De onde vem o sofrimento dos assalariados no século XXI?

Sobre as rupturas e continuidades entre o taylorismo e a “gestão moderna” do trabalho.

Danièle Linhart 5 mar 2018, 12:21

De onde vem o sofrimento dos assalariados no século XXI? Rupturas e continuidades entre gestão moderna e lógica taylorista

A modernização gerencial pretende-se em ruptura radical com a lógica taylorista. Ela pretende dar lugar à autonomia, à liberdade de iniciativa, à responsabilidade dos assalariados e promover formas de trabalho em correspondência com a evolução da sociedade. Esta é cada vez mais individualizada e as políticas que se praticam nas empresas mostram a importância sucessivamente dedicada às qualidades pessoais de cada assalariado: sua adaptabilidade, sua criatividade, seu gosto pelo risco…

No entanto, se se olha mais de perto, alguns fundamentos do taylorismo permanecem onipresentes, ainda que mascarados pelas formas hipermodernas de personalização e psicologização da prática do trabalho. Apesar da “humanização” reivindicada, a subordinação impõe sempre sua lei segundo as boas e velhas receitas tayloristas. Para conseguir gerir tais contradições, as direções dedicam-se a renovar a permanência dos meios para obter o consentimento de seus assalariados.

1) Taylorismo: clarividência e má-fé

Fazer a subordinação possível e efetiva, tal fora, em seu tempo, o objetivo do consultor Taylor (1911), que inventou a organização racional do trabalho. Ele queria proporcionar aos empregadores a possibilidade de fazer os operários – aos quais pagavam segundo os métodos mais produtivos – trabalharem da forma mais lucrativa possível. Até então, os operários de ofício contratados diretamente por seu patrão recrutavam eles mesmos seus companheiros e organizavam seu trabalho. Taylor constatara que tal lógica conduzia necessariamente a uma “folga sistemática”, o que é necessário considerar como um ritmo de trabalho destinado a preservar-se, que se economiza de um ponto de vista da saúde, mas também que não faz muito, levando em conta os salários pagos.

A vontade de promover uma organização do trabalho suscetível a funcionar independentemente dos estados de espírito, da boa ou má vontade dos operários, segundo os únicos critérios da eficácia e da rentabilidade desejados pelo empregador, foi, portanto, o verdadeiro motor do taylorismo.

A base fundamental do método iniciado por Taylor é a de que todo saber é poder, razão pela qual é preciso transferir o saber das oficinas (nas quais os operários possuem-no, colocam-no em prática e o aperfeiçoam) aos escritórios, onde os engenheiros, formados nas melhores escolas, utilizá-lo-ão para definir uma organização do trabalho que faça voar em pedaços os ofícios e os transformem numa série de tarefas elementares, acompanhadas de normas. O princípio da base desta organização taylorista corresponde, pois, a despojar os operários de seus saberes, conhecimentos, experiências, para submetê-los a formas operativas e prazos estabelecidos, decididos por fora deles e segundo os únicos objetivos da rentabilidade. Os operários serão, a partir daí, executantes submetidos estritamente aos métodos de trabalho impostos pelos escritórios de métodos e tempos. A subordinação fica, assim, quase institucionalizada. Assegura-se a dominação do empregador que paga, inscrita desde então na própria definição das tarefas e incorporada na organização do trabalho.

A organização do trabalho, assim “racionalizada” e validada pela “ciência” (posta em prática pelos engenheiros), pode (enquanto resulta de uma ofensiva violenta contra os operários) ser apresentada como o resultado de um processo progressista, tanto a nível técnico como social e político. Esta é a conquista alcançada por Taylor (seguido pelos que farão a promoção da organização científica do trabalho). Ele consegue impor a ideia de que este novo modelo opera uma democratização do trabalho operário, colocando-o ao alcance de todos (já que não é mais necessário ter um ofício ou saberes particulares), serve aos interesses superiores da nação americana (permitindo ganhos de produtividade espetaculares que reforçam o mercado econômico) e aos interesses dos operários, cujos salários aumentarão em proporção aos ganhos de produtividade. Em resumo, aquele que inventou e difundiu um modelo de organização que despossui os operários do recurso constitutivo de seus saberes, seu ofício e sua experiência, que os faz completamente dependentes, conseguiu apresentar este modelo como fair, isto é, justo, equitativo e honesto, definitivamente benéfico para todos.

