França sob Macron: unidade entre estudantes e trabalhadores assusta os poderosos
Contra os que lutam, Macron responde com a brutalidade policial e vem atuando para desocupar militarmente as universidades.
Desde que foi eleito, Emmanuel Macron vêm reafirmando seu papel na administração da crise, jogando seu peso nas costas do povo e aumentando as condições de exploração dos de baixo em detrimento da salvação do poderio dos de cima. A Greve Interprofissional da última quinta (19/04) marcou um ciclo de lutas que se estende desde janeiro, quando a Reforma Trabalhista de Macron entrou em vigor. Há uma demonstração de força dos ferroviários (SNFC), que chegou a parar ⅔ das ferrovias do país, contra o projeto de desmonte do sistema ferroviário. Se destaca, também, o papel dos grevistas do setor elétrico e da Air France, além das outras dezenas de categorias que se estendem em greves.
A convergência de lutas, que reuniu cerca de 300 mil em mais de 150 pontos de mobilização em cidades como Paris, Toulouse e Marseille, uniu aos trabalhadores o movimento estudantil, que vem resistindo contra a lei ORE, um projeto que altera as regras de seleção nas universidades francesas. Assembleias estudantis lotadas têm sido organizadas e diversas universidades foram ocupadas pelos estudantes, dentre elas, uma das principais universidades da França, a Sorbonne, símbolo das revoltas de 1968. Outra importante universidade, a Universidade Paris 1, se postulou como um centro político importante durante a greve, onde o movimento estudantil centralizou grandes ações de apoio aos trabalhadores e contra a política de Macron de avançar as reformas e instituir uma forma elitista de seleção nas universidades públicas francesas.
Contra os que lutam, Macron responde com a brutalidade policial e vem atuando para desocupar militarmente as universidades. No último dia 19, depois de uma demonstração violenta por parte da polícia dos inúmeros atos da Greve Geral ao redor da França, a CRS invadiu a ocupação da ‘Comuna Livre de Tolbiac’ (Paris 1) e a desocupou brutalmente. A ação da polícia em Tolbiac prendeu diversos ativistas e enviou 4 estudantes em estado grave para o hospital.
Macron, um júpiter fugaz
O cenário é marcado por uma crise orgânica dos regimes bastante expressa na descrença nos partidos tradicionais, envoltos em corrupção, e em uma polarização política. Macron é fruto disso. As últimas eleições na França foram inéditas. François Fillon (LR) e Benôit Hamon (PS), dos partidos mais tradicionais do país, ficaram de fora do segundo turno que elegeu o “independente centrista” Macron contra a candidata da extrema direita, Marine Le Pen. Esta crise se localiza no interior deste período de interregno, em que o velho está morrendo, mas ainda há falta de alternativas socialistas que consigam dar resposta de conjunto às necessidades da classe trabalhadora, que ainda enfrenta a fragmentação e as dificuldades objetivas e subjetivas da classe.
Macron foi eleito num momento de decomposição dos partidos tradicionais, com um resultado modesto no primeiro turno, entretanto, logrou em seguida uma maioria parlamentar arrasadora. Sua arrogância como expressão de um governos dos CEOs de grandes empresas e de renovação do “novo centro”, o autointitulou como um “júpiter”, ainda no ano de 2017, para demonstrar que era tinha uma força sobrenatural para impor seus planos de governo.
Em dois anos de governo, entretanto, provou ser um político importante a cargo de uma política econômica à direita e uma política social lenta e recuada. Ao mesmo tempo em que tenta postular a França como eixo geral da política europeia com a Alemanha, Macron age com bastante firmeza para avançar a contrarrevolução econômica. Depois da Reforma Trabalhista, corre contra o tempo para avançar na Reforma da Previdência e nos vários projetos de privatização, que embora resultem em um relativo crescimento econômico para a burguesia, aprofunda as condições de exploração da classe trabalhadora.
Sua trajetória jupiteriana, entretanto, vêm se desfazendo. Como característica da atual situação, o “partido da ordem” não consegue aplicar as reformas sem que haja resposta e reação dos de baixo. O continuum da greve dos ferroviários e da luta dos estudantes contra a reforma universitária, a greve que levou 500.000 às ruas no 22 de março e a Greve Interprofissional do último dia 19 de abril reforçam isso. E embora Macron se recuse a abrir mão do seu plano de reformas, a consciência da necessidade de resistência frente ao regime, convence uma saída pelas lutas. Assim como o movimento dos trabalhadores que reafirma a necessidade de uma jornada de lutas em convergência, as 33 universidades que estão mobilizadas reforçam a convocatória para um ciclo de lutas em unidade que se seguirá nos atos marcados para os dias 1ª, 3 e 5 de maio.
Da crise orgânica à resposta orgânica?
