As dimensões financeiras do impasse do capitalismo

Uma reflexão teórica do atual estágio do capitalismo financeiro a partir das ferramentas conceituais do marxismo.

François Chesnais 3 mar 2018, 14:52

Em fevereiro eu publiquei no site “A L’Encontre” um artigo no qual avancei a hipótese de um modo de produção que se encontra em uma situação histórica onde ele não consegue mais ultrapassar seus limites “imanentes”, tanto aqueles explicitamente definidos por Marx 1, como aqueles referentes às relações do capitalismo com o meio ambiente que somente tomamos consciência bem mais tarde. No artigo de fevereiro, as dimensões financeiras do impasse do capitalismo não foram abordadas. O objeto do presente artigo é preencher essa lacuna e perseguir um trabalho que também é de clarificação pessoal. Somente as dimensões econômicas da financeirização são tratadas aqui, e não aquelas de caráter social que são, ao menos, tão importantes quanto.

Hoje, os economistas marxistas e heterodoxos vão ao encontro uns dos outros ao dizer que o lugar central das finanças é um traço principal do capitalismo contemporâneo. Mas não existe acordo sobre a definição do que é atualmente nomeado fluentemente por “financeirização”. As abordagens diferem, muitas vezes sensivelmente, de um autor a outro, ainda mais por se tratar de um fenômeno que possuis diversas faces na produção e na gestão industrial e que invadiu toda a vida social. A minha definição se baseia na Quinta seção do livro III do Capital e se centra sobre a empresa econômica e política do capital de empréstimo e do capital portador de juros2. Ele se valoriza sem sair da esfera dos mercados financeiros por meio de títulos que representam os direitos de saque sobre a mais-valia atual e futura. Os grandes bancos, as grandes companhias de seguro, os fundos de investimento e as tesourarias dos grandes grupos industriais são suas formas organizacionais. Para utilizar a importante distinção feita por Marx, no nível de concentração dos detentores de ações e de obrigações alcançadas hoje, o “capital como propriedade” invade os poros do “capital como função”.

O artigo de fevereiro começava por uma figura que foi prolongada a partir de dois anos:

Figura 1: Taxa de crescimento anual do PIB mundial 2010-2016 por grupo de países

Nós podemos adicionar uma segunda que mostra o movimento do comércio mundial desde 2012, quer dizer, após o fim oficial da recessão estadunidense.

Figura 2: Comércio mundial de meados de 2007 a meados de 2016, média semestral de mudança em relação ao ano anterior.

Fonte: The Economist, dezembro de 2016

As duas figuras testemunham uma situação que suscita, sob o nome de “estagnação secular”, as interrogações de diferentes correntes da teoria econômica burguesa, tanto neoclássica como keynesiana, ou seja, uma grande ruptura da economia capitalista. Elas se apoiam sobre a ideia de um sistema que não consegue se recuperar da crise porque seus recursos são consumidos. O artigo de fevereiro propunha uma explicação. Aqui, as duas figuras fixam o quadro de análise em que um dos fios condutores é que a financeirização é a consequência e não a causa da situação de bloqueio da acumulação.

O artigo começa com uma apresentação das noções de capital portador de juros e de capital fictício, assim como a de fetichismo do dinheiro em um nível de acumulação e de concentração financeira qualitativamente diferente daquele que Marx tinha sob seus olhos. Segue-se um exame rápido dos principais processos que justamente alimentaram, a partir do fim dos anos 1960, “a acumulação financeira”, quer dizer, a acumulação de capital composta de direitos de saque virtual sobre a mais-valia atual e futura, que representam capital para aqueles que os detêm e esperam rendimento, mas que são capital fictício sob o ângulo do movimento do capital como um todo. Esses processos incluem o mecanismo de reprodução contínua das dívidas públicas contratadas, a centralização poupada aportada pelos sistemas de aposentadoria por capitalização (os fundos de pensão) e o investimento pelas classes superiores de rendas da propriedade e do capital não consumido. A acumulação financeira foi concomitante a mudanças nas relações de força entre capital e trabalho nascidas com as derrotas da classe operária nas mãos de Thatcher e de Reagan e da burocracia soviética em declínio. O resultado foi a liberalização e a mundialização do capital. Na última fase dos anos 2000, elas conduziram à mundialização do exército industrial de reserva e abriu a via para a organização de novas configurações industriais transnacionais, conhecidas sob o nome de cadeias de valor ou cadeias de fornecimento globais. Nomeadas global value chains (GVC) e em francês chaînes de valeur mondiales (CVM), elas aliam produção própria e subcontratação e estão na origem dos grandes lucros dos gigantes grupos industriais.

O capital portador de juros alimenta uma ilusão de autonomia à vista do que podemos nomear, por comodidade, de “economia real”. Na verdade, ele ainda permanece dependente. A concretização dos direitos de saque depende da produção e da realização de mais-valia em quantidade suficiente para satisfazer a massa de capital fictício que ela pretende reivindicar. Ela faz com que os acionistas exijam um controle cada vez mais apertado sobre o nível dos lucros e do pagamento de dividendos. Enquanto o investimento e o crescimento enfraquecem, os gestores de fundos recorrem à especulação e se lançam na “inovação financeira”. Enquanto o ritmo de acumulação real desacelera-se na medida em que a massa do capital fictício continuava a aumentar, a escala das operações especulativas e a diversidade de títulos de capital fictício emitidos nos mercados aumentaram. Nos anos 1990, a especulação preocupou os mercados específicos/ de investimento estrangeiro no México e na Ásia; os de títulos de indústrias de crescimento superior à média, notavelmente as ações de firmas de alta tecnologia (a Nasdaq) que colapsou em 2001. Os anos de 1990 também viram o começo de um crescente endividamento das famílias, notavelmente no que se refere à sua dívida hipotecária. Ela teve um salto qualitativo nos anos 2000 com a ajuda de montagens financeiras sofisticadas que permitiram a ocultação dos riscos e compreendendo a emergência do shadow banking, sistema de crédito não regulamentado no qual as filiais dos grandes bancos participam.

Diferentemente de 1929, a crise financeira de setembro de 2008 viu a destruição de apenas uma frágil fração do capital fictício. Em razão do resgate dos bancos, com exceção do Lehman, assim como das grandes empresas de seguro, a massa de capital fictício continuou a aumentar, dando lugar a dois fenômenos que ilustram o impasse do capitalismo dentro do domínio financeiro. O primeiro é o nível das transações nos mercados de produtos derivados (em inglês derivatives), transações perfeitamente estéreis economicamente e portadoras potenciais de crise. O segundo é o movimento da queda a zero das taxas de juro, não somente a dos bancos centrais, mas também, e, sobretudo, dos mercados de títulos de empréstimo (os mercados obrigatórios).

Dois indicadores gerais do nível de financeirização

A base da financeirização é uma acumulação elevadíssima de capital em forma de capital portador de juros. Para dar uma ideia do grau que essa acumulação alcançou hoje, podemos nos valer do indicador proposto pelo McKinsey Global Institute. As curvas da figura 3 mostram o crescimento a partir do começo dos anos 1990, em trilhões de dólares e em porcentagem do PIB mundial, das quatro principais categorias de ativos financeiros, as ações, as obrigações privadas, os efeitos da dívida pública e os depósitos bancários, na maior parte feitas de linhas de crédito listadas pelos juros. Ele não inclui a categoria de ativos nominados como produtos derivados, para os quais existem indicadores mais específicos que mostraremos mais adiante. Trata-se de um indicador com o status de “proxy”, a valorização de mercado (no caso das ações, a capitalização da bolsa) nos principais centros financeiros serve de base de cálculo. Ele descreve o movimento de crescimento da massa de capital emprestando o caminho da valorização nos mercados financeiros e fornece uma ordem de grandeza da quantidade de direitos de saque potenciais sobre a mais-valia.

Figura 3: Crescimento dos ativos financeiros mundiais em trilhões de dólares em relação à taxa de câmbio de 2011 (eixo da direita e curva em azul) e em porcentagem do PIB mundial (eixo esquerdo e curva em vermelho).

Fonte: McKinsey Global Institute, Financial Globalization, Retreat or Reset? 2013

Como se constata, o ritmo de crescimento é impressionante: uma taxa média composta por 9% entre 1990 e 2007 com uma forte aceleração em 2006 e 2007 (+18%). Em 2007, a relação dos ativos financeiros em relação ao PIB mundial alcançou 376%3. Os vinte anos de crescimento exponencial são interrompidos pela crise financeira de setembro de 2008. Contudo, em seguida, enquanto a curva azul do PIB mundial abaixa e permanece estável, a curva vermelha retoma seu curso em direção ao topo, embora em um ritmo mais baixo – o que McKinsey nomeia como “uma taxa anêmica de 1.9%” 4. A queda da capitalização das principais bolsas e o recuo das transações nos mercados obrigatórios privados foram compensados, ao menos parcialmente, pela sua alta nas economias “emergentes” e um crescimento dos efeitos da dívida pública – estimada em 2011 e 2012 como sendo da ordem de 4,4 trilhões de dólares. A relação dos ativos financeiros em relação ao PIB mundial permanece em 356%.

Um segundo indicador foi recentemente fornecido pelo Banco de Pagamentos Internacionais (BIS, em inglês) no seu mais recente relatório anual em que dedica um capítulo ao estado da mundialização 5. Trata-se da evolução em um período muito longo das trocas comerciais e dos fluxos financeiros, medidos pela soma dos ativos e passivos financeiros nas contas de capital da balança de pagamentos dos países, principalmente os fluxos de juros e de dividendos (há também os royalties sobre patentes). No plano das trocas de mercadorias, a “segunda mundialização” ultrapassa definitivamente a “primeira” com a execução do tratado de Marraquexe e o início do serviço da OMC. Por outro lado, os fluxos financeiros conheceram um aumento exponencial, de modo que o Banco dos Pagamentos Internacionais da Basileia fala em “terceira mundialização”.

Fonte : http://www.bis.org/publ/arpdf/ar2017e.pdf page 100.

É interessante constatar que os fluxos financeiros também alcançaram um patamar que daremos uma explicação adiante.