Nessa perspectiva, situa-se igualmente Henry Ford, que concretizará de forma ainda mais espetacular a subordinação dos operários ao introduzir linhas de montagem que reforçam a parcelização taylorista nas tarefas da dominação suplementar, assegurando um ritmo mecânico impulsionado. Ele também compreendeu a importância da ideologia e, por isso, da comunicação. Comprou um jornal, o Dearborne Independent, e o dedicou à difusão de suas ideias sobre a organização da empresa e do trabalho que colocou em marcha. Obteve um êxito real, até um ponto em que quase ganhou o Prêmio Nobel da Paz antes da Segunda Guerra Mundial.

Esses aspectos contribuem para explicar o êxito histórico e planetário que conheceu tal modo de organização do trabalho. Despossuindo os operários de seus ofícios e de todos os meios que lhes permitem influenciar seu trabalho, permitiu ganhos espetaculares de produtividade. Além disso, conseguiu mascarar esta violência por uma ideologia que o apresentava como justa e benéfica para todos.

De fato, encontrou uma solução ao principal problema do patronato, isto é, a obsessão que o domina de controlar a mão-de-obra que recruta e emprega para obter o máximo de rentabilidade. É fundamentalmente a desconfiança com relação aos operários e o medo de não conseguir impor-lhes a autoridade que empurram os empregadores a modelar as organizações do trabalho num sentido que dificilmente deixa margens de manobra a estes operários.

Tal modelo foi posto em questão socialmente em fins dos anos 1960 em vários países do mundo ocidental e, mais particularmente, na França, onde houve, em maio de 1968, três semanas de greve geral com ocupação de empresas (VIGNA, 2007). Foi igualmente fragilizado pela mundialização e pela globalização, a exacerbação da competição, a difusão das novas tecnologia da informação e da comunicação, e o auge do setor terciário, que trazem situações de trabalho mais dificilmente programáveis. Daí a necessidade de inventar outro modelo tecnicamente mais em conexão com a evolução e socialmente mais legítimo.

Se a planificação estrita dos gestos e métodos de trabalho é colocada em questão, se os métodos tayloristas e fordistas de dominação que passaram por suas provas já não podem ser um modelo, como garantir a efetividade e a aceitabilidade da subordinação?

2) A emergência de um novo modelo: entre inovações e renovações

Foi necessário, em primeiro lugar, preservar a relação de forças: as direções das empresas foram rapidamente convencidas dos perigos de uma situação em que, em razão da gestão coletiva dos assalariados, estes tentaram massivamente fazer valer seus interesses e valores.

2.1) A entrada em cena da individualização sistemática da gestão dos assalariados e da organização de seu trabalho

A individualização está no coração do novo modelo de gestão. Posto em prática a partir de meados dos anos 1970, ela representa uma resposta às reivindicações dos assalariados que, no curso da mais longa greve do século XX, reivindicaram mais dignidade, autonomia, liberdade e reconhecimento no trabalho. Tinha esta vantagem, do ponto de vista patronal que a introduziu, de inverter uma relação de forças que se tornara demasiadamente desfavorável. Esta individualização – que passa por horários variáveis, a individualização dos bônus, depois dos salários, e culmina com a personalização dos objetivos e das avaliações, da formação e das carreiras – contribuiu amplamente, ao introduzir a competição sistemática entre os assalariados, a desestabilizar e inclusive eliminar os coletivos de trabalho (LINHART, 2009).

Mas estes (coletivos informais, clandestinos, não inscritos nos organogramas e constituídos por assalariados, confrontados ao longo do tempo com as mesmas condições de trabalho, remuneração e “carreira”) desempenham um papel não desprezável na regulação do que é penoso no trabalho. Jogam um papel importante na gestão das dificuldades, da complexidade e também do estresse ligados ao trabalho. O elemento mais decisivo desta gestão reside na capacidade de tais coletivos conquistarem a autonomia, de produzir sentido, gerando sinergias da capacidade de cada um, suas competências, suas qualidades, ao redor dos valores compartilhados em ligação com o sentimento de um destino comum da empresa. Compartilhando os conhecimentos, as práticas próprias a sua atividade, estes coletivos funcionam como um apoio profissional (praticam habitualmente a ajuda mútua), mas também afetivo e psíquico, já que permitem minimizar a inquietação diante do desconhecido. Contribuem a uma certa serenidade no trabalho, ajudando uns e outros a enfrentar as constrições de diferentes naturezas inscritas em toda atividade profissional. Também inscrevem o trabalho no marco de uma relação de forças, no coração das questões políticas. Dão também um sentido ao sofrimento, colocando-o em relação à cobiça do patrão que “sempre quer mais”. Os coletivos desempenham, com efeito, um papel essencial ao decifrar o que é penoso, os sofrimentos sentidos no trabalho. A questão essencial não é tanto quem sofre e como, senão de onde provém este sofrimento e qual sua causa. Para os coletivos, o sofrimento não deve ser relacionado aos desmaios, às insuficiências, às fragilidades pessoais, à falta de adaptação, mas com as modalidades de organização do trabalho ligadas a um contexto econômico e político particular.