O tabuleiro francês define em muito o futuro imediato da luta de classes na Europa. Macron não apenas se posiciona como um eixo em prol do ajuste, buscando renovar o espaço político do grande patronato europeu, como busca ganhar terreno nas relações militares e geopolíticas.
O governo francês, sem qualquer consulta à Assembleia Nacional, foi parte com a Grã-Bretanha, da coalizão que sustentou os ataques imperialistas realizados por Trump contra a Síria. Na última segunda-feira (23 de abril) reuniu-se com o próprio Donald Trump na Casa Branca para tratar de assuntos comerciais e militares. Seu giro à direita, relacionando-se com mais peso com Trump e a direita republicana demonstra suas ambições.
Macron precisa jogar tudo para aprovar o plano de desmonte do sistema ferroviário. Uma vitória da linha dura estagnaria a crise de popularidade, dando “ordem unida” para avançar sobre o conjunto da Europa, num momento de tensão na vizinha região da Catalunha e de dificuldades do governo conservador de May no Reino Unido.
O pulso da situação francesa é decisivo para colocar em questão o estado de ânimo do ativismo. A crise dos regimes tem originado o crescimento de saídas bonapartistas e reacionárias. Uma parte da vanguarda ampliada se debate entre o tamanho do “avanço conservador”. E os dados que ilustram tais condições de debate são a escalada militarista, a ampliação eleitoral e social de fenômenos como Le Pen, UKIP e AFD na Alemanha, bem como o bonapartismo de Trump, Erdogan e outros governos. Contudo, a necessidade de maiores choques sociais e o aparecimento de alternativas por fora da antiga social-democracia ainda ilustram uma tendência contrária, que leva a uma maior polarização.
A irrupção de um forte movimento de massas contra Macron poderia e deveria ser um ponto de partida à uma resistência orgânica. E apesar da condição dura das lutas, a própria França começa a viver um outro clima, com a solidariedade com os imigrantes, a comoção causada pelo desalojo violento da luta ambiental no noroeste do país, a 30 quilómetros de Nantes, onde centenas de pessoas impediram a construção de um novo aeroporto, após dez anos ocupando, vivendo e cultivando na zona. Quase 3000 policiais atacaram a ZAD (« Zona A Defender »).
A combinação de entrada em cena dos estudantes junto aos combativos ferroviários, evocando a memória do cinquentenário de Maio seria um salto de qualidade.
50 anos do ano que não acabou: a luta continua!
O ano de 1968 foi, também, marcado por um forte ascenso das lutas na França. Representou a luta de uma geração contra o capitalismo e os ataques que a burguesia – ali representada pela mão dura do militar Charles de Gaulle – investia contra o povo. Em um momento de pleno desenvolvimento capitalista, enquanto a burguesia criava condições para aumentar seu poder, os despossuídos se viam cada vez mais excluídos do processo de distribuição das riquezas. Isso gerou um processo de radicalidade e ebulição social e foi marcado pelas centenas de ocupações nas fábricas por milhões de grevistas e pela tomada das ruas e universidades pela juventude.
A França nunca mais foi a mesma. A brecha rebelde da unidade entre os trabalhadores e os estudantes, aberta com maio de 1968 se estendeu para todo o mundo. Anos mais tarde, essa efervescência se transformaria em força de luta contra o plano de reformas do Primeiro Ministro Alain Juppé. Em 1995, dezenas de universidades foram paralisadas e setores importantes do funcionalismo público (como a SNFC dos ferroviários) e também do setor privado instauraram importantes mobilizações de rua e greves contra o plano de Juppé de acabar com a previdência e as aposentadorias.
Hoje, há alguns dias do maio em que se comemoram os 50 anos do grande Maio de 1968, as lutas da juventude e dos trabalhadores contra o regime novamente se convergem. Dão uma tônica de luta acirrada contra Macron e o regime político carcomido como um todo, como foi demonstrado nas grandes mobilizações contra Macron e Trump após o ataque combinado na Síria, que expressa a intensidade do caos geopolítico ao qual a crise dos regimes submete os povos.
Os ventos que pairam sobre a França neste momento, comprovam que o sentimento de Maio de 1968 não morreu e como em outros momentos da história, da calmaria entre a classe se passa à rebelião. Há uma tarefa que se coloca para o povo francês (mas também a todos os lutadores do mundo): neste período de forte ataque dos de cima, organizar os debaixo, tomar as fábricas, os postos de trabalho, as escolas, universidades, os sindicatos e frentes em defesa de um projeto de transformação social real que compreenda as necessidades do povo, seguindo na luta contra as reformas e pela construção de uma alternativa anticapitalista. Responder à crise orgânica dos de cima, com uma organização real e orgânica da rebelião dos de baixo.
Artigo originalmente publicado o site do PSOL.