O exitoso “soft power” israelense: dos evangélicos aos LGBTI

Frente às crítica por suas posições crescentemente direitistas, Israel desenvolveu um poderoso soft power que abarca a dois grupos opostos: a população LGBTI e os evangélicos.

Pablo Stefanoni 28 maio 2018, 13:20

A vitória de Netta Barzilai no festival Eurovisão 2018 foi considerada pelo premiê israelense Benjamin Netanyahu uma “benção sobre Jerusalém” (com este resultado, além disso, o certame vai ser organizado no próximo ano nessa cidade). E nas ruas, foi celebrada como uma vitória de Copa do Mundo. O contexto é especial: os festejos pelos 70 anos do Estado de Israel – segundo o calendário gregoriano – coincidem com a polêmica mudança da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém, o que violenta o status quo internacional em relação a esta cidade dividida, cheia de sítios sagrados e atravessada pela cicatrizes vivas da guerra de 1967.

Os cartazes que agradeciam Trump por “fazer grande a Israel” – parafraseando Make America Great Again – junto à presença da filha e do genro do presidente norte-americano deixaram clara a proximidade entre os governos de Donald Trump e Netanyahu em meio à escalada entre Tel Aviv e Teerã no cenário de guerra sírio. O chefe de Estado israelense expressa uma extrema-direita, em versão local, com um ministro da Defesa como Avigdor Lieberman, caracterizado numa coluna no El País, como um “racista pragmático”. Um detalhe a mais: hoje um dos aliados europeus de Israel é o húngaro antissemita e xenofóbico Viktor Orbán, recentemente reeleito e jogado de cabeça numa campanha contra George Soros que replica milimetricamente os tópicos antissemitas dos anos 30. Recentemente, em seu chamado a uma aliança mundial contra a imigração, Orban – que já havia brigado por uma contrarrevolução cultual na Europa – disse que a República Tcheca, a Polônia, a Croácia e a Áustria “viraram para posições patrióticas”. A respeito, uma coluna no Jerusalem Post se perguntava: “Orban é um amigo ou um inimigo?”. Algo mais complexo no tabuleiro regional é a aproximação entre Netanyahu e Putin: a Rússia e Israel mantêm relações próximas apesar do Kremlin ser aliado dos principais inimigos de Israel, recorda uma coluna em El Periodico da Catalunha. “A sucinta reação de Moscou à recente ação militar israelense na Síria, chamando a uma negociação e evitando qualquer palavra que pudesse ser interpretada como uma advertência, contrasta com a agressividade verbal desferida pelos principais porta-vozes russos depois do ataque estadunidense, britânico e francês há apenas algumas semanas”. “Rússia e Israel podem ser orgulhar do elevado nível de nossas relações, cooperação frutífera e contatos de negócios de grande alcance”, afirmou Putin em 2016. Iliberais do mundo, uni-vos? Sim, mas não só isso.

Hungria, Áustria – governada por um millennial de extrema-direita – e República Thecha assistiram aos festejos pela mudança da embaixada, em meio a uma repressão que provocou dezenas de mortos; ainda que alguns deles esclareçam que isso não significa que trasladarão suas embaixadas. Foi o “polêmico” filho de 26 anos de Netanyahu quem numa oportunidade tuitou, falando dos Estados Unidos, que teme mais aos “bandidos de es querda” que à “escória nazi”. Enquanto que os nazis (supremacistas brancos) seriam coisas do passado, os movimentos como Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) ou diversas organizações “antifascistas” norte-americanas “são cada vez mais fortes” assinalou. A mesma atitude assumiu a Liga de Defesa Judia – um grupo violento de extrema-direita – na manifestação contra o antissemitismo organizada na França em março passado depois do assassinato da anciã Mireille Knoll, sobrevivente do holocausto. Enquanto que agrediram verbalmente ao dirigente de esquerda Jean-Luc Mélenchon, “protegeram” à líder de extrema-direita Marine Le Pen, enquanto ambos eram expulsos da marcha, no marco de um debate, tanto dentro como fora da comunidade judia, sobre as dimensões atuais do antissemitismo na França.

Frente às crítica por suas posições crescentemente direitistas, Israel desenvolveu um poderoso soft power que abarca a dois grupos opostos: a população LGBTI e os evangélicos. Sobre como a política gay friendly do governo israelense – particularmente do exército – serviu para uma mudança da imagem e uma “recolocação” da marca Israel, resulta particularmente revelador o livro do jornalista e ativista gay judeu Jean Stern, Mirage gay à Tel Aviv [Miragem gay em Tel Aviv]. Trata-se de um caso muito exitoso de pinkwashing que contribui para potencializar a imagem de democracia, progresso e modernidade que Israel busca projetar frente ao atraso de seus vizinhos árabes mas também frente aos retrocessos democráticos internos na era Netanyahu-Lieberman. E inclusive serve aos efeitos propagandísticos de um exército que, enquanto comete violações de direitos humanos contra palestinos, numa clave colonial e segregacionista, é uma das forças armadas mais inclusivas do mundo para as minorias sexuais.