Os ativos financeiros são “capital fictício”

Antes de chegarmos aos fatores que sustentaram a acumulação dos ativos financeiros representados pela figura 3, é preciso definir sua natureza. Para os detentores de títulos e os gestionários financeiros, os ativos financeiros são um “capital”. Eles geram fluxos de dividendos e de juros e podem ser vendidos nos compartimentos do mercado financeiro próprios a cada tipo de ativo. Os lucros financeiros, as mais-valias financeiras ganhas pelas especulações bem sucedidas, se tornaram, em alguns casos, tão importantes quanto os fluxos de mais-valia. Este “capital” é fictício. O termo é comumente recusado, e acaba de ser mais uma vez pelo economista marxista grego Costas Lapavitsas em uma importante revista de língua inglesa 6. Portanto, é útil entender bem do que se trata.

Falemos primeiro das ações. Marx escreve que elas “representam um capital real: aquele (das sociedades por ações) que foi investido e que funciona nessas empresas”. Mas ele adiciona logo em seguida que esse capital “não pode existir duas vezes, uma vez como valor-capital de títulos de propriedade, de ações, e a segunda como capital investido realmente. Ele existe apenas sob essa última forma, e a ação é apenas um título de propriedade que dá direito, proporcionalmente à participação, à mais-valia ou ao sobretrabalho que esse capital vai engendrar” 7. No caso dos títulos da dívida pública, “o capital que, aos olhos das pessoas, produz uma ramificação (juros), aqui o investimento do Estado, permanece um capital fictício, ilusório. (…) a parte dos impostos anuais que despencam (ao detentor de títulos) representam os juros do seu capital, da mesma maneira que o usurário recebe uma parte dos bem se seu prodígio cliente, de todo modo, nem em um caso nem no outro, a soma de dinheiro emprestado foi despendida como capital”. O caso da figura a qual nós estamos habituados a pensar, a partir do papel que assumiu o Estado após o fim da Segunda Guerra Mundial, quer dizer, os empréstimos a fins de investimento produtivo e de sustento ao capital industrial, não é considerado por Marx. Mas, desde que são postos em prática processos onde as dívidas públicas não se destinavam a serem extintas, mas foram reproduzidas a cada período, o caráter de usurário do endividamento dos Estados foi progressivamente reafirmado, dobrado por uma capacidade dos credores de ditar a política dos governos dos países devedores.

Finalmente, há o crédito bancário, (na terminologia de Marx, “o crédito do banqueiro” por oposição ao crédito de curto termo ligado ao desconto dos efeitos do comércio). Trata-se do empréstimo de somas em bloco e da abertura de linhas de crédito concedidas a um industrial em vista de um investimento em capital constate ou variável (usinas, escritórios, equipamentos, insumos para a produção, salários). O crédito é acordado para uma duração determinada e ele se estende na medida em que o investimento porta valor e mais-valia. No caso do “crédito do banqueiro” as questões que Marx se interessa são a euforia financeira no fim da expansão cíclica e o excesso de crédito, o que nós nomeamos de bolhas financeiras. As crises econômicas que ele analisa são sempre também crises bancárias, a vulnerabilidade dos bancos é razão do fato de que a criação de crédito repousa “fundos próprios” largamente fictícios, já que são compostos por uma boa parte de ações e de títulos da dívida. Já é uma questão de engenharia financeira e de circulação interbancária de títulos: “entre eles, os banqueiros resolvem as atribuições recíprocas em depósitos que não existem, trazendo esses créditos em dedução um dos outros”.

Fetichismo e “magia do dinheiro” no século XXI

O nível de acumulação do capital fictício e o grau alcançado nos processos de centralização-concentração das organizações capitalistas que o detêm exigem termos a maior atenção ao que Marx nomeia como fetichismo do dinheiro. O capítulo 24 da quinta seção do livro III do Capital começa por uma frase que diz que com “o capital portador de juros a relação capitalista atinge sua forma mais exterior, a mais fetichizada. Temos aqui D-D’, dinheiro produtor de dinheiro, um valor que se transforma em valor ele mesmo, sem nenhum processo que serve de mediação aos dois extremos, (nem mesmo) como para o capital mercadoria, a forma geral do movimento do capital D-M-D’ ”10. E Marx segue uma página adiante, “O capital parece ser a fonte misteriosa e criadora dele mesmo, o juros, o seu próprio crescimento (…). É então no capital portador de juros que esse fetiche autômato é claramente revelado: valor que se transforma em valer ele mesmo, dinheiro engendrando dinheiro; sob essa forma, ele não porta mais as marcas de sua origem (…). O dinheiro adquire assim a propriedade de criar valor, de portar juros, da mesma forma como naturalmente o predador porta as presas”. As noções de fetichismo da mercadoria e fetichismo do dinheiro interessaram aos filósofos marxistas 11, mas quase não interessaram aos economistas 12, e quando o fizeram foi para se concentrar (como no meu caso) sobretudo a respeito dos traços rentistas do capital portados de juros tal como sublinhados na última frase. Isso é insuficiente.

Para tomar parte da noção de fetichismo do dinheiro é necessário voltar a sua elaboração e sua formulação e se apoiar no que Marx nomeia como “a magia do dinheiro” 13, e mais particularmente nas últimas páginas do capítulo 4 do livro I de O Capital, na seção que trata da “transformação do dinheiro em capital”. Lemos que “como o valor, tornado capital, sofre mudanças continuas de aspecto e de grandeza, é necessário a ele uma forma própria de modo que sua identidade com ele mesmo seja constatada. E essa forma própria ele possui apenas no dinheiro. É sob a forma dinheiro que ele começa, termina e recomeça seu processo de geração espontânea”. E um pouco mais adiante:

“O valor se torna, então, valor progressivo, dinheiro que se reproduz, potente e, como tal, capital. Ele sai da circulação, volta a ela, se mantém nela e se multiplica nela, sai de novo aumentado e recomeça sem cessar a mesma rotação. D-D’, dinheiro que deposita dinheiro, moeda que tem filhos – money which begets Money – tal como é a definição do capital na boca de seus primeiros interpretes, os mercantilistas” 14.

Essas frases devem agora jogar luz ao lugar ocupado pelo Goldman Sachs, UBS e BNP-Paribas no capitalismo de hoje. Em 1867, o “representante”, o “suporte consciente”, do movimento através do qual o capital passa de D para D’ é o capitalista industrial. É dele que Marx diz que “o conteúdo objetivo da circulação D-M-D’, quer dizer, a mais-valia que dá luz ao valor é seu objetivo subjetivo, intimo. É apenas a apropriação sempre crescente da riqueza abstrata o único motivo determinante de suas operações, que ele funciona como capitalista, ou, se quisermos, como capital personificado, dotado de consciência e vontade. O valor de uso não deve então jamais ser considerado como o objetivo imediato do capitalista, não mais que o ganho isolado, mas o movimento incessante do ganho sempre renovado” 15.

Em 1867 o que contava e importava era o “ciclo completo” do capital, aquele através do qual D aumenta, cresce e atinge D’, passando pelo movimento D-M-P-M’-D’ 16. Hoje, não apenas o “ciclo curto” D-D’ ocupa o centro da cena, mas são das operações advindas da especulação que o sucesso dos gestores financeiros depende para fazer o seu portfólio de D-D’, seus fluxos de dividendos e de juros. O “fetiche autômato”, o movimento do “dinheiro engendrando dinheiro” passa a ser o produto dos mercados financeiros como tais, daí “a exuberância excessiva” (Allan Greenspan) ou “a hybris” dos comerciantes. Em alguns mercados, como no de produtos derivados que examinaremos ao final do artigo, a distância em relação à economia real é tão grande que o que acontece nele não tem efeito sobre aquele. Os investidores vivem em pura levitação.

As etapas da acumulação do capital portador de juros

Nos três capítulos que contém o título “capital-dinheiro e capital real” da quinta seção do livro III, Marx nos convida a estudar o movimento específico da acumulação do capital-dinheiro/capital de empréstimo em oposição ao que ele nomeia como “a acumulação verdadeira do capital” 17. No momento em que ele o estudou, o movimento estava ligado ao ciclo econômico: uma parte do capital acumulado pelos capitalistas industriais na fase de expansão quer, durante o período de crise e de recessão, se valorizar como capital de empréstimo. Ele acrescenta, um pouco laconicamente, que “a acumulação de capital dinheiro pode ser o resultado de fenômenos que acompanham a acumulação real, mas que dela diferem totalmente” 18. O que era no século XIX um fato conjuntural se tornou, no caso do capitalismo atual, uma característica estrutural, advindas das relações imperialistas “norte-sul” e dos novos mecanismos institucionais de transformação de salário em capital no seio dos sistemas de aposentadoria por capitalização.

Após a longa interrupção da grande depressão dos anos de 1930 e da Segunda Guerra Mundial, a acumulação de capital de empréstimo recomeçou em Londres entre 1965 e 1973 no mercado dos chamados “eurodólares”, as empresas multinacionais americanas vinham investir seus lucros industriais não reinvestidos nos bancos americanos, europeus e britânicos, gozando de um status de “off-shore”.