Para os sindicalistas, tem sido difícil lutar por tal questão dos coletivos, uma vez que o discurso gerencial pretendia satisfazer as aspirações profundas dos assalariados. A personalização do trabalho apresentava-se como o único meio de levar em consideração e reconhecer os méritos, as competências e a qualidade do compromisso de cada um, o único meio de introduzir mais liberdade no trabalho.

No entanto, está fora de questão que a personalização, a individualização e mesmo as margens de autonomia concedida tenham conduzido a uma perda de controle da gerência sobre os assalariados.

2.2) Os assalariados, garantidores de uma segunda vida do taylorismo

Na verdade, o desafio para a gerência apresenta-se de forma nova. É necessário que cada assalariado aceite transformar-se numa pequena oficina de tempos e métodos para aplicar-se a si mesmo, permanentemente, os princípios de economia de custos e tempo e isto em função de situações que variam em razão da natureza mesma do trabalho. A continuidade com o taylorismo reside, assim, nos princípios, mas as condições em que estes são postos em prática são diferentes. Daqui em diante, cada assalariado é responsável pela organização de seu trabalho – esta lhe é de alguma forma subcontratada. Mas é preciso que esta responsabilidade seja assumida apoiando-se estritamente nos critérios, métodos, nas formas de fazer e nos objetivos definidos por sua direção e sua hierarquia, em função dos meios que serão postos a sua disposição sem que possa influenciar em como serão colocados em prática.

Pede-se, portanto, saber adaptar-se, compreender o que se espera dele, estar disponível, sempre leal e completamente comprometido com seu trabalho e vigiar para fazer uso de si mesmo da forma mais apropriada do ponto de vista de sua gestão. Os novos métodos praticados pelas empresas industriais e terciárias (lean1 production, lean management, que consistem em diminuir tudo: os efetivos, orçamentos, prazos, erros, estoques, etc.), não se baseiam em uma lógica inovadora, senão numa aplicação estrita e exacerbada dos princípios tayloristas. Os assalariados têm, assim, que mobilizar-se nos limites muito estreitos definidos pelas ferramentas modernas de gestão, que permitem por outra parte um controle de uma eficácia inigualada. Eles têm que desdobrar seus esforços de forma relativamente autônoma num universo extremamente codificado que deve guiá-los em conformidade com a única racionalidade de seu empregador. Mede-se até que ponto este novo modelo de princípios antigos baseia-se numa contribuição subjetiva ativa dos assalariados.

Para conseguir que aceitem e desempenhem este jogo com toda lealdade no marco das margens de autonomia concedidas, é necessário seduzi-los, convencê-los, fazê-los aderir. Tal será o objetivo de uma fase participativa orquestrada nos anos 1980 através de todo tipo de círculos de intercâmbio, de grupos ad hoc, de grandes reuniões, nas quais é preciso criar ex nihilo uma cultura de empresa, um espírito de comunidade sob medida da empresa: depois, uma fase de produção de valores morais (com a promulgação de cartas éticas, códigos deontológicos, regras de vida destinadas a definir o assalariado virtuoso, aquele que tem lugar na empresa); por fim, uma fase com uma solicitação mais narcisista (GAULEJAC, 2005), que convida os assalariados a descobrir quem são verdadeiramente, o que desejam verdadeiramente, incitando-lhes a medir-se diante dos outros e aproximar-se de um ideal de si mesmo.

