Sobre partido, movimento e as disputas de fora para dentro

Tássia Lopes reflete sobre a relação entre partido e movimento e defende resistir à pressão exercida por Lula sobre o PSOL e sua candidatura.

Tássia Lopes 4 mar 2018, 16:38

É imprescindível que o partido se enraíze nos movimentos sociais. Vide nossa participação em Junho de 2013 e sendo entusiastas de seus frutos: greves e mais inserção sindical, apoio às ocupações do MTST, prestando solidariedade e atuando contra o massacre da população indígena e etc.

Assim como temos muito a acumular com os movimentos, com as pautas, debates, com método de ser parte das lutas sociais e, assim sendo, não sermos um partido que tem como foco apenas a atividade parlamentar (que é essencial para o nosso crescimento, mas também deve estar conectada à luta da população), o contrário também é necessário.

Partido, mesmo o nosso que acertadamente possui várias tendências, é programa e princípios. Não tenho absolutamente nada contra uma chapa encabeçada por Boulos e Sônia. O MTST ainda que seja um movimento antigo, foi referência de lutadores e lutadoras pós Junho de 2013 a partir da luta concreta da moradia. Com radicalismo e com o método de ocupação. Muito atuamos junto em Junho, na copa e nas cidades. Assim como Guajajara que carrega todo o simbolismo da muito necessária luta indígena, anti latifúndio e agronegócio, ecossocialista e há muito constrói o PSOL.

Mas esse texto vem como crítica ao método e a política apresentada pela US e pelo Boulos. Primeiramente, temos muito caminho andado enquanto PSOL, de afinamento entre as correntes entre disputas e convergências e acúmulo sobre estratégias eleitorais e como a burguesia assim como o lulismo atuam sobre o nosso partido. O PSOL foi fundado a partir da primeira traição do PT: a reforma da previdência. E seguiu atuando contra as traições do lulismo. A qual, a principal, foi ser um governo onde freava a luta de classes. Quantas greves de servidores federais foram boicotadas pelos seus governos? Quantas lutas contra as obras do PAC, como a greve de Jirau que foi boicotada pela CUT, assim como a resistência dos povos do rio Xingú contra Belo Monte? Se hoje o sindicalismo encontra problema de organização muito se explica pela postura do Lula de “deixa o homem trabalhar”, fazendo da CUT um bastião de defesa cega ao modelo por ele implementado onde nunca na história desse país os banqueiros ganharam tanto (a partir do endividamento das famílias brasileiras). E hoje vemos nossa luta contra o Temer desmoralizada, não pelos lutadores e lutadoras que ocuparam ruas, escolas, universidades e, principalmente, aqueles e aquelas grevistas que resistiram bravamente, mas sim por uma cúpula dirigida por Lula que abandonou a luta pela queda do Temer e seus ajustes, para um movimento de desgaste para ganhar as eleições de 2018. Lula nada fez contra os poderosos e nada fez para empoderar a população, foi um verdadeiro freio para a luta de classes no Brasil. Também, estendendo esse projeto burocrático na América Latina.

Se, hoje, nesse momento de desemprego, austeridade e falta de esperança da população, vemos a extrema direita ganhar força no Brasil, esse crescimento se explica pela traição e perda de hegemonia do petismo enquanto projeto coletivo. Não existe espaço vazio na política, o próprio EUA nos mostrou isso ao eleger Trump e, também, dos democratas: o fenômeno Sanders ainda que fora derrotado nas prévias e o mais do mesmo da Hillary Clinton derrotada nas urnas.

O espaço dos extremos está bem de baixo do nosso nariz. E o melhor exemplo que temos disso, do crescimento do PSOL, referência das massas e vanguarda no programa foi o Rio de Janeiro onde Freixo deu uma aula sobre a capacidade do PSOL, em conectar a cidade de inúmeras lutas com o partido. Deu uma aula ao negar Lula em seu palanque, e se tivesse feito o oposto certamente seu desempenho seria menor – e, com isso, deu o maior orgulho em sermos chamados de frescos por Lula que não aceitou sua negativa. No estado onde o PT foi derrotado (ou melhor, vendido à ala mais corrupta do PMDB) como um projeto é o terreno mais fértil ao PSOL.

Em 2012, estávamos no segundo turno em Belém do Pará com nosso camarada Edmilson, uma campanha que infelizmente, ao ter uma postura diferente colocando Lula em seu programa eleitoral acabou sendo derrotado. Ainda sobre a política da US, de anular nosso perfil, não podemos esquecer do Amapá onde prefeito e senador saíram do PSOL (e que estranhamente eles atuam para levar filiados para plenárias!!!) um PSOL de muitos filiados e pouca atuação partidária. Isso se trata do acúmulo que temos sobre o que não ganhamos com a população estando ao lado do Lula e abandonando o perfil do PSOL.

Estamos num momento de refluxo e confusão. Temos que, enquanto partido ser entusiastas e parte dos movimentos, porém com firmeza programática, isto de longe é isolamento. O PT ainda que no seu fim de ciclo tenta dar a narrativa das lutas, na época do impeachment por exemplo, quantas pessoas não vimos exaltar os governos petistas? Ser contra o impeachment é uma coisa, exaltar um outro projeto é completamente diferente. Achar que Lula não ser candidato é uma fraude é uma coisa, exaltar seu programa, seu simbolismo e seus governos é completamente diferente. E é aí que se atua um partido.

Um partido com programa dialoga e constrói a resistência com movimentos e também faz a disputa de narrativa e atua para ganhar para um programa. Assim como os partidos da ordem fizeram pressão de fora sobre o PSOL do Amapá, o Lula também está pressionando de fora o PSOL e temos de ter firmeza. Depois de anos de construção partidária sendo oposição de esquerda ao PT, após Junho, e estando no fim de ciclo petista é absurdo que o Lula tenha espaço em um lançamento de candidatura. É absurdo que a nossa candidatura se resume em simbolismo e não em programa. É absurdo que o PSOL enquanto conjunto não seja direção da sua própria candidatura! Quero, e muito, que cada vez mais o PSOL tenha referências entre as massas. Mas a referência deve ser parte de um programa comum do partido e parte da construção de um partido ferramenta de organização e resistência coletiva, unificando setores e movimentos sociais. Não devemos ser só parte, temos que ser o todo. Se o Brasil está em crise do capitalismo, ser anticapitalista, absolutamente, não é estar próximo do PT.


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