A Copa de 30

Em crônica de Futebol ao Sol e à Sombra, o escritor uruguaio reconstrói a atmosfera da época em que foi realizada a primeira Copa do Mundo.

Eduardo Galeano 13 jun 2018, 18:18

Um terremoto sacudia o sul da Itália enterrando mil e quinhentos napolitanos, Marlene Dietrich interpretava O Anjo Azul, Stalin culminava sua usurpação da revolução russa, o poeta Vladimir Maiacovski se suicidava. Os ingleses jogavam Mahatma Gandhi, que exigindo independência e querendo pátria tinha paralisado a índia, na prisão, enquanto sob as mesmas bandeiras Augusto César Sandino levantava os camponeses da Nicarágua nas outras índias, as nossas, e os marines norte-americanos tentavam vencê-lo pela fome incendiando as colheitas.

Nos Estados Unidos havia quem dançasse o recente boogie-woogie, mas a euforia dos loucos anos vinte havia sido nocauteada pelos ferozes golpes da crise de 29. A Bolsa de Nova York tinha caído a pique e, em sua queda aviltou os preços internacionais e estava arrastando para o abismo vários governos latino-americanos. No despenhadeiro da crise mundial, a ruína do preço do estanho derrubava o presidente Hernando Siles, na Bolívia, e colocava em seu lugar um general, e a queda dos preços da carne e do trigo derrubava o Presidente Hipólito Yrigoyen, na Argentina, e em seu lugar instalava outro general. Na República Dominicana, a queda do preço do açúcar abria o longo ciclo da ditadura do também general Rafael Leónidas Trujillo, que inaugurou seu poder batizando com seu nome a capital e o porto.

No Uruguai, o golpe de Estado ia estourar três anos depois. Em 1930, o país só tinha olhos e ouvidos para o primeiro Campeonato Mundial de Futebol. As vitórias uruguaias nas duas últimas olimpíadas, disputadas na Europa, tinham transformado o Uruguai no inevitável anfitrião do primeiro torneio.

Doze nações chegaram ao porto de Montevidéu. Toda a Europa estava convidada, mas só quatro seleções européias atravessaram o oceano até estas praias do sul:

– Isso está muito longe de tudo – diziam na Europa – e a passagem sai cara.

Um navio trouxe da França o troféu Jules Rimet, acompanhado pelo próprio Dom Jules, presidente da FIFA, e pela seleção francesa de futebol, que veio contrariada. O Uruguai estreou com bumbos e pratos um monumental cenário construído em oito meses. O estádio se chamou Centenário, para celebrar o aniversário da Constituição que um século antes tinha negado direitos civis às mulheres, aos analfabetos e aos pobres. Nas arquibancadas não cabia nem um alfinete quando Uruguai e Argentina disputaram a final do campeonato. O estádio era um mar de chapéus de palha. Também os fotógrafos usavam chapéus, e câmaras com tripés. Os goleiros usavam gorros e o juiz vestia um calção negro que lhe cobria os joelhos.

A final da Copa de 30 não mereceu mais que uma coluna de vinte linhas no jornal italiano La Gazzetta dello Sport. Afinal de contas, estava se repetindo a historia das Olimpíadas de Amsterdam, em 1928: os dois países do rio da Prata ofendiam a Europa mostrando onde estava o melhor futebol do mundo. Como em 28, a Argentina ficou em segundo lugar. O Uruguai, que ia perdendo de 2 a 1 no primeiro tempo, acabou ganhando por 4 a 2 e sagrou-se campeão. Para apitar a final, o belga John Langenus tinha exigido um seguro de vida, mas não aconteceu nada mais grave que algumas escaramuças nas arquibancadas. Depois, um bando apedrejou um consulado uruguaio em Buenos Aires.

O terceiro lugar no campeonato foi para os Estados Unidos, que tinham em suas fileiras alguns jogadores escoceses recém naturalizados e o quarto lugar ficou com a Iugoslávia.

Nem uma só partida terminou empatada. O argentino Stábile liderou a lista de artilheiros, com oito gols, seguido pelo uruguaio Cea, com cinco. O francês Louis Laurent fez o primeiro gol da história dos mundiais, jogando contra o México.

Crônica publicada em Futebol ao Sol e à Sombra.


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Camila Souza