Este desafio permanentemente posto e esta redução da atividade profissional a um cumprimento narcisista tendem também a conduzir os assalariados a fazer um uso de si em função de objetivos, de critérios e de métodos impostos pela gerência: eles têm que mobilizar sua inteligência e sua criatividade para fazer o uso mais produtivo deles mesmos, segundo critérios ditados pelas direções, apoiando-se em dispositivos concebidos por fora deles e pensados contra sua “profissionalidade”. Esta lógica constitui uma fonte potencial de sofrimento e representa, sem nenhuma dúvida, um risco psicossocial muito real.

Os dispositivos participativos, éticos e de transação narcisista foram lançados para convencer, seduzir e arrancar o consentimento: estão também concebidos como testemunho da benevolência da gerência. Estão pensados para guiar os assalariados que têm que enfrentar um rumo difícil e o trabalho forçado, exigente e intensivo que se lhes pede.

As direções de recursos humanos, às vezes rebatizadas com benevolência e felicidade como Chief Happiness Officers, estão aí também para acompanhá-los e tentar ao máximo solucionar todos os problemas que possam apresentar-se em sua vida privada e doméstica. Estes profissionais de gerência propõem serviços de concièrge, massagens, sessões de meditação, coachs, linhas telefônicas de aconselhamento a pessoas com problemas psicológicos, conselhos para manter-se em boa saúde: estão aí para ajudar os assalariados a ir ao trabalho com o espírito livre e relaxado, em boa forma, a fim de que se entreguem completamente a suas tarefas, em um estado de espírito positivo. A empresa Orange, por exemplo, considera daí em diante que “cada assalariado é único” e que é necessário tratar-lhe como tal.

2.3) A negação moderna da “profissionalidade”2 dos assalariados

Não se trata, entretanto, do ponto de vista da moderna gestão, de remeter-se unicamente aos esforços lançados para realizar uma metamorfose identitária. Há que se encontrar os recursos que assegurem que todos os assalariados, qualquer que seja seu grau de adesão ou de resistência, estejam hic et nunc obrigados a trabalhar segundo os critérios e métodos desejados e não possam impor seu ponto de vista profissional sobre a forma de trabalhar.

Emerge então uma forma de trabalhar calcada sobre a de Taylor, já que consiste em despojar os assalariados de seus saberes, dos conhecimentos ligados a seu ofício e de sua experiência, que poderiam constituir recursos individuais e coletivos que legitimariam a afirmação de outro ponto de vista de seu trabalho.

Esta estratégia toma a forma de uma política de mudança permanente (apresentada como uma necessidade num mundo em que tudo muda o tempo todo e como prova da capacidade da gerência de fazer frente ao auge da incerteza). Reestruturam-se, assim, sem cessar, os departamentos e os serviços, recompõem-se sem cessar os ofícios, externalizam-se e depois se reinternalizan as funções, renovam-se explosivamente os softwares, desmantelam-se com forte frequência as equipes, instaura-se uma mobilidade sistemática, especialmente da hierarquia próxima; em breve, procede-se a recomposições incessantes que transformam as estruturas, o funcionamento das empresas, que alteram o conteúdo e o meio do trabalho.

Nessa tormenta, os assalariados veem desequilibrar-se todas suas referências e uma parte de seus conhecimentos e de suas experiências tronarem-se obsoletos. Eles vivem um processo de ser colocados na incompetência. Esta estratégia da mudança sistemática produz a incompetência profissional, já que falta a distância, a experiência para assentar um controle sobre o trabalho. Os assalariados são reduzidos a uma categoria de aprendizes permanentes. A isto é atribuída a garantia da subordinação, já que um aprendiz deve aceitar dar mostras para ser aceito. Deve provar sua boa vontade e, sobretudo, não entrar numa lógica de contestação se quer ser efetivado em seu emprego.

Quando tudo muda o tempo todo, os assalariados não podem já sentir-se em casa em seu trabalho, em sua empresa, entre seus colegas. Torna-se cada vez mais difícil controlar seu meio de trabalho e, ainda mais grave, seu próprio trabalho. É sua experiência que fica invalidada, suas competições e seus saberes são desestabilizados. Tudo o que constroem para domesticar as obrigações e dificuldades de suas missões derruba-se regularmente ao ritmo sustentado das reformas e transformações. Seu meio torna-se hostil. Eles têm que adaptar-se permanentemente, descobrir as modalidades necessárias para dominar sua atividade: saber quem pode ser uma “pessoa-recurso”, que relações podem ser estabelecidas com os diferentes serviços ou interlocutores, onde encontrar as informações pertinentes, como se confortar diante de uma decisão. Eles têm que reinventar as rotinas que permitem ganhar tempo e dedicar-se, assim, mais facilmente aos incidentes, aos imprevistos em um contexto mais complexo e mais incerto. Com esta política de reformas sistemáticas, os assalariados estão em situação permanente de desaprendizagem, como analisa tão bem Jean-Luc Metzger (1999), uma situação que pode conduzir-lhes a um verdadeiro esgotamento profissional (o famoso burn out).