Tudo isso gerou um êxito do turismo gay para Tel Aviv – com sua imagem de sea, sex and fun – ao mesmo tempo em que – escreve Stern – as velhas rotas sexuais em busca de “orientalismo” outrora dirigidas para Marrocos e outros destinos árabes, hoje mais arriscados pelo auge islamista, se redirigiram para Tel Aviv. Mas o que mostra Stern é que esta “miragem” foi produto de uma política de Estado – tanto do nacional como do local de Tel Aviv – com muito dinheiro posto em marketing (por ocasião da Eurovisão também foi explorada esta faceta gay friendly de Israel, inclusive na rede Grindr) e em viagens de diversas referências LGBTI convidadas para diversos eventos. É o temor à ameaça islâmica – às vezes real, às vezes imaginária e às vezes tingida de islamofobia patológica – que aproximou a parte da população gay europeia à extrema-direita, como a Frente Nacional na França, Alternativa para Alemanha, que por sua vez se tornaram mais abertas à diversidade sexual. E é a luta contra o Islã o que termina construindo pontes entre Le Pen e Netanyahu… mas como vimos, também com Putin. “Rússia e Israel têm o mesmo inimigo; o terrorismo islâmico, sem poréns nem condicionantes”, disse o comentarista pró-governamental russo Nikolay Pakhómov.

Mas, ao mesmo tempo, a marca Israel resulta muito atrativa no mundo evangélico – em expansão na América Latina – que vê no Israel do presente ao Israel bíblico, o que termina construindo pontes a priori impensados entre grupos militantes contra a denominada “ideologia de gênero” e o país que faz da abertura gay friendly sua marca de fábrica (ainda que evidentemente o que ocorre nas praias e bulevares de Tel Aviv, vitrine do Israel “moderno” para o mundo, é anatemizado em muitos bairros de Jerusalém e outras cidades onde domina uma população religiosa conservadora e ultraconservadora no auge). O próprio Netanyahu disse isso nos EUA em 2017 frente a Christians United: “Os cristãos evangélicos são os melhores amigos de Israel”. E é comum ver pastores evangélicos latino-americanos com bandeiras de Israel. “É uma luta de civilizações. É uma luta de sociedades livres contra as forças do Islã militante”, disse Netanyahu. “Querem conquistar Oriente Médio, querem destruir o Estado de Israel, e depois querem conquistar o mundo”. São estas vias do evangelismo popular as que explicam o êxito da curiosa canção “Em tuas terras dançarei (Israel)”, protagonizada – “juntas pela primeira vez” – por figuras da cumbia “chicha” como a Tigresa do Oriente, Delfin Quihspe e Wendy Sulca. E são numerosas às agências de viagens que fazem turismo evangélico a Israel, no qual se mescla a Terra Santa com o atual Estado.

Frequentemente surgem vozes que denunciam que as críticas à política oficial israelense encobrem velhas ou novas formas de antissemitismo, inclusive entre a esquerda. Isso pode existir, especialmente entre os esquerdistas que sentem saudades do stalinismo e veem o assassino Bashar al Assad um baluarte da luta anti-imperialista. Quando ocorre, é necessário denunciar os casos concretos, mas sem generalizar ou estigmatizar sem provas a grupos inteiros. A propaganda da direita sionista pretende ver “novos antissemitas” por todos os lados, exceto, curiosamente, nas fileiras de seus amigos de extrema-direita europeus ou estadunidenses obcecados por Soros e o “mundialismo apátrida”.

No entanto, a realidade é que faz alguns anos que o establishment de segurança israelense identificou como a maior ameaça para a legitimidade de Israel aos jovens judeus estadunidenses educados (os mesmo que votaram massivamente no socialista judeu Bernie Sanders), futuros membros das elites estadunidenses e cada vez mais desgostosos pela radicalização sem pudor da política colonialista e segregacionista israelense e a direitização extrema da sociedade. Quando inclusive paladinos do liberalismo antipopulista latino-americano como Mario Vargas Llosa se unem a estas denúncias da dupla Netanyahu-Trump e da nova (des)ordem global regressiva que querem pôr de pé, a chantagem espúria ao suposto antissemitismo de qualquer crítica a Israel cai pelo peso de sua própria desonestidade.

Fonte: http://www.lavanguardiadigital.com.ar/index.php/2018/05/14/el-exitoso-soft-power-israeli-de-los-evangelicos-a-los-lgbti/


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