Uma crise longe do fim

O acordo arrancado como resultado da mobilização dos caminhoneiros, que paralisou o país, e a posterior demissão de Pedro Parente não colocaram um ponto final na crise do governo Temer.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 12 jun 2018, 19:31

Apesar do reestabelecimento da rotina de abastecimento das cidades, com a volta à normalidade dos transportes e dos postos de gasolina, o governo acabou tão debilitado que é incapaz de responder com qualquer iniciativa. Os desdobramentos da recente onda especulativa causaram a derrubada da bolsa. A “conta” da redução do preço do diesel ainda não fechou. Há reclamação dos setores industriais e ruralistas pelos preços de fretes. O novo presidente da Petrobrás, Ivan Monteiro, fez declarações ambíguas sobre a periodicidade dos reajustes dos combustíveis e uma hipotética nova política de preços.

A “tempestade perfeita” contra a quadrilha que dirige o Planalto completa-se com o avançar das investigações de corrupção: foi autorizada por Edson Fachin a quebra dos sigilos dos dois lugares-tenentes do presidente, Eliseu Padilha e Moreira Franco. O caso da reforma da casa bancada pelo “coronel amigo”, João Baptista Lima Filho, segue dando o que falar. Nessa semana, o arquiteto Diogo de Freitas, responsável pela obra na casa da filha de Temer, Maristela, revelou em depoimento à PF que Lima intercedeu em favor de seu amigo Michel e realizou pagamentos da reforma. O governo emitiu uma nota defensiva e confusa.

A pesquisa Datafolha, por sua vez, brindou Temer com um novo recorde de impopularidade: 82% da população consideram o governo ruim ou péssimo. Apenas 3% dos entrevistados apontam o governo Temer como bom ou ótimo. Temer tenta se equilibrar para chegar até o final do mandato. Apesar de serem apenas seis meses, a posição de Temer é muito instável. Já se especula na imprensa a respeito da possibilidade da apresentação de uma nova denúncia ao Congresso. A falta de alternativa assusta a burguesia e por isto se torna o principal fiador do governo.

A Copa do Mundo aproxima-se e o clima de incerteza persiste. Todos os índices econômicos deterioraram-se nas últimas semanas, desmentindo o discurso oficial. As estimativas sobre o PIB para 2018 baixaram para 2% ou menos. Já há analistas que duvidam mesmo deste índice rebaixado e falam em mais um ano de estagnação. Sobre a inflação, por sua vez, já há percepção de que deverá ficar mais alta do que os analistas estimavam no começo do ano.

Vários fatores precisam ser analisados para discutir a natureza da atual crise. A situação internacional não é nada alentadora. Os dados do desemprego não melhoram. Cresce o trabalho precário, sobem os preços, os cortes nas áreas sociais são sentidos dramaticamente… Temer entrega mais e mais o patrimônio nacional, como fez com os campos de pré-sal, como está lutando para entregar a Eletrobrás e quatro das principais refinarias do país. O Brasil está sendo desmontado.

Turbulências nos mercados

As crises política e econômica se retroalimentam. Os dados da semana indicaram queda nas bolsas, corrida pelo dólar e desvalorização do real. Com o governo fraco demais para garantir a intervenção na regularização dos preços depois da crise aguda causada pela rebelião dos caminhoneiros, a crise vincula-se a elementos externos à condução da política econômica local. O presidente do BC, Ilan Goldfjan, foi à imprensa tranquilizar investidores depois da turbulência da semana.

Para socorrer os mercados, o Banco Central destinou bilhões em dinheiro público para controlar o dólar. Mais de 20 bilhões das reservas cambiais foram utilizadas na semana passada para “resguardar” a economia da vulnerabilidade externa. O FMI solidarizou-se com a política econômica do governo.

Alguns fatores externos contam para intensificar a crise: a ameaça de uma guerra comercial e as flutuações do preço do petróleo, motivadas pela instabilidade das movimentações de Trump e dos Estados Unidos; os efeitos da desvalorização do peso mexicano, com as incertezas da renovação do tratado do NAFTA; e os desdobramentos da crise argentina. A alta acompanha a voracidade de investidores que apostam na desvalorização da moeda brasileira, apostando na “quebra” da economia para ganhar mais com a especulação.

Outubro distante

Se o cenário econômico não é alentador, o ambiente político é marcado pelas incertezas. A nova pesquisa Datafolha de 10/06 marca tendências iniciais e muitas variáveis em aberto. O rechaço praticamente unânime a um candidato apoiado por Temer demonstra o esgotamento de seu governo. Meirelles, seu candidato, não chega a 1% das intenções de voto: o fracasso da bandeira “reformista” do governo.

Há o crescimento da tendência ao “voto bronca”. As eleições extemporâneas do estado do Tocantins, por exemplo, apontam nessa direção: quase metade dos eleitores não foi às urnas. De resto, Lula segue liderando todos os cenários em que aparece. Bolsonaro mantém sua posição de principal antagonista do candidato do PT. Marina postula-se como a herdeira das forças do centro num momento em que a direita está contra a parede e explode a crise tucana expressa numa candidatura de Alckmin com dificuldades para crescer.

Ciro Gomes, por sua vez, tem utilizado sua retórica para lançar em debates e entrevistas boas sacadas contra o neoliberalismo e o governo, ao mesmo tempo, no entanto, que acena com uma composição com setores da burguesia industrial, tendo como possível vice Benjamim Steinbruch, personificando uma busca de alianças à direita que poderiam incluir até mesmo o PP.

Em tal cenário pantanoso, os representantes do “mercado” na imprensa insistem com o que seria a “necessidade” do país: um candidato capaz de ter a legitimidade das urnas para impor o ajuste, com base a manutenção do teto de gastos, o aprofundamento da reforma trabalhista e a reforma da previdência.

O PSOL, que começa a fazer eventos de suas pré-candidaturas majoritárias e proporcionais, deve buscar uma localização radicalmente distinta dessa. Além do combate à casta política, o programa da chapa Boulos e Guajajarara deve tocar em problemas fundamentais do país, como a taxação das grandes fortunas, a revogação incondicional da reforma trabalhista e do “teto”, a auditoria da dívida pública e um novo pacto fiscal no país.

Com o Espírito de Junho, disputar à esquerda

No mês em que se celebram 5 anos das jornadas que mudaram o país, reforçamos nossa inspiração na luta de Junho e em seu legado, apoiando as lutas e mobilizações em curso. Mas também levantando um programa alternativo para o país. Nossos pré-candidatos, de norte a sul do Brasil, estão comprometidos com as bandeiras de luta, dos trabalhadores, das mulheres, da juventude, da negritude.

Impulsionamos iniciativas como a das mulheres do PSOL, que convocam em seu seminário nacional um ato em memória a Marielle Franco na sexta-feira, dia 15 de Junho, no Rio de Janeiro, para mais uma vez gritar: “Quem matou e quem mandou matar Marielle”? Já são 90 dias de impunidade!

No debate programático dentro do PSOL vamos defender que o programa de Boulos e Guajajara inclua bandeiras históricas do Partido como a questão da auditoria da dívida.

É preciso lutar e é possível vencer, com as campanhas salariais, contra os ataques aos servidores públicos. Com a intransigência dos de baixo e com a força da mobilização, podemos lutar contra a alta de preços e colocar Temer pra fora.


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Pedro Micussi