Perdidos na tormenta dessas múltiplas perturbações, desorientados e fatigados, com falta de informações e de formação, tudo lhes pressiona a mendigar ajudas técnicas, procedimentos, soluções padronizadas.

Assiste-se a um inquietante paradoxo pelo qual, no momento em que se pede cada vez mais aos assalariados (excelência, compromisso total e que assumam riscos), diante de um trabalho cada vez mais complexo, eles são submergidos artificialmente a um estado de incompetência, que gera apreensão e angústia.

Estas práticas de desestabilização são orientadas para acelerar a renúncia dos assalariados a seus valores profissionais e seu ajuste àqueles propostos pela organização oficial. A desestabilização dos assalariados compreende-se tanto melhor quando ela é analisada como um ataque organizado aos recursos de que eles dispõem para afirmar-se em seu trabalho e impor um ponto de vista, e especialmente à experiência que acumulam ao longo do tempo. Esta experiência é recusada sob três registros: o ofício (que é uma espécie de experiência coletiva coagulada e validada); a estabilidade na função que permite acumular os conhecimentos necessários para enfrentar as situações de trabalho; e as redes socioprofissionais na empresa que permitem fazer emergir as pessoas recursos.

Assiste-se em linha direta dos princípios tayloristas a uma desestabilização dos saberes em benefício das “competências”, cuja capacidade de adaptação se converte num elemento primordial. Todos os discursos gerenciais e, especialmente os do MEDEF3, insistem na importância crucial dos savoir-être, da capacidade de adaptação, das aptidões, o que se chama competência. Para inserir-se rapidamente num meio que muda sem cessar, os diplomas, as qualificações e os ofícios já não oferecem a garantia da adaptabilidade requerida nesta ótica: tanto o ofício como a experiência podem ser vistos como freios à adaptação, pontos de apoio possíveis para as atitudes consideradas como rígidas, fixas e contrárias às necessidades de fluidez e de renovação. Os assalariados já não devem contar com este tipo de recursos; devem aceitar a renúncia aos mesmos e retornar sem cessar à estaca zero.

Despojar o assalariado de sua experiência profissional não é somente retirar-lhe a base de apoio da qual necessita para não se ver ultrapassado por seu trabalho, para sentir-se à altura dele, preparado para realizá-lo e com direito de fazer valer seu ponto de vista. É também tirar uma parte de sua identidade, a que se constituiu ao redor de sua experiência e graças a ela. Mudar de trabalho sem cessar é também afetar a constância da identidade dos assalariados.

De alguma forma, exige-se deles que sejam conscienciosos, mas sem consciência…

Por um lado, a gerência enfraquece, precariza subjetivamente os assalariados, fazendo menos cômodo e menos seguro o exercício de seu trabalho, por outro, oferece o suporte de ferramentas orientadas a aportar soluções e recursos. Em resumo, como observa Emmanuel Diet (2012), estão obrigados a confiar em quem lhes nega e desqualifica, isto é, a estes dispositivos de gestão que veiculam valores contrários aos seus e, pior ainda, a valores que ofendem sua dignidade, sua moral, sua “profissionalidade”. Devem ser ativos para colocar em marcha a destruição de uma parte importante deles mesmos.

A desestabilização crônica tem por objetivo obrigar os assalariados a colocar em prática as ferramentas de gestão escolhidas por seus diretores, ferramentas que “trazem consigo regras tácitas de ordem organizacional” e que combinam “as virtudes instrumentais da ferramenta e os ativos persuasivos, pedagógicos, micropolíticos” (BOUSSARD; MAUGERI, 2003). Tais ferramentas estão orientadas a colocar os assalariados num molde e a fazer-lhes criar reflexos adaptados aos objetivos.

