Petro no segundo turno: uma batalha inédita para a esquerda colombiana

Tal fato rompe a tradição no bipartidarismo à colombiana, abrindo espaço para expressar o descontentamento represado com a situação social e política,

Israel Dutra 31 maio 2018, 14:57

Na noite de domingo, dia 27 de maio, os dados da apuração do primeiro turno na eleição presidencial na Colômbia apontavam para um segundo turno ainda mais polarizado. O candidato da direita conservadora, Ivan Duque, venceu a primeira volta com 39,14 % dos votos. Gustavo Petro, apoiado pela maioria da esquerda social e política, alcançou o segundo turno com 25,09% votos válidos. Sergio Fajardo, de Coalizão Colombia, articulação de vários setores da centro-esquerda, teve 23,73 %. Em seguida vieram o ex-vice presidente German Vargas com 7, 28% e o candidato Humberto De La Calle, conhecido por ter sido o negociador dos acordos de paz com as FARC, teve 2,06% dos votos.

Duque é o representante de Uribe e dos setores mais reacionários. Se fortaleceu com um discurso contrário aos acordos de paz. Petro, ex-guerrilheiro do M-19, foi prefeito de Bogotá. O outro candidato mais alinhado com o discurso da direita era German Vargas e foi a grande decepção, ficando muito atrás do que as pesquisas apontavam. Seu vínculo com o atual presidente, Santos, acabou atrapalhando seu desempenho. Fajardo unificou três setores da centro-esquerda, montando uma frente que começou competitiva, mas oscilou durante o período eleitoral. O terceiro candidato do campo mais progressista, De La Calle acabou sendo diminuído pela polarização e o voto útil. Dos 32 departamentos, Duque venceu em 23, sendo Petro vitorioso em 9 estados. Fajardo ganhou em Bogotá. As FARC, agora convertida em partido legal, lançaram seu principal dirigente, Rodrigo Timotchenko. Após atentados da extrema-direita nos comícios eleitorais, as FARC recuaram, retirando sua candidatura.

A eleição foi polarizada por quatro grandes temas: o recente retrocesso econômico que leva a uma maior crise social; os acordos de paz com as FARC; a crise política que salpicou o governo de Santos; e a crescente onda de mobilização de setores organizados da classe trabalhadora e dos camponeses.

O sucessor de Alvaro Uribe, Juan Manuel Santos, deixou um legado de retrocesso econômico. Apesar de tentar vender como grandes logros do país a associação com a OTAN e a OCDE, cresceu o desemprego e a pobreza ainda é massiva – 13 milhões, em termos absolutos. Os anos dourados do crescimento econômico ficaram para trás. O PIB cresceu apenas 1.8%, longe dos 6/7% do período anterior. A própria violência urbana voltou a reaparecer com força, anos depois do “triunfo” da política de guerra às drogas.

O tema mais polêmico da eleição diz respeito aos acordos de paz firmados entre o governo e a guerrilha. Depois de diversas rodadas, que levaram anos, as negociações entre governo e as Farc em Havana, que aconteceu em novembro de 2016, acabou por anunciar um acordo de “integração à vida civil e política”, entre Santos e as FARC. Além de depor as armas, depois de 53 anos de combates nas selvas, as FARC desmobilizaram quase 11 mil homens, se convertendo num partido legal – a Força Alternativa Revolucionária do Comum, tendo reservados vagas no parlamento, independente do seu desempenho eleitoral. O rechaço pela direita ao acordo levou a ruptura definitiva entre o campo uribista e o governo. Os partidários do ex-presidente convocaram o não no plebiscito sobre o tema e galvanizaram o descontentamento para um viés conservador, ora se utilizando do discurso contra os guerrilheiros ora contra o chavismo e a Venezuela.