A fase seguinte viu o fluxo em Londres da renda petroleira, primeiro caso contemporâneo semelhante ao vivido no século XIX, ganhos rentistas fundados na propriedade de recursos naturais fortificando as posições das finanças. Depois, a partir de 1976, a reciclagem por esses bancos reunidos em consórcio dos “petrodólares” investidos na City pelas monarquias do Golfo sob a forma de empréstimo aos países subordinados economicamente e politicamente ao imperialismo na América Latina e na África. Os governos foram encorajados a tomar empréstimos a uma taxa de juros variável, em um momento no qual ela estava muito baixa e aparentemente muito favorável aos devedores, e se encontraram alguns anos mais tarde presos em uma armadilha. A alta simultânea em 1981 das taxas de juros americanas e da taxa de câmbio do dólar exigida pela mudança do modo de financiamento do déficit do orçamento federal pela emissão de bens do Tesouro (os T-bonds) no mercado obrigatório precipitou a “crise da dívida do terceiro-mundo”, que teve o seu primeiro ato com a crise mexicana de 1982. A mudança do modo de financiamento do orçamento americano teve importantes consequências aos países avançados imperialistas. Para os países neocoloniais e coloniais, os seus efeitos foram depredatórios. As dívidas, a começar por aquela do México, não puderam jamais ser completamente reembolsadas, mas foram reproduzidas de ano a ano através do serviço da dívida 20. Elas se tornaram assim uma formidável alavanca para impor aos países do terceiro-mundo políticas de desmantelamento do setor público (“o ajuste estrutural”), assim como a liberalização dos movimentos de capital. No relatório anual de 2017 do Banco de Pagamentos Internacionais, nós encontramos uma figura interessante que apresenta um indicador do grau de abertura financeira e a composição do passivo da conta financeira da balança de pagamentos por grandes grupos de países. Vemos que nos chamados países “emergentes” que tiveram por muito tempo, com exceção da China, um status claramente semicolonial, em razão da dívida e das “reformas estruturais” codificadas no “consenso de Washington”, a abertura financeira se fez sob o efeito do serviço da dívida mais cedo e de modo mais importante do que nos países avançados. Mais adiante, nós voltaremos a essa figura para explicar a evolução dos pagamentos ligados aos investimentos diretos no estrangeiro (a parte em amarelo).

Figura 5: O nível e composição do passivo da conta financeira exterior (liabilities) para três grupos de países 1972 – 2015.

Fonte: BIS Annual Report 2017, capítulo 7 sobre a globalização.

A fase paroxística da crise da dívida mexicana também viu o debate da ascensão da dívida federal americana. Ela é atribuída, de maneira justa, aos programas militares de Reagan (o keynesianismo militar), mas também corresponde ao momento em que se tornou imperativo para os sistemas de aposentadoria por capitalização estadunidenses, os fundos de pensão e os mutual funds, abrir as possibilidades de investimento em grande escala. Eles entravam em sua fase de maturidade e começavam a precisar enfrentar o início das aposentadorias dos beneficiários dos planos. Era preciso que a “capitalização” necessária ao serviço de aposentadorias se materializasse em grande escala. A figura 6 mostra o crescimento da massa de ativos detidos pelos investidores financeiros institucionais ao longo das reformas Volcker.

Figura 6: Ativos financeiros detidos por diferentes tipos de investidores financeiros nos Estados Unidos em 1980, 1990 e 1994.

Fonte : A. Mérieux et C. Marchand, Revue d’économie financière, 1996

É aqui que é necessário explicar bem o significado da centralização da poupança dos funcionários nas mãos dos bancos, das sociedades de seguro e dos fundos. Ninguém o faz mais claramente do que Marx. Vale mais citá-lo do que parafraseá-lo. É o que é feito aqui sublinhando simplesmente as relações que são ignoradas ou mesmo cuidadosamente ocultadas na maior parte dos debates.

“A caixa de poupança é a cadeia de ouro pela qual o governo aprisiona grande parte dos operários. Eles não encontram apenas dessa maneira interesse em manter as condições existentes. Não se produz somente uma cisão entra a parte da classe operária que participa das caixas de poupança e a parte que não o faz. Os operários colocam assim nas mãos dos seus próprios inimigos as armas para a conservação da organização existente da sociedade que os oprime. O dinheiro que reflui ao Banco nacional ele o empresta de novo aos capitalistas compartilhando o lucro e assim, com a ajuda do dinheiro que o povo os empresta a juros baixos – e que não se torna uma alavanca industrial potente graça a essa mesma centralização -, eles aumentam o seu capital, a sua dominação direta sobre o povo” 21.

A securitização dos bens do Tesouro, assim como o levantamento dos controles de movimento de entrada e saída de capital provocou o afluxo em direção à Nova York de capitais em busca de investimentos vindos do Japão e da América Latina. O mercado secundário da dívida federal se tornou tão importante que o dos títulos e deu novo impulso a Wall Street, ainda mais acentuado pela revogação de regras sobre o repatriamento dos benefícios das multinacionais estadunidenses.

A liberalização dos movimentos de capital e dos mercados financeiros não podia se limitar aos Estados Unidos e aos países do terceiro-mundo forçados em se curvar a ele em razão de seus endividamentos. A securitização dos bens do Tesouro criou adeptos rapidamente. Mais do que taxar o capital e as famílias de alta renda, eles são emprestados, criando um processo de transferência em benefício dos bancos e dos fundos de investimento pelo serviço dos juros da dívida pública. Esse processo foi colocado em prática na França por Laurent Fabius[1] e Pierre Bérégovoy[2]. A substituição do imposto por empréstimo para as rendas elevadas tem também o objetivo de reforçar o lugar financeiro de Paris dotando-a de mercados primários e secundários da dívida pública muito ativos que atraíram os fundos de investimento anglo-saxões. O serviço dos juros da dívida se tornará, no fim dos anos de 1990, o segundo item do orçamento do Estado. Entre 1991 e 1996, sob o efeito de uma taxa de crescimento fraca, inferior a das taxas de juros, o mecanismo de crescimento acumulativo nomeado como “a bola de neve da dívida” foi lançado22.

Figura 7: Evolução da dívida pública francesa (1978-2009)

Fonte : https://fr.wikipedia.org/wiki/Dette_publique_de_la_France

Vemos em seguida, para a França, as consequências sobre o montante da dívida as medidas de resgate dos bancos e das empresas automobilísticas no momento da crise econômica e financeira de 2008. O crescimento da dívida é relançado a partir de 2009 de modo que entre 2012 e 2015, antes que as taxas de juros começassem a cair, o serviço da dívida se tornou verdadeiramente o primeiro item do orçamento da França.

Satisfazer os detentores dos direitos de saque enquanto o crescimento diminui

É preciso repetir mais uma vez que as ações e os bens do Tesouro são títulos que dão direito a dividendos e juros. Trata-se de direitos potenciais, virtuais, que o caráter efetivo depende da realização em uma escala suficientemente elevada – uma escala que corresponda àquela dos direitos acumulados – do ciclo completo (D-M-P-M’-D’) de valorização dos capitais engajados na produção. É necessário que uma quantidade suficiente de sobretrabalho tenha sido primeiro produzida e em seguida realizada através da venda de mercadorias produzidas para que as pretensões dos possuidores de títulos sejam satisfeitas. Isso depende, em cada etapa, do funcionamento sistêmico do capitalismo, de seu movimento como um todo. Eu fiz uma tentativa inicial em definir o momento atual no artigo de fevereiro: realização do mercado mundial, dominação de tecnologias que eliminam o trabalho e aumento da composição orgânica do capital, custo da energia das matérias primas, pelo qual o “extrativismo” bem estudado na América Latina respondeu através de uma exploração sempre mais desavergonhada, e por fim o impacto da mudança climática.

Antes mesmo de chegarmos lá, a acumulação dos direitos de saque se acelerou (ver figura 3) enquanto que a economia capitalista já perdia seu dinamismo nos países industrializados. A queda das taxas de crescimento do investimento, aqui para os Estados Unidos (figura 8), é um indicador.

Figura 8: Estados Unidos: investimento privado não imobiliário em porcentagem do PIB (média deslizante em cinco anos).

John Bellamy Foster and Fred Magdoff, The Great Financial Crisis: Causes and Consequences, Monthly Review Press, New York, 2009

O do crescimento do PIB dos países industrializados (figura 9) é outra23. O interessante dessa figura é que ela comporta um corte em períodos de 10 anos, que mostram bem a desaceleração de período em período do que foi, contudo, a mais longa fase interrompida de expansão da história do capitalismo24. Vemos dois momentos de forte queda, em 1974-1975 e em 1982-1983, durante os dois momentos da recessão que colocou fim ao “regime de acumulação fordista”, assim como uma flexibilização um pouco menos importante no começo dos anos de 1990 (dupla crise da bolsa e imobiliária no Japão, queda imobiliária com repercussões nos bancos dos Estados Unidos) e depois em 2000-2001, durante a crise da bolsa de Nasdaq, mas seria preciso esperar até 2008-2009 para que se passasse abaixo da linha zero. Em seu artigo do mês de agosto, Michael Husson detalhou esses indicadores para a França.

Figura 9: Crescimento do PIB nas econômicas avançadas, taxa anual e média em 10 anos.

Fonte : Cédric Durand et Philippe Léger, Review of Radical Political Economy, 2014

Um volume da mais-valia em alta, mas insuficiente em relação às pretensões das finanças

Em sua recensão de Finance Capital Today, Husson questiona a ideia que eu avancei, segundo a qual “a mais-valia global diminui e que há uma situação de penúria crescente da mais-valia ou sobrevalor é contestável”. Ele oferece, sem realmente explicar seu modo de cálculo, “uma estimação estatística, de fato pouco ‘sofisticada’ do volume de mais-valia (que) mostra que não se pode falar de queda tendencial. O impacto da crie já desapareceu nos Estados Unidos onde o volume de mais-valia assim medido volta a aumentar, enquanto ele chega ao seu limite na Europa”.

Figura 10: Estimativa do crescimento do volume de mais-valia feito por Michel Husson

Fonte : Michel Husson http://alencontre.org/economie/le-capital-financier-et-ses-limites-autour-du-livre-de-francois-chesnais.html

O impacto da crise foi realmente desapareceu nos Estados Unidos? Podemos duvidar disso seriamente. De qualquer forma, duas páginas adiante ele escreve de forma um pouco diferente que “a tese central de Finance Capital Today permite compreender porque a crise perdura. A financeirização da economia equivale a uma inflação de direitos de saque potenciais sobre a mais-valia atual e futura, mas que excede a capacidade do sistema em produzir a maior quantidade de mais-valia. A crise pode então ser interpretada como um chamado à ordem da lei do valor: o capitalismo, não podendo distribuir mais mais-valia do que ele produz, faz com que uma parte desse capital fictício seja desvalorizado. Mas, para tomar a fórmula de Chesnais, não se deixou a crise ‘seguir o seu curso’ (run its course).”