A modernização gerencial, que se pretende portadora da humanização do trabalho, que afirma sua ruptura com o taylorismo, inventou uma nova forma de incorporação ao trabalho que inclui muitos aspectos inquietantes. A lógica taylorista não desapareceu, mas foi repensada e metamorfoseada. Está, no futuro, destinada a incorporar-se nas ferramentas postas à disposição dos assalariados, que devem mobilizar-se de forma apropriada em função de situações flutuantes, mesmo quando estas sejam contrárias a seus valores de ofício e profissionais. As avaliações por meio de entrevistas individuais com o superior hierárquico baseadas em objetivos e modalidades de trabalho que lhes foram fixadas são cada vez menos avaliações profissionais, mas sim de homens e mulheres que se verão confrontados, na verdade, não a uma avaliação de seu rendimento, senão de sua pessoa e de sua personalidade. E isto no marco de uma comparação com os outros. Pode-se apreciar a amplitude dos efeitos produzidos.

A precarização subjetiva não é apenas o medo de ver-se conduzido um dia à falta profissional que possa fazê-lo perder seu emprego, mas também a colocação de si mesmo em perigo por um atentado ao sentimento de seu valor, de sua dignidade, de sua legitimidade.

A estratégia da mudança permanente tende precisamente a criar as condições que incitarão os assalariados a voltar-se a tais dispositivos como se fossem verdadeiramente boias de salvamento. Em nenhum momento se prevê debater a questão de sua pertinência, isto é da pertinência dos critérios que veiculam. No entanto, estes estão longe de ser – como são apresentados – neutros, objetivos e universais: estão presentes para determinar os atos profissionais em função de alguns objetivos precisos de rentabilidade, que vão definir os critérios de qualidade do trabalho esperado.

A “cifromania”4 e a “quantofrenia”5, destinadas a validar os procedimentos modernos de gestão pela objetividade que as cifras presumidamente veiculam, mascaram (como no tempo de Taylor e de sua ciência universal e imparcial) a vontade de constranger e de controlar os comportamentos segundo orientações que podem ser muito questionáveis. Bruno e Didier (2013) demonstram, por exemplo, em seu livro sobre o benchmarking que aceitar as cifras e as quantificações da gerência supõe inscrever-se de entrada numa definição partidária da qualidade esperada do trabalho, de sua finalidade e de seu sentido – a da gerência que pretende atuar em nome do interesse de todos.

A proeza desta estratégia é a de conseguir transformar os assalariados que mantêm uma situação de emprego estável (os funcionários e os assalariados com contrato de duração definida) em trabalhadores que vivem como precários e submetê-los, assim, sem limites à subordinação que está no coração da relação salarial.

3) Acabar com a subordinação

Os assalariados, enquanto são crescentemente terceirizados e com cada vez menos gerentes, estarão sempre condenados à subordinação? Está cada vez mais em voga a ideia de que, para escapar à subordinação, a única solução é a de sair da classe assalariada. O êxito do estatuto de autoempreendedor ilustraria esta tendência de um número crescente de trabalhadores de querer escapar da classe assalariada.

A uberização que introduz uma relação de trabalho distante entre os que comandam o trabalho e os trabalhadores através de plataformas numéricas baseadas na ausência de subordinação para escapar das obrigações legais que acompanham a esta subordinação. Os trabalhadores regidos por esta lógica mostram sua liberdade, sua independência, a possibilidade de decidir seus horários e seu tempo de trabalho.

Aparecem também os slashers, que acumulam vários empregos deste tipo, longas durações de trabalho e clamam pelo prazer da liberdade conquistada.

Há um risco de que este setor se desenvolva: numerosos assalariados se excluem da classe assalariada e são incitados por seus antigos empregadores a recorrer a estes novos estatutos.

Tal ausência de subordinação tem um custo real para os trabalhadores: menores garantias e remuneração mais baixa para um trabalho frequentemente de maior duração que a legal.

