“Não sera pelo tanto mar entre nossos países que trocaremos a indignação pelo silêncio”
Em sessão comemorativa à Revolução dos Cravos, a deputada portuguesa relembra o Brasil, Marielle e as lutas que impedem o avanço da barbárie no mundo.
44 anos após a Revolução dos Cravos, a deputada portuguesa Isabel Pires realizou discurso na sessão solene comemorativa ao aniversário do 24 de abril. A parlamentar do Bloco de Esquerda aproximou Brasil e Portugal e, se solidarizando à morte de Marielle, relembrou, como na canção de Chico Buarque, os povos de Brasil e Portugal podem caminhar juntos na construção de um futuro muito mais digno e igualitário do que a realidade de nosso passado comum longínquo. Pires mostrou como a necessidade à resistência contra as medidas de austeridade da contrarrevolução econômica que assola a Europa e também prestou solidariedade aos manifestantes independentistas catalães.
Leia abaixo a reportagem publicada pelo esquerda.net
“A deputada do Bloco começou por referir-se ao “muro de silêncio que a União Europeia levantou” para “roubar a voz” aos catalães, enquanto legitima a agenda persecutória do Estado espanhol.”
“Que hoje aqui, ao celebrar a liberdade e ao prestar homenagem aos milhares de homens e mulheres que foram presos políticos em Portugal, saibamos olhar o mundo com o peso da nossa história, da solidariedade e das palavras.”, começou a deputada, acrescentando que “aqui ao lado há presos políticos” e defendendo que “falta uma solução política para a Catalunha” e “que a monarquia espanhola está a esmagar as mais elementares garantias de um Estado de Direito”. Desta forma, mostrou-se solidária com “quem está, neste momento, preso por ter defendido o direito a decidir o seu futuro”.
A deputada mostrou-se ainda solidária com os “ assassinatos políticos das ruas brasileiras”, garantindo que não trocará “a indignação pelo silêncio ou a insubmissão de consciência pela conformação”. “Nenhum golpe antidemocrático passará sem a nossa denúncia”, afirmou.
Isabel Pires considerou ainda o Serviço Nacional de Saúde um “dos maiores manifestos à liberdade e à igualdade da sociedade portuguesa. Acolhe e trata da mesma forma ricos e pobres, empregados e desempregados, refugiados ou membros do governo. Em pouco mais de quatro décadas, projetou o país de elevadas taxas de mortalidade infantil para os melhores indicadores de saúde mundial.” Assim, “queremos que a sua segurança, a sua filosofia solidária e o seu indiscutível modelo de sucesso, sejam a regra nas áreas onde nos sentimos desprotegidos e desprotegidas e rejeitamos a caricatura que o transforma num alçapão para negócios privados”.
“A minha geração não é ingrata, mas não cai na ingenuidade. Percebemos como, troika sim troika não, a ideia da Constituição de Abril da “construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno” vai sendo reinterpretada, alterada, e mesmo atacada.” acrescentou, dizendo ainda que, na sua geração, “ainda existe um racismo de que não se fala, mas que marca com brutalidade o quotidiano de quem não tem o privilégio branco”, que “as mulheres ainda ganham menos 16,7% do que os homens: é como se trabalhassemos de graça dois meses por ano” e que “oassédio sexual faz parte do quotidiano de todas as mulheres e meninas”.
“Foi à minha geração que exigiram que pagasse para poder ir à Universidade, e a quem condenaram a uma vida precária, a que chamaram de flexibilidade.”, denunciou, acrescentando que “Insistem que somos a geração mais formada de sempre, mas a propaganda, como as boas intenções, nunca se vêem no recibo de vencimento. Vendem-nos promessas de empreendedorismo em inglês mas isso só se traduz em conhecimento top, salário low cost, precariedade non stop”.
A deputada terminou dizendo não querer “um regresso ao passado, porque isso é a precariedade do presente” nem “um país fechado, para isso já basta a União Europeia”. Quer “um país aberto à Europa e ao mundo. Que se solidariza com os povos e as suas lutas emancipatórias, que acolhe os que fogem da guerra, da fome, e da miséria. Que protege os seus dos achaques dos mercados financeiros e da predação e arrogância das multinacionais. Um país governado pela ideia da sua Constituição, a Constituição de Abril, e não para as contas de uma folha de excel. Porque as contas que importam acertar não se atingem pela lente dos tratados orçamentais, mas com uma economia que funcione para todos e não apenas para uns poucos.”
“Da educação à habitação, da justiça ao trabalho, tudo o que falta conquistar cabe-nos colocar na agenda política. Caberá tudo isto num orçamento? Não, mas certamente passa por ele. Será que agrada ao Eurogrupo? Provavelmente não, mas Abril nunca rimou com Eurogrupo”, acrescentou, dizendo ainda que “não foi Abril que nos desiludiu, é a caricatura que dele querem fazer que rejeitamos. A geração dos filhos e filhas de Abril reafirma os valores por que tantos neste país lutaram, fazendo da luta a nossa homenagem”.
“Sabemos do caminho feito, sabemos do caminho a fazer. Sabemos que vivemos num país que, mesmo com todas as contradições, é outro e melhor porque somos devedores de Abril de 74 e de todas as lutas da emancipação”, terminou a deputada.”