As observações de Michel Husson me permitem melhor explicar minha posição. Se não houve um aumento do volume da mais-valia, o que não quer dizer um aumento de sua taxa em relação ao capital comprometido, a característica saliente do momento atual do capitalismo é a insuficiência crônica desse volume relativo à massa dos direitos de saque25. O crescimento da financeirização se deu no contexto do movimento de flexibilização do fluxo de mais-valia que as figuras 7 e 8, entre outras, indicam.

A concentração bancária mundial e sua base específica

Para os grupos industriais e os grandes bancos capazes de recorrer a uma das reações, por assim dizer, espontânea, da desaceleração do ritmo da produção de mais-valia, foi realizar de fusões-aquisições (M&A para merger and acquisitions, em inglês), quer dizer, a aquisição de empresas e de bancos menores ou mais fracos e a fusão com rivais mais ou menos do mesmo nível. Marx nomeia esse processo de “centralização do capital” em oposição à “concentração que se confunde com a acumulação” na qual a empresa aumenta a partir do reivenstimento de seus lucros26.

A “concentração de capitais já formados, a fusão de um número superior de capitais em um número menor” é feito tanto pelo “procedimento violento da anexação, certos capitais se tornam centros de gravitação tão potentes aos olhos de outros capitais, que eles destroem a coesão individual e se enriquecem de seus elementos desagregados”, que por meios “mais doces” de fusões negociadas entre acionárias. Os “planos de reestruturação” com licenciamentos e desqualificação dos trabalhadores são seu principal componente. Sob o efeito da liberalização dos fluxos financeiros, as trocas e os investimentos direitos, a centralização/concentração do capital aconteceu simultaneamente a nível nacional e internacional. Ela resultou na formação de oligopólios mundiais na indústria e nos serviços como também nas atividades bancárias.

O que caracteriza o setor bancário é o grau de concentração não somente dos bancos mas dos mercados mais importantes nos quais eles operam. Onde outros oligopólios mundiais, o automobilístico, por exemplo, se deslocam em mercados de todos os países o oligopólio bancário opera em um punhado de centros financeiros, para não dizer apenas um. É preciso, inicialmente, compreender a palavra “banco”. São grupos financeiros com atividades múltiplas, mais exatamente “conglomerados financeiros de domínio bancário”, o Banco de Pagamentos Internacionais define os conglomerados financeiros como “conjuntos de sociedades sob um controle comum em que as atividades consistem na prestação de serviços significativos em ao menos dois setores financeiros distintos (o banco, a gestão de ativos e o seguro”)28. Os governos ajudaram o movimento de concentração, seja através de políticas deliberadas, como na França29, seja pela comodidade ao conceder a ascensão do mercado primário de bens do Tesouro a apenas um punhado de bancos. Desde 2012 reconhece-se a existência de 28 bancos chamados de “sistêmicos”, nos quais a dimensão e a densidade de relações com outros bancos são tais que sua falha pode desencadear, como no caso do Lehmann, uma crise financeira mundial. Em seguida, esse número aumentou para 30.

Esse número não reflete completamente a situação. Em razão da grandíssima concentração de mercados chaves, há de certa maneira um “oligopólio dentro do oligopólio” feito de uma quinzena ou até mesmo de uma dúzia de bancos que nele operam. O caso mais extremo de concentração é o do Libor de Londres onde se fixa o nível da taxa de juros interbancária que é seguida pelos outros centros financeiros no mundo. Desde 2012, as autoridades judiciárias americanas e britânicas, assim como a Comissão Europeia investigaram por manipulação do mercado e impuseram multas a onze bancos: Bank of America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland e UBS 30. No caso do mercado de trocas, o Banco de Pagamentos Internacionais relata que em 2016, 77% das operações de troca estiveram concentradas em cinco centros financeiros: Londres, Nova York, Tóquio, Hong Kong e Singapura 31. Em Londres, o Deutsche Bank, Barclays e UBS detém a maior parte das transações. Finalmente, existem as posições dominantes ocupadas nos mercados de produtos derivados pelo mesmo grupo de bancos que nós falaremos mais adiante.

Tento realizado tal constatação e dado a explicação dessa grandíssima concentração, resta realizar as conclusões disso. Franços Morin atribui ao oligopólio bancário um poder extremamente grande. Numa conferência realizada após a publicação de L’Hydre Mondiale: l’oligopole bancaire (A hidra mundial: o oligopólio bancário, sem tradução ao português) ele sustentou que “a posição dominante dos bancos lhes confere a capacidade de fixar o preço do dinheiro”32. Isso é desmentido pela queda contínua das taxas de juros que será tratado mais adiante. Depois, existem as relações finança-indústria. Em seu mais recente livro, ele escreve que “em um mundo onde a finança globalizou suas atividades, a empresa industrial faz papel de dominada, enquanto que os atores financeiros estão em posição de dominantes” 33, trazendo como único argumento a transformação dos produtos derivados de instrumentos de cobertura de riscos necessários às operações das empresas em instrumentos especulativos portadores de fortes riscos financeiros sistêmicos. É, portanto, simplificar fortemente os mecanismo de financeirização dos grupos e minimizar singularmente a potência das empresas transnacionais.

A financeirização de grupos industriais

Nas indústrias de manufatura, energia, mineração e serviços, a liberalização e a desregulamentação permitiram a formação de oligopólios mundiais, alguns dos quais se caracterizam por um grau de concentração maior do que o do setor bancário. Este é claramente o caso dos gigantes da Internet. Do mesmo modo, há outros oligopólios que não os bancos que merecem ser chamados de hidras, em particular aqueles da agroquímica e do agronegócio34. A financeirização dos grupos industriais largo sensu lhes confere verdadeiramente, antes de tudo, uma identidade de “atores financeiros”; a importância de suas carteiras de ativos e a escala de suas operações nos mercados financeiros. O trabalho de referência francês é o de Claude Serfati35, já antigo; não à toa, esse tipo de tema de pesquisa foi eliminado das universidades francesas. Num estudo recente sobre empresas norte-americanas, uma pesquisadora calculou que a razão das receitas financeiras – isto é, juros, dividendos e lucros especulativos (capital-market-investment gains) – no fluxo de caixa36 aumentou de 20% em 1980 para 60% em 200137.

A dimensão da financeirização dos grupos industriais que recebeu maior atenção acadêmica foi a introdução, há cerca de vinte anos atrás, do paradigma gerencial da governança corporativa (corporate governance), isto é, da gerência que foca a maximização do valor recebido pelo acionista (shareholder value). Ele consagra a preeminência dos acionistas, fazendo do nível dos dividendos e dos preços das ações os principais objetivos das empresas. Para tanto, foi implementado critérios de avaliação de desempenho adaptados para esse fim, assim como de instrumentos de fidelização da gestão, em particular a remuneração das opções de compra de ações. Trata-se não de uma “dominação” dos bancos, mas de todos os investidores. Fundos hedge são os mais ativos no monitoramento desse tipo de avaliação.

É preciso acrescentar uma palavra sobre as recompras de títulos no mercado de ações. Os dividendos dependem dos lucros e, portanto, da eficiência da exploração e do marketing. Mas o preço dos títulos depende em parte de técnicas estritamente financeiras. Quando um investidor compra as ações de uma empresa, é para embolsar os dividendos, mas também para obter um ganho no momento da revenda. Tanto a alta do valor do dividendo por ação quanto o nível de seu preço podem ser obtidos por meio da recompra. A empresa listada compra as suas próprias ações para cancelá-la em seguida. Esta técnica de redução do número de ações para aumentar o ganho potencial daqueles que os detêm é bem conhecida38. A queda das taxas de juros permitiu que os grupos listados em bolsa tomassem emprestado a preços muito baixos e, assim, aumentassem os seus ganhos por meio desta prática.

As cadeias de valor globais

Contudo, o nível dos dividendos não pode estar baseado simplesmente em artifícios. Exige a produção e a apropriação da mais-valia. Com base na liberalização e na desregulamentação, os grupos emergentes por meio da centralização/concentração do capital puderam usar as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) para criar formas organizacionais de acordo com suas necessidades, ou seja, cadeias de valor globais (CVGs). Construídas por grupos oligopolistas muito grandes, elas permitem que esses grupos se apropriem e centralizem quantidades de mais-valia criadas em pequenas empresas terceirizadas e localizadas em diferentes pontos do globo39. O termo designa, pois, a organização de uma divisão internacional do trabalho entre subsidiárias e subcontratadas. Esses grupos empresariais transnacionais reorganizam, então, o estágio P – M do circuito de capital desde a criação de um projeto (design) até sua produção e distribuição. O projeto é feito nos países centrais, mas a produção passa a se localizar, por meio de subcontratação, nos países onde o exército industrial de reserva é ao mesmo tempo abundante e indefeso; o marketing é feito naqueles países em que há uma demanda final.

A existência de programas de gerenciamento de informações, assim como de computadores, cada vez mais poderosos reduziram o custo e aceleraram a velocidade de coordenação das atividades entre diferentes sítios de produção. O uso de containers, a padronização e a automação do transporte de mercadorias fez o mesmo na circulação de mercadorias. Samir Amin imagina mesmo uma situação em que os monopólios oligopolistas “não sejam mais ilhas mais ou menos importantes em um oceano de empresas pouco importantes, mas um sistema integrado (em que) pequenas e médias empresas e até grandes empresas (…) estão encerradas em redes de meios de controle implantados a montante e a jusante dos centros oligopolistas”40.

A UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento) estimou, em 2013, que cerca de 80 por cento do comércio mundial ocorria no interior das CVGs montadas pelas corporações transnacionais41. No comentário explicativo para o caso das “economias emergentes”, tal como se afigura na Figura 5, o BIS vê o crescimento das CVGs como uma das explicações da importância do IDE (investimento direto estrangeiro) no passivo das contas de capital das economias “emergentes” 42. A sua quantidade recuou um pouco a partir de 201443 e isto oferece uma explicação da evolução observada no período, tal como mostra a Figura 2.