Entretanto, tudo ocorre como se o porvir correspondesse àqueles valentes que tenham gosto pela aventura e o espírito de independência, que agarrem o destino em suas mãos e se empreguem por conta própria. Os outros, os que seguem preguiçosamente atados à classe assalariada, tornam-se ainda mais desvalorizados. Já arrastam um pesado passado com a estigmatização iniciada nos anos 1980. Seriam preguiçosos, mais inclinados a defender suas garantias que a dedicar-se a seu trabalho. Em 1984, o programa “Vive la crise”, na Antenne 2, colocava em cena Yves Montard, que exortava nossos concidadãos a apertar os cintos, a tomar consciência de que a crise impunha esforços e sacrifícios, enquanto na França havia uma tendência a andarmos calmos. Foram dados numerosos alertas pelos responsáveis políticos sobre o pretenso mal informe de como seriam os franceses no trabalho. O primeiro-ministro Raffarin afirmava, no verão de 2003, de Quebec, que era necessário colocar os franceses para trabalhar, que era necessário deixar de considerar a França um país do ócio. Durante sua campanha à presidência, Nicolas Sarkozy exaltava, por sua vez, “a França que madruga”, lançando seu slogan “trabalhar mais para ganhar mais” e propondo reabilitar o valor do trabalho. As 35 horas da lei Aubry haviam convencido já a uma parte da opinião pública de que, na França, éramos preguiçosos.

No entanto, na França, a produtividade por hora é uma das mais elevadas do mundo e as pesquisas mostram que o trabalho representa um valor prioritário (DAVOINE; MEDA, 2013).

Sobre uma falsa imagem do engajamento dos franceses em seu trabalho, elaborou-se como que uma naturalização da subordinação, que não deveria ser questionada. Ela seria a contrapartida normal, lógica, necessária, das “vantagens” que a classe assalariada procura e ainda mais indispensável já que os assalariados franceses (mais preguiçosos e mais inclinados a trabalhar segundo seu estado de espírito) devem ser controlados. Ser parte da classe assalariada implicaria aceitar as regras do jogo, das quais a subordinação é parte, tanto mais quando existem outras possibilidades com os novos estatutos.

É hora de abrir um verdadeiro debate sobre essa dimensão coercitiva da subordinação por várias razões. Em primeiro lugar, pelo mal-estar dos assalariados. A gestão empresarial moderna produz o burn out, sofrimento no trabalho, suicídios, vícios a substâncias ilegais e ao álcool. Isso não é uma fatalidade, senão um desprendimento de orientações muito particulares do novo modelo de gestão gerencial que multiplica os constrangimentos paradoxais por uma desconfiança a priori contra os assalariados. A segunda razão é que o rendimento das empresas vê-se afetado por esta lógica de subordinação que amordaça a inteligência dos assalariados, desqualifica sua “profissionalidade” e os precariza. Assalariados constrangidos, sob permanente controle, sujeitos a procedimentos imperativos e fontes de problemas, como a avaliações pouco realistas, terão tendência a recolher-se, a jogar com a carta do conformismo em detrimento da criatividade, da inventividade e da reatividade. A terceira é que ela conduz ao desenvolvimento de um setor fora da classe assalariada no qual os trabalhadores têm que pagar muito caro pelo que, no fundo, é apenas uma falsa independência.

Artigo originalmente publicado em france.attac.org. Tradução de Thiago Aguiar.

Este artigo faz parte da edição de n. 7-8 da Revista Movimento. Para ler este e demais textos, compre a revista aqui!


Notas

1 Lean querendo dizer magro, sem gordura, alguns dizem anoréxico…

2 Professionnalité no original. As aspas indicam a tradução algo livre realizada. [Nota do tradutor].

3 Mouvement des Entreprises de France, organização patronal francesa. [Nota do tradutor].

4 Chiffromanie no original. [Nota do tradutor].

5 Quantophrénie no original. [Nota do tradutor].

Referências bibliográficas

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BRUNO I., DIDIER E. Benchmarking, L’État sous pression statistique. Paris: La Découverte, coll. Zones: 2013.

DAVOINE L., MEDA D., Quelle place le travail occupe dans la vie des Français par rapport aux Européens?. Informations Sociales, n° 153, p. 48-55, 2009.

DIET E. Changement, changement catastrophique et résistances. Connexions, n° 99, 2012.

GAULEJAC (de) V. La société malade de la gestion, Idéologie gestionnaire, pouvoir managérial et harcèlement social. Paris: Seuil, 2005.

LINHART D. Travailler sans les autres?. Paris: Seuil, coll. Hors normes, 2009.

__________. La comédie humaine du travail, De la déshumanisation taylorienne à la surhumanisation managériale. Toulouse: Erès, 2015.

METZGER J.-L. Entre utopie et résignation : la réforme permanente d’un service public. Paris: L’Harmattan, coll Logiques sociales, 2000.

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