130 anos ainda não nos libertou

Ao sair das senzalas, à negritude não sobrou nenhuma alternativa que não fosse os morros e periferias, à margem da organização das cidades.

Tatiane Ribeiro 13 maio 2018, 15:12

Hoje, 13 de maio de 2018, se “celebra” os 130 anos da abolição da escravidão. E essa comemoração se faz como se essa lei, proibindo formalmente a escravização de pessoas no país, tivesse resolvido os problemas da negritude. Os livros de história constantemente se referem a Lei Áurea como uma ação benevolente da princesa Isabel para com os escravizados. Outros, como fruto única e exclusivamente da pressão econômica da Inglaterra, para aumentar o consumo brasileiro. Nenhum, ou quase nenhum, cita ou conta a história de toda a luta de negras e negros escravizados ou ex-escravizados, os motins pelo país (principalmente no nordeste) que foram centrais para o fim da escravidão como fonte de lucro das classes dominantes brasileiras. E essa força, de nossos ancestrais, que segue presente em cada negra e em cada negro desse país, que segue resistindo e em luta pela liberdade completa.

Da escravidão ao subemprego e sub-direitos

Ao sair das senzalas, à negritude não sobrou nenhuma alternativa que não fosse os morros e periferias, à margem da organização das cidades. Deixar de ser escravizados não deu a eles o direito de ser pessoas, seres humanos com plenos direitos. E a estigmatização, fruto do racismo profundo e estrutural, não permitia o direito mínimo de emprego, casa, saúde, educação, alimentação. Sem opções, sobrava apenas, quando muito, as mesmas funções que exerciam nas fazendas: servir as casas grandes, limpar, fazer pequenos consertos, carregar peso, prostituição, lavadeiras. Trabalhos que não requerem nenhum processo intelectual, afinal negros estavam mais para animais do que para gente.

Apesar da mudança em alguns aspectos, ainda é possível fazer uma ligação profunda entre os papeis que se cumpria naquele momento e nesse: os piores empregos, os piores salários, direito à educação cada vez mais atacado. Habitação sendo mercadoria e não direito. Saúde precária. Aposentadoria constantemente sob ameaça. A classe trabalhadora brasileira tem cara e tem cor.

Não nos calarão

Já são quase 60 dias respostas sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco. Mulher negra LGBT cria da favela. E falamos sem vírgula essas características porque elas não se somam, elas são regra. Regra de quem morre, de quem é alvo do tiro, da bala perdida, da bala bem achada, da bala mirada. Marielle não era só ela, era milhões. Era os 60.000 negros mortos anualmente por violência policial. Ela faz parte das estatísticas de aumento de 500% do feminicídio negro. E era mais. Era uma voz que foi calada. Uma voz que dizia na Câmara Municipal o que poucos tinham coragem. De falar da abolição inacabada. Mas também era semente, e nossas vozes se juntaram para não deixar calar Marielle.

O Brasil tem a segunda maior população carcerária do mundo. 3/4 dos presos masculinos são negros ou pardos, uma parte considerável sem antecedentes e sem julgamento. Uma quantidade ainda maior não é acusada de crimes contra pessoas, mas sim contra o patrimônio. Em uma país em que a negritude nunca teve nenhuma reparação pelos seus direitos retirados por 300 anos de escravização, faz sentido que a propriedade valha mais que a vida dos que são presos.

O número de homicídios masculinos e femininos, que são em sua maioria contra negras e negros, brasileiro é comparável (e às vezes superior) ao de país em situação de guerra. O genocídio e o encarceramento são ferramentas cruciais pro capitalismo se reproduzir livremente no país. E é assim que tentam calar nossas vozes. Mas já não podem. Não podem tanto porque sempre resistimos e gritamos, quanto porque cada vez a negritude se entende como força motriz das mudanças necessárias para o Brasil. Somos muitos e estamos cada vez mais organizados. Não nos calarão.

É preciso lutar por poder

Não é possível mudar o racismo estrutural sem almejar poder. Nada nos é dado, nunca foi. Precisa ser arrancado. O poder negro precisa ser uma luta constante, tanto para que sejamos mais representados quanto porque a democracia como conhecemos nunca foi para nós. Quando se fala em Estado Democrático de Direito, em Constituição de 1988, estão falando em qualquer lugar que não os morros e periferias. Não pode se falar verdadeiramente em democracia quando estamos o tempo todo ameaçados, quando somos mortos, encarcerados e torturados. Só uma revolução política é capaz de mudar verdadeiramente a realidade do racismo estrutural brasileiro. Almejar e lutar por poder é a luta pela mudança das vidas negras.

E é nesse sentido que achamos que é central um programa de transição que faça uma revolução democrática no país. E que esse programa seja a libertação verdadeira da negritude brasileira e que tenha a capacidade de mudar a forma como o sistema enxerga o negro.

A exemplo do que fizeram os Pantera Negras, propomos assim 10 pontos que sejam o pontapé dessa mudança política:

1. Democracia real com justiça social e participação popular
‎2. Emprego sem discriminação racial ou de gênero
3. ‎Fim do genocídio da juventude preta: chega de guerra aos pobres disfarçada de guerra às drogas
‎4. Educação pública, gratuita, de qualidade para a transformação social
5. Queremos saúde e alimentação dignas
‎6. Fim da violência policial e fim da militarização da polícia e da política
7. ‎Fim da corrupção e das quadrilhas que roubam o dinheiro do povo
‎8. Direito ao território, nossos quilombos, nossa história!
‎9. Liberdade religiosa: respeitem nossos santos e nossos ancestrais!
‎10. Direito à cultura popular! Ontem samba e rap, hoje funk: não calarão as nossas vozes!


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Pedro Micussi