A lição dos professores de São Paulo

João Doria não contava com a força de vontade das professoras e dos professores. A luta do funcionalismo paulistano mostrou que é possível vencer.

Bruno Magalhães 28 mar 2018, 15:41

A vitória dos professores e servidores de São Paulo contra o SampaPrev, projeto de reforma da previdência municipal do prefeito João Dória, é um marco na história do funcionalismo paulistano e demonstrou para trabalhadores de todo país que é possível vencer. A greve de 20 dias paralisou mais de 80% das escolas municipais, aproximou diversas outras categorias de servidores e conseguiu derrotar o governo do PSDB através da mobilização, da radicalidade e do apoio popular que fez pressão sobre os vereadores da cidade.

O Projeto de Lei 621/16, ou SampaPrev, era a proposta de retirada de direitos apresentada na surdina pelo ex-prefeito Fernando Haddad em dezembro de 2016, dias antes do fim do mandato, e que teve tramitação na gestão Dória. O projeto propunha o aumento na contribuição previdenciária para até 19% na folha de pagamento dos servidores e reduzia o teto de rendimentos da aposentadoria, na prática confiscando parte do salário desses trabalhadores. Com uma grande base aliada na Câmara e um projeto apresentado inicialmente pelo PT, o prefeito acreditava estar em um cenário propício para realizar esse ataque aos servidores.

Pré-candidato do PSDB ao governo do estado, João Dória construiu sua recente carreira política através de farsas e blefes. Aproveitando o desgaste da gestão Haddad, Dória se apresentou como um gestor bem sucedido e foi eleito no primeiro turno com uma série de promessas vazias. Animado com a vitória eleitoral, se arriscou a disputar a indicação do PSDB à presidência da República contra o próprio Alckmin, seu padrinho político, e só recuou devido à péssima repercussão da proposta de sua gestão para servir a chamada “ração humana” nas escolas municipais e albergues. Após esse fato, o prefeito foi obrigado a recompor com Alckmin e aceitou a indicação ao governo estadual.

O plano de Dória era simples: aprovar o SampaPrev e sair da prefeitura, utilizando-se esse projeto como exemplo de uma Reforma da Previdência bem sucedida e se qualificando politicamente perante a elite do país enquanto o governo Temer não consegue aprovar essa reforma em âmbito nacional. Como governador, levaria esses ataques ao funcionalismo estadual e estaria gabaritado como uma alternativa política dos ricos, mesmo sofrendo resistências dentro do PSDB e de outros partidos aliados de Alckmin, como no caso do vice-governador e também candidato Márcio França (PSB).

Mas ele não contava com a força de vontade das professoras e dos professores. A indignação dos funcionários públicos contra essa forma picareta de fazer política se concretizou na luta contra o SampaPrev, paralizando as escolas e levando dezenas de milhares de educadores às imensas manifestações no centro da cidade. As semanas foram de enfrentamentos e lutas – organizando comandos de greve, construindo atos regionais e pressionando os mandatos– e levaram à mobilização de 100 mil servidores cercando os vereadores no dia da derrota do projeto. A esperança na vitória foi maior que o medo e as perseguições da prefeitura, e as categorias municipais unidas deram uma resposta contundente não só à Dória, mas aos políticos em geral.

Essa foi uma das greves mais politizadas dos últimos anos e a luta contra o SampaPrev superou seu próprio conteúdo, se transformando em uma luta em defesa da própria cidade de São Paulo e de seus serviços públicos. Contra um prefeito que governa através de mentiras e de jogadas de marketing, o magistério e as outras categorias municipais levantaram os anseios da população e desmoralizam aqueles que querem vender a cidade, fazendo uma mobilização justa e obrigando o governo a recuar . A violência da polícia e da guarda não amedrontou os servidores, e junto às tentativas de esconder negociações e impedir acesso aos debates serviram de combustível que fez aumentar a indignação das categorias e da população em geral.

Essa greve derrotou a lógica da negociação e do “menos pior”, e dessa vez a palavra de ordem “não tem arrego” foi símbolo da tenacidade e da radicalidade das trabalhadoras e trabalhadores. As diversas tentativas de alteração do projeto, feitas tanto por setores do governo como da oposição, foram rechaçadas por uma categoria que não aceitaria nada menos que a retirada da proposta. Vereadores de quase todos os partidos foram vaiados quando propuseram negociações com a prefeitura e sentiram na pele os anseios e a força do movimento.

Esse caráter político da greve esteve presente desde seu início e foi parte de sua força. Iniciada em um 8 de março, a mobilização deu inúmeras demonstrações maiores que a pauta do SampaPrev, marcadamente na marcha das professoras e professores em direção ao ato em mémoria da companheira Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada no Rio durante o período da greve. Em um momento onde os reacionários se organizam através de figuras como Bolsonaro, a amplitude da mobilização dos professores contra a política representada por Dória demonstrou para grande parte da população paulistana que outros caminhos são possíveis.

Além de derrotar Dória e o PSDB, essa luta derrotou também os hipócritas e os oportunistas. O presidente do principal sindicato e vereador da base aliada de Dória (Claudio Fonseca/PPS) tentou negociar mais foi impedido pela radicalidade da categoria e dessa vez não conseguiu um acordo que o deixasse em boa posição junto ao prefeito. O PT, que havia proposto o SampaPrev na gestão anterior, à exceção de Suplicy teve uma atuação protocolar, e percebeu que os servidores não aceitam retiradas de direitos independente de onde venham. Todos que se colocaram contra as mobilizações foram derrotados junto com Dória, e nesse sentido o destaque político positivo foi o PSOL, que através da vereadora Sâmia Bomfim e do vereador Toninho Vespoli estiveram a todo momento em defesa dos servidores.

A vitória foi conquistada por uma categoria que percebeu sua força. Nas manifestações de rua e nas escolas os professores convenceram grande parte da população e receberam todo tipo de solidariedade. Marcada pela entrada de uma nova geração que esteve nas manifestações das Jornadas de Junho de 2013, a categoria assumiu uma postura de radicalidade desde o princípio e conectou as pautas econômicas da greve com questões políticas gerais em uma dinâmica que foi essencial para o recuo de Dória. A luta contra o confisco salarial transformou-se numa luta em pelos serviços públicos e contra o próprio Dória, e o “Fora Dória” foi das frases mais ouvidas nos dias de luta.

Os professores e outros servidores municipais voltam para as escolas e locais de trabalho de cabeça erguida, cientes do dever cumprido e da força de suas categorias. O projeto pode ser reapresentado daqui a 120 dias, portanto é importante manter a mobilização, mas devido à proximidade do período eleitoral ele terá ainda mais dificuldades em ser aprovado. A dignidade e a confiança de todos dos funcionários municipais se fortalecem assim como diversas outras lutas, e todas as categorias municipais saem fortalecidas para enfrentar os futuros ataques e os assédios cotidianos. Agora temos mais um grande exemplo de que é possível vencer.

Parabéns às professoras e professores pela luta! Não tem arrego!


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