O grau de assimetria nas relações entre os oligopólios e as empresas subcontratadas, a importância da apropriação do mais-valia produzido por estas últimas possibilita que se fale das CVGs como uma forma de gestão peculiar à financeirização. As cadeias de valor mais massivas são construídas para operar com uma ampla gama de produtos de consumo. Elas são geridas por grandes grupos de distribuição que detêm a capacidade de acessar o mercado final (isto é, que funcionam como monopsônio). Elas podem ser globais como o Wal-Mart ou continentais como o Carrefour. No setor industrial do vestuário, as grandes marcas (Zara, Mango, HM) funcionam normalmente como CVGs. As empresaslíderes se concentram exclusivamente no design, no marketing e na rede de distribuição. No final da cadeia, ficam os capitalistas locais que se submetem à exploração. Bangladesh, onde ocorreram graves acidentes de trabalho (tal como a catástrofe de Rana Plaza, em 2013), fornece um excelente exemplo. Os trabalhadores dessas empresas asiáticas são predominantemente mulheres. Em todos os lugares, os seus salários estão bem abaixo do nível médio nacional.

No ramo da eletrônica, a empresa ao mesmo tempo farol e melhor estudada é a Apple. Uma investigação permitiu aos pesquisadores construir a Figura 11. Não é, pois, surpreendente que o nível de preço das ações da “maçã mordida” esteja no grupo superior do Dow Jones. No ramo da eletrônica, as empresas subcontratadas podem ser elas próprias muito grandes. Este é o caso do grupo taiwanês Foxconn que é a maior empresa de montagem eletrônica do mundo; ela é fornecedora de todas as maiores marcas do setor: Apple, mas também Sony, HP, Dell, Nintendo, Nokia, Motorola, Microsoft. Em sua fábrica Longhua em Shenzhen, ela tem entre 250.000 e 300.000 trabalhadores e trabalhadoras que vivem sob condições de trabalho e de vida militarizadas44.

Se o desenvolvimento das cadeias de valor mundiais não for além do nível atual, tal como sugerem os últimos números, o atendimento das exigências dos acionistas envolverá encontrar maneiras de aumentar a taxa de exploração doméstica além do ponto que se encontra atualmente.

É preciso, agora, olhar novamente para os títulos de crédito cujos retornos assumem a forma de juros para examinar a primeira etapa de uma evolução em que o desempenho dos gestores de fundos passa a depender cada vez mais do sucesso de suas operações especulativas. Durante os últimos 25 anos dessa evolução surgiram novos títulos de crédito, os quais se juntaram aos ativos “clássicos”. Assim, as “formas mais degeneradas de ativos parecem ser a fonte de seu próprio aumento” 45.

O sentido econômico da especulação foi perfeitamente definido por Hilferding: “enquanto a classe capitalista como tal se apropria de uma parte do trabalho do proletariado sem equivalente e, assim, obtém lucro, os especuladores ganham apenas alguns os outros. O negócio de cada um deles é tomar o dinheiro dos outros” 46. A natureza econômica das operações especulativas é sempre aquela de um jogo de soma zero. A perda de um vem a ser o benefício do outro. Daí que a escala dessas operações tenho um caráter marcador da saúde do capitalismo.

O crescimento das dívidas das famílias e sua securitização

Voltemos à Figura 3 apresentada na primeira parte. Por trás do crescimento da curva vermelha encontra-se especialmente os Estados Unidos. A partir da década de 1990 e mais na década de 2000, passou a crescer muito nesse país os empréstimos às famílias, incluindo-se aí as hipotecas. A conjuntura financeira esteve marcada pela busca de novas oportunidades de investimento em face do refluxo à Wall Street do capital escaldado das crises asiática e russa. No plano econômico, teve-se o início do declínio da participação dos salários no PIB dos países industrializados sob o efeito da liberalização do comércio e do investimento, assim como da concorrência que se estabeleceu entre trabalhadores do mundo. Nos Estados Unidos, passou-se a nomear certos salários de “salários da China”. A demanda precisou ser sustentada permitindo-se aos assalariados, agora chamados de “classe média”, continuar a manter o padrão de vida a que estavam acostumados por meio de crédito. Aos mercados financeiros dos EUA foi dada, então, essa tarefa. O crédito para as famílias trouxe por um momento “bons dias” para o capital portador de juros. Enquanto o consumo permaneceu estagnado na Europa, ele experimentou um crescimento espetacular nos Estados Unidos (Figura 12).

A formidável expansão do setor imobiliário não teria ocorrido sem a criação de novos tipos de títulos que tornavam as hipotecas facilmente negociáveis. A partir de 1990, e ainda mais na década de 2000, os títulos do mercado de dívidas (credit market debt) experimentaram um crescimento muito forte tal como mostra bem a Figura 14 que aparece em sequência. Os valores incluem outros títulos além daqueles relacionados às hipotecas, mas são estes aqueles que comandam o crescimento da curva.

Em consequência, mudou o epicentro da crise financeira em Wall Street. A quebra do mercado de títulos relativos à alta tecnologia (Nasdaq), que ocorreu em 2000- 2001 mediante o estouro da bolha dot.com, foi uma crise de mercado “clássica”. E ela pode ser considerada como bastante circunscrita. Ao se transferir a partir de 2003, massivamente, para o mercado hipotecário, o alargamento da securitização por meio de uma engenharia financeira cada vez mais complexa criou as condições para um tipo diferente de crise. A mundialização financeira, bem como a opacidade dos títulos e dos interesses intervenientes, vai dar ao termo “sistêmico” um conteúdo novo.

Diferentemente dos títulos de dívida emitidos por uma única instituição (por exemplo, pelo Tesouro), a emissão de títulos garantidos por hipotecas era extremamente descentralizada. A emissão original era feita por bancos locais e por empresas imobiliárias. Depois, eles vendiam esses títulos para os bancos maiores, incluindo aí os cinco bancos de investimento de Nova York, como também duas empresas hipotecárias do governo, Fannie Mae e Freddie Mac 47. Estas instituições, por sua vez, os vendiam para os fundos de investimento que operam com riscos (hedge funds) e, de 2005 a 2006, para as subsidiárias de outros grandes bancos (caso do BNP Paribas) 48 ou mesmo para os bancos alemães (Länder). Ao contrário dos títulos públicos, tem-se aqui valores mobiliários que são derivativos, isto é, títulos que se apoiam em algo subjacente (mercadorias, divisas, empréstimos, etc.), tal como será abaixo explicado. No caso em questão, o suporte dos novos produtos eram as hipotecas, daí o seu nome de “mortgage-backed securities” (MBS). Sendo derivativos, tratavam-se de títulos compósitos parcialmente opacos. Os MBS também eram chamados de produtos “estruturados” pois combinavam ativos classificados de acordo com diferentes níveis de risco.

As subsidiárias especializadas criadas pelos grandes bancos faziam combinações de títulos que reuniam empréstimos com diferentes níveis de risco. As parcelas “super sênior” ou “sênior” eram as mais seguras; as parcelas “juniors” com mais exposição ao risco eram as mais bem remuneradas; as parcelas “subprime”, resultantes de empréstimos aos chamados tomadores NINJA 49 obtinham os melhores ganhos, mas possuíam riscos muito elevados. Elas ofereciam esses títulos bastante opacos para investidores e poupadores em geral. Todas as transações eram realizadas (como continuam a ser nos mercados de derivativos) por acordo mútuo entre os “traders” (ou por OTC, abreviatura do termo “over the counter”) 50.

Apesar das notas atribuídas pelas agências (Moody’s, Standard & Poor’s, Fitch Ratings), os investidores que atuavam como compradores procuraram se proteger. Eles adquiriram das principais companhias de seguros uma outra categoria de derivativos, denominada de “evento de crédito”, que é mais conhecida por seu nome inglês “credit default swaps” (CDS). O comprador paga um prêmio ex-ante anual ao vendedor de proteção e este lhe promete compensar ex-post as perdas no ativo de referência em caso de que certo evento especificado no contrato ocorra. O vendedor desta proteção, por definição, considera esse evento como improvável e, assim, não é obrigado a reservar fundos para garanti-la. Ele recebe bônus periódicos; se tal “evento de crédito” não ocorre, ele ganha o bônus até o final do contrato. No caso oposto, ele é forçado a fazer o que é chamado de “pagamento contingente”. Se a proteção foi vendida para muitos compradores, ela pode assumir grandes proporções.

Por exemplo, a venda de CDS com base em títulos garantidos por hipotecas levou, em 2008, a maior companhia de seguros americana, a American Insurance Group (AIG), à beira da falência, forçando o governo federal a financiar seu resgate no valor de 85 bilhões de dólares. Warren Buffett, em 2002, nomeou o CDS como “arma de destruição em massa”; George Soros, em 2006, disse que “os riscos apresentados pelos derivativos negociados no balcão não são totalmente compreendidos, mesmo por investidores sofisticados, incluindo eu próprio”.

As agências de rating avaliaram positivamente esse tipo de ativos. Um estudo do Banco da França explica muito claramente por que eles existem. Eis o que diz: “por construção, o funcionamento e o valor de produtos estruturados são de difícil compreensão para os investidores”. Para ajudá-los a vender o MBS, então, os bancos envolvidos em sua produção pediram às agências que lhes dessem uma nota semelhante à dada aos títulos emitidos pelos Estados. Para tanto, as agências deveriam ter reunido as informações verificando o nível de risco dos empréstimos “empacotados” segundo cada tipo de ativos. O estudo mostra, educadamente, que esse processo tinha “duas fraquezas importantes”. Em primeiro lugar, o modelo utilizado para classificar produtos estruturados era idêntico ao usado para produtos de títulos tradicionais, enquanto que os riscos eram de uma ordem bem diferente. Em segundo lugar, as agências se consideraram responsáveis unicamente pela avaliação do risco de crédito – e não do risco de liquidez dos vendedores de ativos (o caso Lehmann foi elucidativo). Porém, os investidores eram frequentemente convencidos do contrário.

A participação em tais emissões, vendas e compras de títulos de balcão, de um conjunto de investidores e de intermediários – fundos especulativos (hedge funds), subsidiárias de grandes bancos, bancos investimento e outras empresas financeiras não regulamentadas – levou à formação do que foi denominado sistema do “shadow banking”, ou seja, da finança das sombras51. Por causa dessa designação, ele foi tido como o responsável pela crise financeira; foi mesmo objeto de uma vingança pública, de origem popular, mas fortemente mediatiza pelos órgãos de imprensa. Um órgão intergovernamental, o Conselho de Estabilidade Financeira (em inglês, Financial Stability Board ou FSB), foi criado pelo G20 em 2009 com a missão de monitorar sua evolução (sem dispor de fato dos meios de controle). Foi lhe dado, entretanto, um papel oficial: “acompanhar o sistema de intermediação de crédito envolvendo entidades e atividades que estão potencialmente fora do sistema bancário”.

