A ascensão de Jeremy Corbyn, trabalhista rebelde

A social-democracia europeia agoniza em derrotas, mas na Grã-Bretanha a oposição ao neoliberalismo e a ligação aos movimentos sociais fazem toda diferença.

Chantal Mouffe 4 maio 2018, 14:23

A crise da social-democracia europeia está confirmada. Após os fracassos do Pasok, na Grécia, do PvdA nos Países Baixos, do PSOE em Espanha, do SPÖ na Áustria, do SPD na Alemanha e do PS em França, o PD obteve o pior resultado da sua história na Itália. Exceção a este desastroso panorama encontra-se na Grã-Bretanha, onde o Partido Trabalhista, dirigido por Jeremy Corbyn, está em pleno crescimento. Com quase 600.000 filiados, o Trabalhista é hoje o maior partido de esquerda na Europa.

O que fez Corbyn, que surpreendentemente foi eleito como líder do partido em 2015, para conseguir esta proeza?

Após uma tentativa por parte da direita do partido de o retirar, em 2016, o momento decisivo na consolidação da sua liderança foi o forte crescimento do Partido Trabalhista nas eleições de junho de 2017. Enquanto as sondagens davam aos conservadores uma vantagem de 20 pontos, o Partido Trabalhista conquistou 32 cadeiras, conseguindo fazer com que os ‘tories’ perdessem a maioria absoluta. A estratégia desenvolvida nessas eleições é a chave do êxito de Corbyn.

Isto deve-se a dois fatores principais. Primeiro, um manifesto radical, em linha com a rejeição à austeridade e as políticas neoliberais, por parte de importantes setores da sociedade britânica. Depois, a formidável mobilização organizada pelo Momentum, o movimento criado em 2015 para apoiar a candidatura de Corbyn.

Inspirado nos métodos de Bernie Sanders nos Estados Unidos, assim como nos novos agrupamentos radicais europeus, o Momentum aproveitou inúmeros recursos digitais para estabelecer vastas redes de comunicação que permitiram aos militantes e a muitos voluntários saber em quais distritos era necessário ir conversar com os eleitores de porta em porta. Foi esta mobilização inesperada que conduziu ao erro de todos os prognósticos.

Mas, tudo isto foi possível graças ao entusiasmo que o conteúdo do seu programa despertou. Com o título For the many, not the few (para a maioria, não para alguns), utilizou um lema que já havia sido utilizado pelo partido, mas com um novo significado para estabelecer uma fronteira política entre um “nós” e um “eles”. Desta maneira, buscava-se repolitizar o debate e oferecer uma alternativa ao neoliberalismo instaurado por Margaret Thatcher e continuado por Tony Blair.

As principais propostas do programa foram a renacionalização dos serviços públicos, como as ferrovias, a energia, a água e os correios, fim ao processo de privatização do Serviço Nacional de Saúde e à Escola Pública, a abolição das propinas na universidade e um aumento significativo dos apoios sociais. Tudo apontava para uma clara rutura com a conceção da terceira via do Novo Trabalhismo.

Enquanto este último havia substituído a luta por igualdade pela liberdade de “escolher”, o manifesto reafirmou que o Trabalhista era o partido da igualdade. O outro ponto destacado foi a insistência no controlo democrático, colocando-se o acento na natureza democrática das medidas propostas para criar uma sociedade mais igualitária. A intervenção do Estado foi reivindicada, mas com o papel de criar as condições que permitissem aos cidadãos assumir o controlo dos serviços públicos e administra-los.

A insistência na necessidade de aprofundar a democracia é uma das características centrais do projeto de Corbyn. Isto ressoa muito particularmente no espírito que inspira o Momentum, que defende o estabelecimento de estreitos vínculos com os movimentos sociais. E explica a centralidade atribuída à luta contra todas as formas de dominação e discriminação, tanto nas relações económicas como em outras áreas, como as lutas feministas, antirracistas e LGBT.

É a articulação das lutas sociais com as que se relacionam com outras formas de dominação o que está no coração da estratégia de Corbyn e é por isso que pode ser qualificada como “populismo de esquerda”. O objetivo é estabelecer uma sinergia entre as diversas lutas democráticas que atravessam a sociedade britânica e transformar o Partido Trabalhista num grande movimento popular capaz de construir uma nova hegemonia.

É claro que a realização de um projeto como este significaria para a Grã-Bretanha uma mudança tão radical, ainda que de sentido oposto, como a realizada com Margaret Thatcher.

Certamente, o combate em reinvestir o Trabalhismo ainda não foi vencido e a luta interna continua com os partidários de Blair. Os oponentes de Corbyn desdobram-se em múltiplas manobras para tentar desacreditá-lo, a última consiste em acusá-lo de tolerar o antissemitismo dentro do partido.

As tensões também existem entre os partidários de uma conceção mais tradicional do Trabalhismo e os partidários da “nova política”. Contudo, estes estão se impondo e as relações de força jogam a seu favor. Em comparação com outros movimentos como o Podemos ou a França Insubmissa, a vantagem de Corbyn consiste em que está na cabeça de um grande partido e conta com o apoio dos sindicatos.

Sob a sua liderança, os trabalhistas conseguiram devolver o gosto pela política àqueles que a haviam abandonado com Blair e atrair cada vez mais jovens. Isto prova que, contra o que afirmam muitos cientistas políticos, os partidos políticos não se tornaram obsoletos e que, ao se articular com os movimentos sociais, podem se renovar. É a conversão da social-democracia ao neoliberalismo o que está na origem do descontentamento dos seus eleitores.

Quando é oferecido aos cidadãos a perspetiva de uma alternativa e contam com a possibilidade de participar de um debate agonístico real, mostram-se ansiosos em fazer ouvir as suas vozes. Contudo, isto requer abandonar a conceção tecnocrática da política, que a reduz à gestão de problemas técnicos, e reconhecer o seu caráter partidário.

Reprodução da versão em português publicado pelo esquerda.net.


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