Acordo de coalizão abre a porta para a direita alemã
Com Angela Merkel e Martin Schulz sob pressão, o partido de extrema-direita AfD cresce na Alemanha. Alex Callinicos comenta os acontecimentos das últimas semanas no país.
A Alemanha sob a chanceler Angela Merkel deveria ser o bastião do centro neoliberal na Europa.
A Grã-Bretanha poderia votar para sair da União Europeia. A França poderia ver a nazista Frente Nacional ganhar o segundo lugar nas eleições presidenciais.
E o autoritarismo da direita poderia se espalhar na Europa central, mas a Alemanha seguraria firme.
Porém, as caretas sobre a formação de um novo governo alemão destruíram essa história. Nas eleições federais de setembro passado, a grande coalizão em curso foi humilhada. Ela consistia no bloco conservador CDU/CSU e no SPD de tipo trabalhista.
Eles têm dominado a República Federal Alemã desde que foi fundada, em 1949. Mas dessa vez fizeram 53,5% dos votos, depois de fazer mais de 67% em 2013.
O partido de extrema-direita Alternativa para Alemanha (AfD) invadiu o parlamento federal pela primeira vez, com 12,6%.
O líder do SPD, Martin Schulz, anunciou que iriam para a oposição, deixando Merkel se envolver em negociações tortuosas com partidos menores. Mas quando elas entraram em colapso, ela conseguiu atrair o SPD de volta às conversações.
Finalmente, no início de fevereiro um acordo foi alcançado. Parecia um bom negócio para o SPD, que recebeu seis ministérios incluindo finanças, assuntos estrangeiros e trabalho. O SPD também ganhou concessões sobre como gastar o gigantesco orçamento superavitário de 46 bilhões de euros que o governo alemão acumulou graças a quase uma década de austeridade e um boom nas exportações.
A nova grande coalizão aumentará os gastos com previdência, escolas, infraestrutura e banda larga de alta velocidade — todos objetivos do SPD.
Mas o acordo conseguiu enfurecer a todos. A ala direita conservadora — especialmente a CSU, da Baviera — está brava sobre as concessões ao SPD. Muitos deles já culpavam Merkel pelo resultado da eleição.
Eles argumentam que ela abriu um espaço à direita para a AfD preencher por governar pelo centro. O chefe da confederação da indústria alemã queixou-se que o acordo de coalizão estava “distorcido para a reditribuição da riqueza em vez de garantir o futuro da economia alemã”.
Mediocridade
Isso foi pouco comparado ao barulho no SPD. Schulz, uma mediocridade superestimada, já estava também sob fogo.
A juventude do partido, em particular, o atacou por voltar atrás na sua promessa de ficar na oposição e reconstruir a base do SPD.
Nas últimas semanas ele quebrou outra promessa, de não entrar no governo, anunciando que ele pegaria o Ministério de Relações Exteriores. Sigmar Gabriel, o ex-ministro de Relações Exteriores e ex-líder do SPD, reclamou publicamente que “a nova liderança do SPD claramente não se importava com a apreciação pública do meu trabalho”.
Tão grande foi a raiva sobre a promessa quebrada de Schulz que no dia 9 de fevereiro ele anunciou que não iria mais entrar no governo.
Ele já havia dito que não seria mais presidente do partido, então ele é história. Mas o SPD não está fora da floresta ainda.
O resultado de um referendo dos membros do partido sobre participar ou não da Grande Coalizão vai ser anunciado no 4 de março. Enquanto isso, o SPD continua a cair nas pesquisas. Uma, há duas semanas, o colocou com 17%, enquanto a AfD chegava a 15%.
Esta é uma figura aterrorizante — o bastião histórico da social-democracia europeia está apenas dois pontos percentuais acima de um partido de extrema-direita fundado por um grupo de racistas do tipo da Ukip. Também inclui nazistas.
E Merkel está sob pressão. O tabloide da direita Bild a acusou de se pendurar no governo “a qualquer preço”. E Kurt Kister, editor do Suddeutsche Zeitung, disse que “este governo pode ser legendado como ‘não durará muito’.”
Mas se a grande coalizão não aguentar muito, o que a seguirá? Será que a AfD vai puxar todo o espectro político alemão para a direita? O Die Linke pode oferecer um foco para a resistência pela esquerda?
Isso exigiria combinar oposição firme à austeridade com anti-racismo como princípio e solidariedade com imigrantes.
As manifestações anti-racistas em toda a Europa no 17 de março serão um importante teste para essa alternativa.
(Publicado originalmente em Socialist Worker e traduzido pela Revista Movimento)