Não se pode ser ambíguo sobre a importância das operações das subsidiárias especializadas nos investimentos de risco dos grupos bancários. Não há fronteira clara entre o “shadow bank system” e o sistema bancário “tradicional” com suas subsidiárias. Em seu relatório mais recente, o BIS (Bank of International Settlements) informa que, em 2015, as finanças sombras atingiram 92 trilhões de dólares, ou seja, 150% do PIB mundial, superando assim o nível atingido no momento da crise financeira de 2008; desta data até 2010, ela havia despencado um pouco, isto é, chegara a pouco mais de 120% do PIB mundial. A influente agência financeira nova-iorquina Bloomberg comentou um estudo acadêmico sobre o sistema sombra sob o seguinte título “o shadow banking continua a crescer sem ficar melhor”.

Lucros bancários, efeito de alavancagem e liquidez

À medida que o endividamento se expandiu e assumiu um caráter estrutural, os juros sobre empréstimos empresariais, familiares e governamentais (com configurações específicas para cada país e cada conjuntura), as comissões obtidas na organização de financiamentos e os ganhos em transações de balcão tornaram-se as principais fontes de lucros do banco. O seu montante depende, como sempre, de dois fatores: 1º) da diferença entre o nível das taxas a que os bancos tomam emprestado (do mercado ou do banco central) e aquela a que emprestam e 2º) dos volumes das operações enquanto tais. Ora, isto depende também da extensão do uso de capitais de terceiros além do próprio patrimônio, o que é chamado de alavancagem.

Os números disponíveis mostram a dimensão da alavancagem entre 2003 e 2007 para os cinco bancos de investimento de Nova York. Conforme está mostrado na Figura 13, três deles tinham alavancagem maior que a do Lehmann Brothers.

O volume de oferta de capital de empréstimo, que depende também da alavancagem, é sistêmico. Depende, em grande medida, do endividamento recíproco dos bancos e, portanto, da confiança que têm nas possibilidades de recuperar os empréstimo feitos, a qualquer momento. A falência do Lehmann ocorreu por causa de empréstimos feitos para os hedge funds, os quais, com o colapso do mercado de títulos hipotecários, não podiam mais ser reembolsados de imediato; entretanto, os bancos JPMorgan e Chase exigiram que isso ocorresse durante o próprio tumulto financeiro. Em 2016, ele concordou em pagar US$ 1,32 bilhão em compensação aos credores que haviam perdido tudo em 2008 [59]. A importância do endividamento mútuo entre os bancos e os fundos de investimento pode ser vista na Tabela 1 na linha “empresas financeiras”; note-se aí que apresenta o montante mais alto.

Secteur 1980 1990 2000 2008

Ménages 49 65 72 100

Sociétés non-fin. 53 58 63 75

Sociétés financières 18 44 87 119

État 35 54 47 55

Total 155 221 269 349

Os motivos pelos quais o secretário do Tesouro, Henri Paulson, ex-Goldman Sachs, recusou-se a salvar o Lehmann Brother da falência nunca foram entendidos; a magnitude das consequênciassobre o sistema financeiro como um todo certamente não foi antecipada. A memória do encadeamento sistêmico produzido em setembro de 2008 permitiu que os bancos franceses e alemães se beneficiassem de um tratamento diferente durante a crise da dívida pública grega52. Em 2012, no momento mais forte do retraimento dos empréstimos que gerou o mergulho da economia europeia em uma segunda recessão, os dois maiores bancos franceses detentores de títulos do governo grego tinham as seguintes relações capital próprio/endividamento: 24% para o Societe Generale e 32% para o BNP Paribas. A mesma relação para o Deutsche Bank, também muito comprometido, estava no mesmo nível. Eles receberam ajuda elevada e incondicional. Foi para salvá-los que o Banco Central Europeu (BCE) começou a atuar por meio de ações que foram chamadas modestamente de “medidas de política monetária não convencionais”, ou seja, injeções de liquidez virtualmente ilimitadas. As primeiras consistiram em comprar os títulos gregos detidos pelos bancos; logo, isso se estendeu para os títulos emitidos por outros países (Espanha, em particular), ou seja, aqueles com os quais os bancos franceses e alemães estavam fortemente envolvidos. Um banqueiro britânico comentou: “era mais fácil vender esse plano dizendo que o dinheiro está sendo usado para salvar a Grécia, Espanha e Portugal, do que admitir que era para ajudar e salvar os bancos” 53.

A ascensão do mercado de derivativos no auge do descolamento da finança

Não há necessidade de repetir aqui toda a história do resgate dos bancos, nos dois lados do Atlântico, mesmo a do AIG, em 2008. As profundas raízes econômicas e sociais do capital fictício impediram qualquer hesitação por parte da burguesia mundial liderada pelos Estados Unidos. A recessão econômica colocou centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras no desemprego, mas algo semelhante não podia ocorrer com o montante dos direitos de extração de renda nas mãos dos bancos e fundos de investimento. Os beneficiários dos sistemas de aposentadorias por capitalização formavam o único grupo social que podia sofrer perdas de capital devido à queda do preço das ações durante a crise financeira. Nos países da OCDE, eles sofreram perdas agregadas em torno de 23% entre 2008-2009 54 e mesmo quando os mercados de ações se recuperaram, eles continuaram a sentir os efeitos da crise financeira sobre as suas aposentadorias55.

Os mercados de títulos reduziram o seu alto nível de dependência em relação ao fornecimento de crédito para algumas indústrias, em particular, para a automobilística nos EUA e para a da construção em outros países. As medidas de ajuda direta dos governos a grupos econômicos, assim como a transferência de dívidas para o Estado, mediante a transformação de créditos privados em dívidas públicas, foram então limitadas. Porém, em sequência, adotou-se uma política monetária “não convencional”, chamada de “flexibilização quantitativa” (quantitative easing) pelo Fed. Desse modo, como mostra a Figura 14, a máquina de criação de novos instrumentos de crédito começou a andar de novo.

Na ausência de quase qualquer efeito duradouro sobre o crescimento, é importante entender para onde for dirigido esse crédito, em quais mercados foram postos. Ora, eles foram aplicados nos mercados financeiros e nos mercados de derivativos. Certos títulos nas formas de MBS e CDS tinham sido centrais no desenvolvimento da crise. A Figura 15 mostra que o seu montante tendeu a crescer no período entre 2005 e 2016. O declínio no final do período se deveu a uma mudança no método contábil e ao aumento da taxa de câmbio do dólar 56.

Fonte: http://libertystreeteconomics.newyorkfed.org/2017/05/at-the-ny-fed-the-evolution-of-otc-derivativesmarkets.html 57

Devemos, portanto, dedicar-lhe uma análise específica. A literatura sobre os derivativos – relatórios oficiais, trabalhos acadêmicos, artigos de jornal – se concentram exclusivamente em dois pontos: trata-se, primeiro, de um instrumento financeiro importante, mas que é passível de emprego com objetivos incorretos; segundo, os mercados de derivativos escondem grandes riscos sistêmicos. Em termos nocionais 58, as operações com derivativos representam oito vezes o PIB mundial. Os comentaristas notam que esse tamanho é altíssimo, mas não questionam o que isto significa.

Com a exceção de François Morin que insiste especialmente sobre a concentração dos mercados, não se encontra qualquer menção sobre o fato de que uma massa particularmente grande de capital fictício, concentrada nas mãos dos maiores bancos do mundo, não tem nada melhor a fazer do que se envolver em especulações. Ora, isto mostrar na esfera das finanças o impasse do capitalismo.

Os primeiros derivativos foram criados como instrumentos que permitiam às empresas se assegurarem contra diferentes tipos de riscos financeiros. E isto por meio da definição do preço de compra ou de venda de um ativo – mercadoria ou título – antecipadamente. Ora, este ativo é dito “subjacente” 59. Inicialmente, os riscos cobertos concerniam ao preço das matérias-primas – cereais, mais tarde petróleo. Em sequência, com o fim do padrão dólar/ouro em 1971 e com o início de taxas de câmbio flexíveis, eles passaram usados também contra os riscos de taxa de câmbio. Eis que estes riscos eram muito importantes para empresas de importação e exportação e para corporações transnacionais. Em sequência ainda, foram empregados para cobrir os riscos da flutuação das taxas de juros. Hoje, estima-se que apenas 5% das transações tenham de fato a finalidade de proteção contra riscos efetivos.

As demais operações envolvem instrumentos de crédito (os quais são já capitais fictícios). São, assim, totalmente especulativas. Os lucros dependem tanto do volume das transações feitas na forma de intermediação quanto do resseguro feito em relação aos capitais criados e vendidos aos compradores. Qualquer forma de incerteza pode levar à criação de um derivativo. Um exemplo recente bem notável apareceu no Deutsche Bank, que teria perdido US$ 60 milhões em um tipo de derivativo que lida com a evolução da taxa de inflação60. Atualmente, os derivativos são aquilo que nomeei no Finance Capital Today de capital fictício de enésimo grau. Os intervenientes nos mercados desses ativos são principalmente bancos e fundos de investimento que operam com uma alavancagem extremamente alta (até 90% do patrimônio próprio). François Morin lista quatorze grupos bancários que organizam o mercado em todo o mundo61. Para esses grupos, trata-se de uma fonte importante de lucro.

Um recente estudo realizado pela Brookings Institution estimou que, no final da década de 1990, 30% dos lucros dos grupos bancários dos EUA provinham dessa atividade. Não encontrei uma estimativa mais recente, mas dado o tamanho do volume de operações, parece que se tem o seguinte: quanto maior for o valor das transações de um grupo bancário nos mercados de derivativos maior será a participação dessa fonte em seus lucros. Tais lucros são perfeitamente fictícios do ponto de vista do movimento geral da acumulação; os lucros obtidos por uns são retirados e outros participantes desses mercados (tal como menciona a citação acima da obra de Rudolf Hilferding). Entretanto, eles influenciam a posição do grupo no mercado acionário.