A corrupção que derrubou o presidente Kuczynski no Peru chegou ao Palácio de Nariño. No começo de 2017, o Ministério Público revelou que a campanha à reeleição de Santos havia sido abastecida por propinas da Odebrecht, numa operação que investigava os ramos colombianos da Lava-Jato. O ex-senador Otto Bula delatou que teria intermediado valores diretos com a empreiteira para chegar na campanha de Santos. Essas e outras revelações, combinadas com a crise econômica, levaram o governo a ter sua popularidade arranhada. A prova cabal do desfecho trágico da Era Santos é que seu candidato, German Vargas, não chegou nem próximo aos 10% dos votos, distante a imagem de favorito que a imprensa lhe concedia até poucos meses atrás.

Nos últimos anos, a partir das greves agrárias e da entrada em cena do movimento estudantil universitário, o humor político das classes populares começa a mudar. As lutas tomara corpo em categorias como portuários, terceirizados e funcionários da justiça. Há dois meses uma greve nacional da Avianca comoveu o país. E a categoria dos professores teve uma sequência vitoriosa de greves regionais, culminando com uma grande greve nacional. Ao lado dos conflitos laborais, muitos deles fruto da superexploração e do trabalho precário, tivemos lutas ambientais e indígenas.

A Colômbia se tornou um enclave do DEA e da política imperialista. A série “Narcos”, produzida por Netflix, contou a história de Escobar e dos enfrentamentos oriundos do tráfico. O país se torna o primeiro produtor de coca do mundo em 1997. Em acordo com o governo Pastrana, em 2000, o governo dos Estados Unidos aplica o Plano Colômbia. Sob a justificativa de erradicar o narcotráfico, estabelece uma linha direta de investimentos militares e de inteligência para controlar as selvas do país.

A eleição foi marcada pela crise com o pedido a extradição do ex-guerrilheiro Jesus Santrich, num esquema montado pelo DEA para impactar o resultado, acusando-o de narcotráfico. Quadro das FARC, Santrich entrou em greve de fome contra a medida que gerou um amplo debate, inclusive colocando em risco os acordos de paz.

Durante o ciclo anterior, os governos do continente matizaram três campos diferentes: governos de cunhos social-liberal, como o Brasil de Lula e a Argentina dos Kichner; os governos independentes, como de Chávez, Evo e Correa; e os governos diretamente conservadores, encabeçados pelos regimes colombiano e mexicano. Ambos países passam por processos eleitorais, onde alternativas não alinhadas com o imperialismo e a direita conservadora podem vencer. Não por acaso o nível de liberdades democráticas é bastante restrito nesses dois regimes, submetidos e acossados a altos índices de violência política.

A esquerda está diante de um desafio histórico. A passagem de Gustavo Petro para o segundo turno se torna um acontecimento. Com quase cinco milhões de votos, rompe a tradição no bipartidarismo à colombiana, abrindo espaço para expressar o descontentamento represado com a situação social e política, num cenário de ascenso de lutas que recém começa. Ainda que tenha um programa limitado, Petro ampliou seu espaço – em 2010 foi candidato do Polo Democrático Alternativo, logrando 9% dos votos. Somados os três candidatos que defendem uma saída democrática comprometida com o processo de paz, ainda que com desigualdades, chega-se próximo a marca de 51% dos votos. Sabendo que a máquina da fraude e do clientelismo vai pesar muito no segundo turno e que nem todos os votos de Fajardo migram automaticamente para Petro, podemos apostar numa disputa renhida, com cenários incertos.

O lugar da Colômbia, segundo país mais populoso da América do Sul, na definição dos rumos geopolíticos do continente é estratégico. Seus vínculos militares com os Estados Unidos e sua condição de recente associado à OTAN e OCDE só reforçam tal importância.

A América Latina ingressa num novo e contraditório ciclo, onde os governos neoliberais tem dificuldades em impor o ajuste, criando tensões e resistências que podem levar a novos choques e explosões sociais. Apenas um programa democrático e com tarefas de transição pode servir para as massas encontrarem uma via positiva para canalizar a raiva social num processo de ruptura. Derrotar a direita uribista – encarnada em Ivan Duque- e dar um salto de qualidade na coordenação das lutas sociais e políticas é a tarefa da esquerda de todo continente, solidária ao Petro no segundo turno, que ocorre em 17 de junho.


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