Ninguém sai igual de uma greve

Novas placas tectônicas da classe trabalhadora brasileira se movimentaram nesses últimos dias, é preciso disputar as consciências.

Bernardo Corrêa 31 maio 2018, 14:58

A mudança da morfologia da classe que vive do trabalho no Brasil, iniciada nos anos 90 e reconfigurada nos anos de lulismo, surpreendeu os sociólogos, desconcertou os políticos, desidratou os sindicatos e enriqueceu os patrões. O modo de cooperação complexa do capital inaugurado pela reestruturação econômico-produtiva e redesenhado pelo pós-fordismo financeirizado, trouxe à tona um novo sujeito, menos organizado, conectado, indignado e bastante precarizado frente à crise que forçou sua rebelião. Um trabalhador típico do nosso capitalismo dependente.

O primeiro indício desta insurgência em nosso país apresentou-se nos canteiros de obras de Jirau, Belo Monte e outras Obras do PAC, já em 2011. O movimento de “remercadorização” do capital, enfrentou movimento heróico de “autoproteção” da sociedade. Logo depois, em 2013, o precariado transbordou as ruas, revelando a falência do modelo e abrindo caminho para a falência do regime. Os acontecimentos que viraram a situação política do Brasil foram as Jornadas de Junho de 2013 e a crise econômica de 2014. Eles foram a expressão da falência da Nova República e da democracia de cooptação.

Em 2014, o governo Dilma ficou entre o avanço substantivo de ouvir a voz das ruas, e o ajuste fiscal conservador contra o povo, nem tão seguro como o PT imaginava. Decidiu pela segunda opção. Foi derrubado sem responder a contento nem ao povo que clamava mudanças profundas e não o defendeu, nem à burguesia que queria empurrar os custos da crise que ela criou para nossas costas… e conseguiu. Eles deram um golpe parlamentar apoiados em um simulacro de junho, em 2015, sem nenhuma resistência nas ruas do outro lado.

Tragicamente, a esquerda institucional e adaptada ao regime foi a principal vítima da crise da Nova República. Frente ao golpe que sofreu dos aliados de ontem, converteu sua pauta na mais pura defensiva, confundindo um governo burguês frágil com uma mudança de regime. Passou a um combate defensivo sobre o regime e abandonou a ofensiva concreta sobre o governo para barrar o ajuste. A inconsequência com o chamado de Greve Geral em 30 de junho de 2017 foi vergonhoso e nos custou uma Reforma Trabalhista e tanto.

A burocracia sindical, após o golpe, viu todas as manifestações que passavam por fora de seus aparatos como ameaças. Tudo o que não era espelho lhe parecia estranho. As JJ 2013, as greves de 2014, a Greve Geral em 2017… A greve dos caminhoneiros… tudo não passava de fases do golpe. Tal equívoco de análise, seja mais ou menos desonesto, leva a graves equívocos políticos. A linha defesiva “em defesa da democracia” seria porque categoricamente estamos frente a uma paralisia da classe trabalhadora. Será?

O ano de 2016, segundo o DIEESE, registrou a ocorrência de 2093 greves, superando 2013 que teve 2050 greves, maior marca em 30 anos! As de 2016, como as de 2013, foram defensivas e por manutenção de direitos. A exigência de pagamento dos salários em atraso e reajuste salarial foram as principais reivindicações das greves em 2016. Desde seus locais de trabalho, os trabalhadores estão se defendendo do ajuste.

Os primeiros a reagir contra os efeitos da política de Temer – Estado mínimo para o povo e Estado máximo para os ricos – naquele ano foram os servidores públicos. Das 2093, 649 foram dos servidores públicos municipais, onde a “diminuição” do Estado mostra sua pior face: retira o serviço de quem mais precisa e precariza o serviço de quem mais atende. De que refluxo estamos falando exatamente?

Não há unidade nacional entre estes movimentos e há grande confusão política que são problemas gravíssimos. Mas o fato é que os que poderiam fomentar esta unidade estão em outra pauta. As necessidades do povo frente à crise estão sendo secundarizadas pelas maiores Centrais Sindicais em nome da defesa do regime político. Ora por medo, ora por conveniência, estão paralisando setores ativos na luta de classes em nosso país, canalizando sua inquietação para o terreno puramente eleitoral e, pior, perdendo. É somente na eleição que se disputa consciências? Não mesmo! É menos na eleição do que na greve, eu diria. Ali o inimigo deixa de ser invisível.

Por isso defendemos a greve dos caminhoneiros. Por isso defendemos as Jornadas de Junho. Porque não temos medo da anormalidade. Porque sabemos que somente o povo com suas próprias forças pode dobrar os poderosos. Porque temos certeza de que o único caminho para as grandes mudanças, são as grandes mobilizações. Lutamos por isso.

Intervir nas lutas do presente não é uma escolha, é uma obrigação para nós. Só poderemos dirimir as confusões da consciência geral estando lado a lado na experiência, “na ruim e na boa” do piquete, na batalha, na labuta.

É óbvio que não vivemos um momento de grandes esperanças. Elas foram vendidas recentemente, sem o nosso consentimento. Apareceram na investigação dos outros como moedas de troca entre podres de ricos e podres poderes. O crescimento do atraso nas consciências é perigoso… Mas qual o antídoto à ideologia que se alimenta do medo? Medo do avanço deles? Rendição ao jogo jogado? Exigir a “normalidade” e a exploração de cada dia? Aceitar a ideia deles de que não há alternativa? Não nos parece a melhor tática.

O futuro segue em jogo. Novas placas tectônicas da classe trabalhadora brasileira se movimentaram nesses últimos dias. É verdade que as cabeças andaram bem mais lentas que os pés, mas assim como depois de um grande amor, ninguém sai igual de uma greve.

30 de maio de 2018

Artigo originalmente publicado no Facebook do autor. 


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