A figura 15 mostra que, após 2008, os derivativos sobre taxas de juros em diferentes tipos de empréstimos passaram a representar a maior parte das operações. Como os juros são a principal fonte de lucros dos bancos, os títulos de dívida negociáveis assumiram enorme importância e é isto o que se vê na Figura 14; ora, não se trata de algo surpreendente. Os mercados de derivados são extremamente concentrados. Em 2016, nos Estados Unidos, 90% da emissão de seu montante total nocional estava nas mãos de quatro bancos dos EUA (JP Morgan Chase, Bank of America, Citybank e Goldman Sachs). Os ativos são negociados de comum acordo entre operadores grudados em suas telas e pendurados em seus telefones. Atualmente, eles recorrem em grande medida aos algoritmos. O modo de medida das trocas em mercados de derivativos refere-se ao seu valor nocional (referido abreviadamente como “nocional”). Trata-se do valor de face que permite calcular o fluxo de pagamentos entre os operadores. O valor do subjacente é irrelevante. Uma vez que a sua liquidação ocorre na data de vencimento, o contrato exige apenas um adiantamento inicial em dinheiro e este ou é muito pequeno ou é nulo. Somente quando a aposta é perdida, como no caso da CDS sobre ativos hipotecários em 2008, ocorre de fato um pagamento. A especulação contra a Grécia e a Espanha provocou fingida indignação contra um “CDS nulo”62.

A acumulação de dinheiro; os bancos centrais caem numa armadilha caminhando em direção a taxas de juro zero

Ao longo de dois anos após 2008, o nível de endividamento mundial caiu um pouco, na verdade apenas ligeiramente. O valor recorde registrado pelo McKinsey Global Institute, em 2015, mostrou que havia muita dívida e pouca desalavancagem (not much deleveraging). Desde então a dívida retomou um curso ascendente. A proporção da dívida para o PIB mundial aumentou de 200 para 220% em dois anos. No terceiro trimestre de 2016, atingiu quase 325%. Eis que foi afetada pelas emissões de títulos de dívida pública nas “economias maduras”, assim como por obrigações emitidas pelos bancos e pelas empresas nas “economias emergentes”.

O mesmo período testemunhou a aceleração de um movimento que começara já há vinte anos: uma tendência de redução das taxas de juros de longo prazo nos mercados de títulos. De fato, desde então, formou-se uma configuração em “tesoura” sem precedentes na história do capitalismo, a qual não se observara mesmo no auge da grande crise da década de 1930. Eis o que está escrito no último relatório anual BIS: “as taxas de juros despencaram enquanto que as dívidas não pararam de crescer”63. Nas palavras de um dirigente do BIS: “mesmo Keynes, a quem devemos a aterradora metáfora (sic) da ‘eutanásia dos rentistas’, não previu taxas de juros nominais negativas”.

As políticas “não ortodoxas” seguidas pelo Fed, assim como pelos outros bancos centrais, isto é, a criação maciça de moeda e o apoio permanente aos bancos, justificados pelo argumento de que emprestam às empresas e às famílias, contribuíram para a tendência descendente em 2009. O departamento de pesquisa do grupo Natixis estima que elas explicam dois terços do corte da taxa. Porém, os especialistas do BIS insistem que tais políticas não são suficientes para explicar o declínio já que ele começou muito antes. Neste declínio – dizem eles – é impossível “separar o que é secular e o que é cíclico, assim como, no que é cíclico, deslindar a importância dos fatores monetários e não monetários”64.

No quadro de análise que comecei a esboçar no artigo de fevereiro, as causas do longo declínio as taxas de juros de mercado são encontradas nas relações sociais de produção, no viés das mudanças tecnológicas e no bloqueio dos mecanismos de acumulação assim criados. A insuficiência de oportunidades de investimento rentáveis significa que a demanda por capital é menor do que a oferta65. Esta última continua sendo permanentemente alimentada pela apropriação da mais-valia, porém, a exploração não produz o suficiente para satisfazer os acionistas e os credores.

A flexibilização quantitativa e as políticas “não ortodoxas” dos bancos centrais não foram as causas fundamentais do declínio, mas, obviamente, elas o acentuaram. Os seus efeitos “indesejáveis” colidem com os objetivos de relançamento das economias. Vamos listar os principais:

1º) Os rentistas pertencentes à oligarquia financeira ficam protegidos dos efeitos da queda das taxas de juros em virtude do grande volume de suas aplicações. A sua eutanásia fica, assim, para o futuro. Por outro lado, tem ocorrido o enfraquecimento dos regimes de pensões por capitalização e, em geral, a redução das pequenas poupanças nos países da OCDE. Isto está em movimento com todas suas consequências potenciais, sociais e políticas. A corrosão das pequenas economias tem o efeito de reforçar o “motivo precaução” (Keynes), isto é, de aumentar, em face da insegurança do emprego, a necessidade sentida pelos funcionários para alimentar as suas reservas, mesmo que seu rendimento seja muito, muito baixo.

2º) Os investidores financeiros mantém a possibilidade de emprestar livremente e a taxas quase nulas, o que alimenta a especulação, criando as condições para o desenvolvimento de novas bolhas financeiras, as quais o FMI, o BIS e os bancos centrais estão apenas observando. Em um artigo muito detalhado, The Economist observa que “os mercados se mostram altistas em todos os ativos” (isto é, tem-se bull market na linguagem cifrada do setor financeiro da City de Londres)66. Há muitas bolhas em andamento. Elas estão crescendo nos mercados de ações (por exemplo, a bolsa de valores de Tóquio alcançou seu maior nível em 21 anos), assim como, uma vez mais, no setor imobiliário.

3º) Mais cedo ou mais tarde, uma ou mais de uma dessas bolhas estourarão, talvez simultaneamente. Nesse momento, confrontados com uma nova recessão, os bancos centrais já terão queimado todos os seus cartuchos. Ao mesmo tempo, sabe-se que se tornou difícil para eles, mesmo diante de uma ligeira melhora na economia, aumentar as taxas de juros. Pois, correm o risco, julgado provável, de desencadear uma crise nos mercados de títulos. (Um aumento das taxas de juros produz uma depreciação dostítulos sem que essa queda possa ser compensada). Os bancos centrais estão presos nessa armadilha. Em seu relatório de outubro de 2016 sobre o estado da economia mundial, o FMI advertiu que “um ciclo deflacionário em que uma fraca demanda e uma deflação se reforçam mutuamente está sobrevindo” (…) A economia pode acabar em uma armadilha deflacionária (deflation trap)”67. É essa a situação em que se encontram os tomadores de decisão financeiros mundiais.

Para concluir

As causas fundamentais do impasse do capitalismo não se encontram na finança, mas no nível da produção, nas características e efeitos particulares da tecnologia e na relação do capitalismo tanto com os recursos não renováveis, quanto com o ambiente físico – que é também aquele da sociedade humana. Debrucei-me sobre isso num artigo de fevereiro, e procurarei retomar o tema novamente.

A força das “leis coercitivas” que movem o capitalismo foram qualitativamente reforçadas pela desregulamentação e pela mundialização do capital. Sob a forma de leis “externas” engendradas pela “concorrência”68, constrangem cada setor da acumulação de capital tomados separadamente com o embate entre capitais altamente concentrados. Mas elas constrangem também o capital como um todo. Ao passo em que se nota que a posse de ativos financeiros é a principal forma de propriedade do capital, vem ocorrendo um debate sobre o declínio das oportunidades de investimento e sobre a insuficiência dos fluxos de mais-valia.

Os impasses inerentes ao acúmulo de capital fictício invadiram o cotidiano do capitalismo. A visão de mundo da burguesia, moldada pelo fetichismo do dinheiro, condiciona a vida política, a seleção dos governantes, as políticas que eles concebem, as posições que tomam em face das mudanças, procurando negar o fatalismo. Trabalhando num quadro teórico diferente, compartilho o julgamento de Bruno Latour segundo o qual “as classes dominantes já não pretendem mais governar, mas apenas se protegerem do mundo”69.

Artigo originalmente publicado na revista A L’Encontre. Tradução de Flavia Brancalion e Pedro Micussi.


Notas 

1 Marx, Le Capital. Editions Sociales, Livro III, tomo 6, p. 263.

2 Marx utiliza tanto um termo, quanto o outro. Utilizarei, tanto quanto possível, o termo capital portador de juros, incluindo o recebimento de dividendos.

3 McKinsey Global Institute, Global Financial Markets, Entering a New Era, 2009.

4 McKinsey Global Institute, Financial Globalization, Retreat or Reset? 2013.

5 Bank of International Settlements, Annual Report 2017. http://www.bis.org/publ/arpdf/ar2017e.pdf

6 Costas Lapavistsas e Ivan Mendieta-Munöz, “The Profits of Finanzialisation”, The Monthly Review, 2016. monthlyreview.org/2016/07/01/theprofits-of-financialization/. Trata-se da revista fundada por Paul Sweezy e Paul Baran, da qual o redator mais conhecido hoje em dia é John Bellamy Foster.

7 Marx, Le Capital, Livro III, tomo 7, p. 129 (sublinhado no texto).

8 Ibid. p. 127.

9 Ibid, p. 132-133.

10 Marx, Le Capital, Livro III, tomo 7, p. 56.

11 Ver na França, Antoine Artous, Le fétichisme chez Marx, le marxisme comme théorie critique. Syllepse, Paris, 2006; Alain Bihr, http://www.ekouter.net/le-fetichisme-dans-lecapital-par-alain-bihr-au-seminaire-marxau-xxieme-siecle-524; a reedição anunciada pela Editions Page 2 e Syllepse de La novlangue néolibéral: La rhétorique du fétichisme capitaliste.

