalizar os métodos de luta.

Nesse momento em que escrevo irrompe uma nova trincheira de luta na cidade: a resistência contra o tarifaço da gestão Auricchio pela taxa do lixo. O desfecho, evidentemente, é incerto, contudo, algumas considerações podem ser feitas. A primeira delas é que deve ser a experiência com maior magnitude desse ciclo, isso porque, a primeira reunião contra a taxa do lixo reuniu mais de 100 pessoas com determinação de lutar e colocar contra a parede os vereadores e o Prefeito. Uma manifestação foi chamada para daqui uma semana, as expectativas são muito boas.

Mais uma vez estamos muito bem localizados no processo, na primeira reunião tivemos destaque na coordenação da atividade, mais ainda, nas redes sociais nossa página tem dado o tom e conseguido disputar a linha política do movimento. Fruto disso são as publicações que estão sendo muito compartilhadas e com alcance ultrapassando as 10.000 pessoas. Ou seja, uma coisa está clara: estamos vencendo a disputa da opinião pública, o movimento pautou a mídia e os vereadores e o prefeito estão sendo absurdamente desgastados. Uma importante aposta que precisa ser validada à luz da realidade é a predominância de setores médios nessa pauta, o decorrer dos fatos ainda deixa essa análise inconclusa.

Por fim, não posso deixar de lado o empenho que tivemos em garantir um calendário local para as greves nacionais. Por iniciativa de nossos militantes organizamos um Comitê com diversos setores (sindicatos, partidos e movimentos) que garantiu um ato na 2 greve que juntou 60 pessoas e paralisou a Vigor por cerca de 1 hora

É claro que todos esses processos citados tem suas contradições e limitações, seja na disputa com o esquerdismo na luta dos estudantes ou seja na disputa contra o legalismo/institucionalismo na ASPESCS e possivelmente na nascente luta contra o tarifaço. Mais ainda, nem todos esses movimentos tiveram suas pautas atendidas, mas abriram flancos de resistência aos governantes.

Porém, é fundamental que entendamos o sentido dessas lutas, isto é, apesar das limitações enxergar qual é o horizonte que apontam, e esse certamente é de um novo ciclo de lutas na cidade. Momento inclusive que está vinculado ao que acontece no país.

Por certo, essa dinâmica responde a um fator estrutural da economia e do plano da burguesia de arrochar salários, aumentar o desemprego e cortar os direitos sociais. Mas mais ainda, essa nova dinâmica de lutas tem um aspecto subjetivo, ou seja, a nossa classe aprende, com os processos de luta em que participa e também com os que toma conhecimento, que para garantir nossos direitos é preciso lutar.

Por isso, essa é nossa tarefa primordial: impulsionar as lutas parciais e que ainda estão no campo econômico (contra o corte de bolsas, contra o tarifaço, por reajuste salarial, por moradia popular e etc) e organizar essa indignação para a construção de um projeto totalizante de nova forma de organizar a cidade. De maneira pedagógica e evitando tanto os delírios esquerdistas quanto a adaptaão a ordem precisamos utilizar de todas nossas ferramentas táticas para ser a ponte entre essas lutas: seja nas redes sócias, nas panfletagens, em nossos debates públicos ou nas eleições. Nesse sentido, o debate público organizado na Praça do Chafariz em que buscamos promover um encontro entre os lutadores de diversos setores é um exemplo do que devemos seguir.

Um novo ciclo de lutas está aberto! Precisamos de coragem e empenho nas lutas sócias, sabermos ser pedagógicos e não vacilar em nossas intervenções. Um espaço político está aberto, podemos ser parte importante na unificação dos debaixo para um novo projeto de cidade! É tempo de organizar a indignação.


1 Aqui utilizo esquerda no seu mais amplo sentido, isto é, englobando inclusive os setores que não são alternativa real anti-regime, como: PT, PCdoB e PDT.


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