A todo vapor: a luta dos ferroviários na França

As paralisações contra as medidas do Governo Macron têm ocorrido na razão de dois a cada cinco dias.

Thais Bueno 27 jun 2018, 13:36

Com uma aparência jovem, Macron conseguiu aparecer como um outsider no
cenário político francês, se distanciando de sua adversária nacionalista e de
extrema direita, Marine Le Pen (Frente Nacional) e do governo anterior de François
Hollande (Partido Socialista) – do qual foi ministro. Seu programa apontava para
uma reformulação do Estado por meio do corte de supostas “regalias” dos
servidores públicos e sua campanha apelava por “unidade” em torno da resolução
dos problemas da França – assim como indicavam seus slogans: “La France doit
être une chance pour tous” – A França deve ser uma chance para todos; e
“Ensemble, la France!” – Juntos, França!

Depois de pouco tempo no poder, as hipóteses de embates com o governo
se tornaram uma necessidade, pois, uma das características mais marcantes da
gestão de Macron se tornou a rapidez para aprovar e implementar medidas de
cunho neoliberal.

Desde o início da gestão, três reformas se destacaram, a previdenciária, a
trabalhista e na educação. Na França, a previdência funciona num regime de “pague
conforme trabalha”, ou seja, o dinheiro da contribuição dos trabalhadores ativos é
usado para pagar a pensão dos aposentados; com a mudança implementada, as
contribuições dos trabalhadores lhes darão direito a pontos e estes no momento de
se aposentar, irão equivaler a um valor para pensão; porém, esses pontos não
possuem um valor fixo, logo, eles podem se valorizar ou desvalorizar ao longo do
tempo, fazendo com que no novo sistema previdenciário seja definida o valor de
contribuição do trabalhador, porém, indefinida a quantidade de pensão que este
receberá ao se aposentar.

A Reforma Trabalhista, por sua vez, se trata de uma declaração de confronto
direto a auto-organização dos trabalhadores, pois retira sua função política dos
sindicatos na intermediação entre o trabalhador e o patrão. Com a reforma, os
patrões podem negociar diretamente com os empregados, desconsiderando
acordos coletivos votados pela categoria; as novas regras têm como objetivo
garantir que as empresas não parem de funcionar em qualquer hipótese, por isso,
caso haja contestação dos trabalhadores em relação a alguma medida do patrão,
estes correm o risco de serem demitidos sem direito a contestação.

Na educação francesa, foram feitas diversas alterações, entre elas a reforma
do vestibular. Antes, o vestibular existente pouco selecionava; isso atrelado ao
aumento significativo de estudantes em idade para acessar o ensino superior gerou
a superlotação das universidades. Dessa forma, a demanda dos estudantes se
tornou pela criação de novas universidades e ampliação das já existentes. No
entanto, a resposta do governo de Emmanuel Macron foi no sentido contrário:
restringir o acesso às faculdades por meio da reformulação do BAC (baccalauréat –
vestibular francês). Agora, a avaliação se dá de modo contínuo desde o colegial
(“lycée”), quando os alunos já devem escolher matérias para ter maior ou menor
peso em sua formação, em detrimento da carreira que pretendem seguir; uma etapa
com avaliação oral foi adicionada, além da prova de língua inglesa. O resultado a
curto prazo desta nova modalidade foi desastrosa, pois cerca de 400 mil estudantes
não foram aceitos em qualquer universidade ou ficaram em listas de espera.

Por conta das medidas dos primeiros meses de governo, a popularidade do
novo presidente caiu bruscamente entre a população; a partir disso, o cenário que
parecia favorável para Macron e seus planos de reformas se tornou instável, tendo
como epicentro a greve dos ferroviários na França em 2018.

O sistema de trens na França é integralmente público e o órgão responsável
por gerenciar este meio de transporte é a SNCF (Société Nationale des Chemins de
fer Français – Associação Nacional das Ferrovias na França). A avaliação do
governo é que o sistema de trens funciona de maneira insuficiente e nem um pouco
rentável aos cofres públicos, dado que recebe subsídios anuais na casa dos 40 bilhões de euros, ao mesmo tempo que sua dívida é mais que o quádruplo desse
valor.

Com base nesse diagnóstico, a solução dada pela gestão Macron foi a
proposição de uma reforma no sistema ferroviário incluindo: fechamento de linhas
menores, sob alegação de falta de demanda; mudanças bruscas no estatuto de
trabalho dos ferroviários, prevendo o fim da contratação em regime vitalício e o fim
do reajuste automático dos salários, por exemplo; além da abertura das linhas de
trem para concorrência, leia-se privatização… Por outro lado, os ferroviários têm
reivindicado aumento imediato dos salários (300 euros); a redução na carga de 32h
de trabalho semanal sem diminuição de salário; proibição dos planos de demissão
voluntários; contra o avanço das grandes empresas privadas no sistema de trens; etc.

A greve tem se estendido desde abril deste ano, durando já há quase três
meses. Os sindicatos dos ferroviários são conhecidos historicamente na França
como difíceis de serem vencidos em disputas como essa, tendo sido responsáveis
em 1995 pela renúncia do premiê francês, Alain Juppé, quando este também
encabeçava uma tentativa de uma série de reformas na seguridade social da
população, incluindo mudanças drásticas nos transportes, na previdência, e na
saúde. A greve se deu entre novembro e dezembro de 1995, envolvendo
trabalhadores do setor público e privado dos transportes, saúde, correios,
telecomunicações, educação, etc, entrando pra história como a maior mobilização
desde maio de 1968 na França.

Na greve atual, as paralisações têm ocorrido na razão de dois a cada cinco
dias. Inicialmente, houve dúvidas se uma greve que não fosse contínua seria capaz
de suportar uma queda de braço com Emmanuel Macron, porém, a paralisação em
alguns dias gera um caos no restante da semana no sistema ferroviário,
possibilitando que a greve se tornasse uma das mais longas na história da categoria
e acumulando um prejuízo de bilhões para o governo; ademais, os ferroviários têm
conseguido garantir a reposição quase integral dos salários dos grevistas (mais de
50% da categoria) por meio de campanhas e atividades que extrapolam os limites da própria categoria, tendo até o momento uma vitória parcial no recuo de Macron
quanto a fechar linhas menores de trens e tendo a possibilidade de dobrar um
governo que até então parecia ser intocável.

Artigo originalmente publicado no Portal da Esquerda em Movimento.


Fontes:

https://npa2009.org/actualite/social-autres/les-retraites-leur-tour-dans-le-viseur

https://npa2009.org/actualite/entreprises/loi-travail-xxl-chamboule-tout-pro-patrona
l

https://www.lemonde.fr/bac-lycee/article/2018/01/25/reforme-du-bac-nos-reponse
s-a-vos-questions_5246948_4401499.html

https://paris-luttes.info/mobilisons-nous-contre-parcoursup-9573?lang=fr

https://www.letudiant.fr/etudes/parcoursup-le-mouvement-etudiant-commence-a-p
rendre.html

http://www.leparisien.fr/economie/emploi/reforme-de-la-sncf-1995-quand-la-greve-
generale-paralysait-la-france-28-02-2018-7583283.php


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