Como pesquisas eleitorais inventam um candidato de direita
Jair Bolsonaro é um exemplo dos golpes metodológicos que os institutos de pesquisa e a imprensa do país desenvolvem para inventar um candidato.
Vivemos uma conjuntura bastante singular. Na crise estrutural do capitalismo, as disputas políticas também são marcadas pela crise. Mark Lilla, em The Once and Future Liberal: After Identity Politics (2017), assinala que a guinada à direita nos EUA ocorre por uma redução da política o uma orgia, à total falência de embates políticos que lembrem os jogos democráticos da pólis. Isso explica a emergência de figuras como Donald Trump e tomadas de posição como o Brexit. Neste ambiente, as Fake News se tornaram um recurso comum para a invenção de resultados políticos. As pesquisas eleitorais, em grande medida, podem se realizar como reforço em tal invenção. O caso da cadidatura de Jair Bolsonaro, à Presidência da República nas eleições de 2018 no Brasil, pode-se inferir então, é um exemplo dos golpes metodológicos que os institutos de pesquisa de opinião e a imprensa do país desenvolvem no afã de inventarem um candidato.
Tomo aqui as pesquisas de opinião que contribuem para alçar a candidatura de Bolsonaro como objeto da reflexão por economia no método de exposição. Entendo que há uma contexto amplo, com uma diversidade de variáveis que devem ser exploradas para termos um quadro mais completo dos recursos postos em andamento que inventaram a candidatura em foco. Todavia, me limitarei a analisar brevemente aquilo que mais adiante nomino por Fake Research.
Numa obra clássica intitulada The People’s Choice (1948), Paul F. Lazarsfeld demonstrou como pesquisas sobre atitudes e comportamento político podem inventar resultados. Pesquisas de opinião realizadas sem a observação criteriosa de um conjunto de técnicas de coletas de dados e de análises estatísitcas sérias podem resultar em leituras compelatamente díspares e sem nexos com o efetivo movimento do real. O problema é quando tais pesquisas, ao invés de coletarem a opinião, a formam.
Um tipo comum de “erro” que pesquias eleitorais podem cometer está relacionado com o descuido com a interferência de bias nas respostas que são dadas pelos respondentes numa situação de entrevista. Earl Babbie, em Survey Research Methods (1997), apontou que uma entrevista de opinião realizada numa situação em que variáveis estranhas interfiram no contexto da entrevista, como no caso de comoção social, por exemplo, resulta em respostas enviesadas, contaminadas pelos bias. Pesquias assim, se se atentar para a lógica dos métodos quantitativos e qualitativos, devem ser descartadas.
O fato é que, no caso das eleições à Presidência no Brasil em 2018, a boa pesquisa, a ética na observação do rigor metodológico, foram mandadas às favas, num conluio com uma mídia que trabalha ciosamente para evitar o ascenso de uma candidatura de esquerda e/ou progressista.
Durante a greve dos caminhoneiros, em maio último, na qual o país se viu diante de um movimento social multifacetado e polissêmico, típico de uma categoria fragmentada, uma de suas marcas foi o pedido de intervenção militar. Neste ambiente profundamente enviesado, o DataPoder360 realizou uma pesquisa de opinião sobre a preferência do eleitor para a corrida presidencial. Como se não bastasse o enviesamento do contexto, a pesquisa, nos cenários que similou, retirou a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva (PT). Nos três cenários “testados”, o candidato Jair Bolsonaro liderou com preferência entre 21% a 25% do eleitor. A pesquisa sem nenhum compromisso com o rigor metodológico foi divulgada amplamente pela grande mídia sem nenhum cuidado em fazer a crítica da insuficiência técnica.
No início do mês de junho, a XP Investimentos realizou “entrevista” com 204 investidores que responderam à pergunta “quem será o vencedor das eleições em 2018?”. Grupo de entrevistados extremamento seleto, sem nenhuma possibilidade de representar o conjunto da opinião pública brasileira. 48% dos respondentes apontaram que Bolsonaro vencerá o processo eleitoral. O portal da revista Exame anunciou em meio a grande estardalhaço: “O pré-candidato do PSL, Jair Bolsonaro, foi apontado como vencedor das eleições presidenciais em 2018”. Mais uma vez, um exercício sem possibilidade alguma de validação científica foi apresentado como objetivo, rigoroso.
Numa era reacionária, a mídia e institutos de pesquisa apostam em dados inventados. A boa pesquisa, aquela que segundo Selltiz et all, em Reserch Methods in Social Relations (1960), deve se fundar em processos científicos que garantam a obtenção de informação significativa, objetiva e não enviesada, já não é necessária na leitura das corridas eleitorais.
É desse modo que, um candidato sem nenhuma expressão junto à massa da nação, foi inventado como presidenciável. Coletas de informação carentes de observação científica, verdadeiras Fake Research, são alçadas à condição de fontes confiáveis por uma mídia que vai cada vez mais ganhando gosto pelas Fake News. Na crise política que atingiu os partidos hegemônicos da nação, a direita ficou num vácuo de nomes que ganhem a preferência do eleitor brasileiro. Mas é inconstestável que institutos de pesquisa de opinião e a grande mídia optaram pela invenção de uma candidatura. É a política como orgia, cinismo, razão assaltada.