12 Uma exceção é o livro de Louis Gill, Fondements et limites du capitalisme, Boréal, Canada, 1996.

13 Marx, Le Capital, Livro I, tomo 1, p. 103.

14 Ibid, p. 158-159.

15 Ibid, p. 156.

16 D = dinheiro gasto na compra de formas determinadas de mercadorias; M = mercadorias na suas formas de força de trabalho comprada, máquinas e matérias-primas; P = produção de mercadorias que contém a mais-valia; M’ = comercialização dessas mercadorias; D’ = se a mercadoria cumpriu o seu papel.

17 Ibid, p. 139.

18 Ibid., p. 168.

19 Marx, Le Capital, Livro III, tomo 8, p. 156 e seguintes.

20 CADTM, http://cadtm.org/Les-Chiffres-de-la-dette-2015

21 Marx, Travail salarié et capital. Editions Sociales, Paris, 1952, p. 54. Disponível em www.marxists.org/francais/marx/works/1847/12/km18471230-8.htm

22 Ver François Chesnais, Les dettes illégitimes. Quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Editions Raisons d’agir, Paris, 2011. A imagem da bola de neve provém de um relatório do Senado francês de 1998.

23 Recentemente, o FMI e o Banco Mundial publicaram dados sobre um período que chega a 2015: http://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD et https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG

24 Em sua resenha do livro Finance Capital Today, Michel Husson defendeu uma periodização diferente: http://alencontre.org/economie/le-capital-financier-et-ses-limitesautour-du-livre-de-francois-chesnais.html

25 Esta proposição é mais precisa que a que eu havia feito no livro Finance Capital Today em apoio às posições de Shanon Williams et Andrew Kliman. É apenas relativamente às pretensões dos portadores de direitos de extração de renda que o montante de mais-valia se mostra decrescente, a despeito do aumento da taxa de exploração.

26 Esta distinção despareceu logo em seguida, mesmo por Lênin em L’Impérialisme, stade suprême. Falei sobre isso num artigo de 2015: http://alencontre.org/economie/economie-mondialeune-situation-systemique-qui-estspecifique-a-la-financiarisation-comme-phasehistorique.html

27 Marx, Le Capital, vol. I, Editions Sociales, tomo 3, p. 68.

28 Joint Forum on Financial Conglomerates, Bank for International Settlements, Basileia, 2001, p. 5. A Diretiva sobre os conglomerados financeiros da União Europeia os define, por sua vez, como “grandes grupos financeiros ativos em diferentes setores financeiros que operam em vários países”. 29. François Chesnais, Les dettes illégitimes, p. 57-59.

30 François Morin, L’hydre mondiale : l’oligopole bancaire. Quebec : Lux/Humanitées, 2015.

31 Ver http://www.bis.org/publ/rpfx16fx.pdf

32 Ver http://www.universitepopulairetoulouse.fr/spip.php?article493

33 François Morin, L’économie politique du XXI° siècle. Lux/Humanitées, Quebéc 2017, p. 117. 34. Ver os artigos sobre a Monsanto no sítio de A L’Encontre.

35 Claude Serfati, “Le rôle actif des groups à dominantes industriels dans la financiarisation de l’économie” em François Chesnais (coord.) La Mondialisation financière: Genèse, coût et enjeux, Editions Syros, 1996.

36 Para saber sobre a denominação francesa e o modo de cálculo ver: https://www.lesechos.fr/financemarches/vernimmen/definition_cash-flow.html

37 Greta Krippner, “The Financialization of the American Economy”, Socio-Economic Review, 3, nº 2, p. 173–208, 2005.

38 Ver François Morin, Ibid., p. 107.

39 Estudo com todas as referências necessárias num artigo de 2015 publicado no A L’encontre: http://alencontre.org/economie/economie-mondiale-une-situation-systemique-qui-estspecifique-a-lafinanciarisation-comme-phase-historique.html, de 1° de março de 2015.

40 Samir Amin, L’implosion du capitalisme contemporain. Automne du capitalisme, printemps des peuples? Editions Delga, Paris, 2012, p. 15.

41 Ver http://unctad.org/fr/PublicationsLibrary/wir2013_en.pdf

42 BIS, Annual Report 2017, p. 103.

43 Raphael Auer, Claudio Borio, Andrew Filardo, “The Globalisation of Inflation: the Growing Importance of Global Value Chains”, CESIFO Working Paper n° 6387, Março de 2017.

44 Ver os artigos em http://www.monde-diplomatique.fr/2012/06/POUILLE/47866 e em http://www.peuplessolidaires.org/foxconn-des-conditions-de-travail-inhumaines-poussent-ausuicide/.

45 Leda Paulani, apresentação no Sexto Congresso Marx International, Nanterre 2010.

46 Rudolf Hilferding, Le Capital financier, Editions de Minuit, 1970, p. 200. Em francês no original.

47 A Federal National Mortgage Association (FNMA), conhecida sob o nome de Fannie Mae, é uma sociedade por ações, actions (government sponsored enterprise) criada pelo governo federal dos Estados Unidos, em 1938, com a finalidade de aumentar a liquidez no mercado das hipotecas. A Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC), conhecida como Freddie Mac, foi criada em 1975 para reforçar a capacidade de apoio governamental ao acesso à moradia por parte de trabalhadores e empregados.

48 É preciso lembrar que foram as retiradas dos clientes de três fundo monetários gerenciados pelos BNP Paribas, em 7 de agosto de 2007, que deu início à crise financeira.

49 NINJA significa “no income, no job, no assets”.

50 A Wikipédia fornece uma definição correta. Um mercado de balcão – over-the-counter (OTC) em inglês — é um mercado no qual as transações são concluídas diretamente entre os vendedores e os compradores. Um mercado organizado, ao contrário, é aquele regulado por uma comissão sob a responsabilidade da “bolsa” em consideração. Este tipo de transação aumentou de modo importante depois do ano 2000 mesmo nos mercados acionários: nos Estados Unidos, em 2014, 40 % das ações foram comercializadas por meio do mercado de balcão contra apenas 16 % em 2008.

51 Esther Jeffers et Dominique Plihon, Le Shadow banking system et la crise financière, La documentation française, Cahiers français n° 375 http://www.ladocumentationfrancaise.fr/var/storage/libris/3303330403754/3303330403754_ EX.pdf

52 Falei disso num artigo publicado na revista Contretemps, n° 7, em 2011.

53 Citação de Charles-André Udry em seu artigo “Une guerre sociale nouvelle s’ouvre en Europe”, de 27 maio.

54 OECD, Pension Markets in Focus, Outubro de 2009, nº 6, www.oecd.org/finance/privatepensions/43943964.pdf e OECD, Private Pensions Outlook, 2009/www.oecd.org/finance/privatepensions/42153142.pdf

55 Ver Daily Telegraph, 7 de outubro de 2011: www.telegraph.co.uk/finance/personalfinance/pensions/8814750/Valueof-private-pensionsfalls-by-nearly-a-third-in-three-years.html

56 Jean-Michel Naulot, Eviter l’effondrement, Seuil, Paris, 2017, pp. 107-108.

57 Encontraremos uma figura que remonta a 1998 em https://www.les-crises.fr/produits-derives/

58 Por nocional, deve-se entender o capital de referência em relação ao qual, em um contrato de derivativo, as duas partes assumem compromisso de compra e venda. Todos os cálculos de ganhos ou de perdas feitos pelos intervenientes em função da posição tomada são calculados com base nessa referência.

59 O verbete na Wikipedia sobre “produit dérivé financier” é particularmente completo e claro.

60 O seu nome em inglês é “zero-coupon inflation swaps”. Ver sobre isso www.bloomberg.com/news/articles/2017-06-27/deutschebank-said-to-face-possible-

60– million-derivative-loss-j4fx1yar. Além disso, suspeita-se que Deutsche Bank, o banco alemão mais importante, tenha ainda em suas contas uma grande quantidade de dívidas irrecuperáveis. Foi multado em US$ 14 milhões (valor reduzido depois para US$ 8 milhões) por ter vendido títulos sintéticos que continham subprimes durante a crise financeira.

61 Morin, L’économie politique du XXI° siècle, op. cit., p. 136.

62 Ver o artigo de Anne-Laure Delatte : www.ofce.sciences-po.fr/blog/entree-en-vigueur-delinterdiction-descds-a-nu/

63 Ver: www.bis.org/publ/arpdf/ar2017e.pdf, p. 19.

64 Peter Hördahl, Jhuvesh Sobrun and Philip Turner, Low long–term interest rates as a global phenomenon, BIS Working paper nº 574, Agosto de 2016.

65 Este uso das noções de oferta e de demanda é teoricamente legítimo. No Capítulo XXII do Livro III, que trata da determinação do nível da taxa de juros, Marx escreve que “vimos que o capital portador de juros, embora seja uma categoria econômica absolutamente diferente da mercadoria, converte-se numa mercadoria sui generis, que tem nos juros o seu próprio preço, o qual, tal como o preço de mercado das mercadorias comuns, é fixado em cada momento pela ação da oferta e da demanda. A taxa de juros de mercado, apesar de flutuar constantemente, aparece em cada momento tão constantemente fixada e uniforme como preço de mercado da mercadoria. Os capitalistas monetários oferecem essa mercadoria, e os capitalistas produtivos a compram, formando assim a sua demanda.” Capital, Livro III, Edições sociais, tomo 7, página 33.

66 The Economist, 7 de outubro de 2017.

67 International Monetary Fund, World Economic Outlook, October 2016, capítulo 3, p. 121.

68 Marx, Le Capital, Editions Sociales, livro I, tomo 3, p. 33.

69 Bruno Latour, Où aterrir? Comment s’orienter em politique, Paris, La Découverte, outubro de 2017, p. 10. Bruno Latour busca entender o movimento que se desenvolveu, a partir da década de 1990, junto com a “desregulação”. Dela nasceu a globalização tal como conhecemos. Com ela adveio uma “explosão cada vez mais vertiginosa das desigualdades, assim como o empenho sistemático para negar as mudanças climáticas”. Para ele, as classes dominantes chegaram à conclusão de que não há espaço suficiente na Terra para elas e para o resto dos seus habitantes. Para elas “não há mais um mundo comum a compartilhar”. Mostram, assim, que a luta social e a luta ecológica, que se mantiveram separadas até agora, devem ser unificadas.


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